Diversão e Arte

Francisco Igor lança hoje a mixtape Fita embolada do engenho, no bar Calaf

postado em 28/03/2011 08:15

Aqui se mistura. Seja a rapadura feita no engenho, seja o som inspirado no vaivém das colheres que mexem a fervura de um dos quitutes brasileiros mais tradicionais, feito com o melaço da cana-de-açúcar. Quem comanda a mistura é o cearense de 26 anos, Francisco Igor Almeida dos Santos ou Rapadura Xique Chico, alcunha do primeiro rapentista do Brasil. Quiçá do mundo! Herdeiro das tradições nordestinas do baião e do forró, misturado ao som potente do hip-hop, o cantor lança hoje a mixtape Fita embolada do engenho, em show na festa Criolina do Bar do Calaf.

;Fita embolada; é uma expressão inventada pelo próprio rapper em substituição ao termo estrangeiro usado hoje em dia para denominar a primeira gravação que um artista faz (mais ou menos o que eram as antigas fitas demo). Não é a única usada no vocabulário nordestinês do artista, mas já está caindo no gosto popular (conheça mais no quadro ao lado). ;Muita gente tem entrado em contato pedindo autorização para usar o termo. No Nordeste, já está pegando;, revela o autor de É doce, mas não é mole e Norte nordeste me veste, vencedor duas vezes do extinto prêmio Hutúz, organizado pela Central Única de Favelas (Cufa), nas categorias Revelação Norte/Nordeste e Melhor revelação do século 20.

Francisco ou Rapadura Xique Chico, na feira da Ceilândia: para ser aceito em casa misturou a sanfona do forró com os scratches  dos DJsAté Rapadura se mudar para Planaltina-DF, em 1997, e entrar em contato com a música da periferia, o Brasil corria o risco de ganhar mais uma ídolo do brega. ;Eu ouvia isso lá em Fortaleza e me influenciou. Uso expressões do brega, muitos dos meus samplers são do brega. Sem falar da mensagem. O Paulo Sérgio falava muito do conflito entre o novo e o velho e de família. Tudo isso aparece na minha música;, reparou o cantor. Como todo começo conflituoso, aos 13 anos, ele precisava se sentar na calçada para rabiscar versos e escapar do controle dos pais, que detestavam o envolvimento do filho com aquilo que acreditavam ser música de bandido.

Chapéu de palha
Para ser aceito em casa, a solução foi misturar a sanfona e o triângulo aos scratches dos DJs. Funcionou com o seu Chico e dona Lourdes, mas os manos do hip-hop acharam estranho o rapaz vestido de chapéu de palha e sandália de couro subindo no palco para fazer música falada. ;Brasília é um caldeirão, com muita mistura. Aqui, a minha música é bem aceita. Em São Paulo, eu até fui ironizado uma vez. Coloquei o episódio numa composição;, relembra. ;Gostaria que o pessoal do rap conhecesse melhor a música popular. E que o pessoal do forró, conheça melhor o rap. Queria encorajar os rappers a fazer hip-hop que se pareça com cada região do Brasil em que se origine. Por exemplo, no Mato Grosso, poderia lembrar o Pantanal;, defende o rapper.

Para alcançar esse objetivo, o empenho em pesquisar cultura popular nordestina já completa 10 anos. ;Eu pesquisei o repente em métrica e rima. Para os repentistas, os rappers não fazem música porque apenas falamos a letra. No repente, existe a parte das cantorias;, esmiuça o pesquisador.

A experiência tem aproximado Rapadura de mestres da cultura nordestina. Ele, por sua vez, tem repassado a bola para a frente. Com o cordelista Chico Assis, fez uma oficina de rap e cordel com estudantes de Ceilândia e angariou um cantor de apoio, o MC Cleyton, 23 anos, estudante de antropologia da Universidade de Brasília (UnB). De outra vez, criou um espetáculo de mamulengos, O rap repente, para melhor se comunicar com as crianças. Os bonecos fazem participações em alguns shows quando também são distribuídos pedaços de rapadura para a plateia. Como se vê, a produção do cabra é arretada!


Fita embolada do engenho
Hoje, às 21h, lançamento do mixtape Fita embolada do engenho, do MC Rapadura Xique Chico na festa Criolina no Bar do Calaf (SBS, Q. 2, Ed. Empire Center; 3325-7408). Entrada: R$ 10 (mulher) e R$ 15 (homem). Preço do CD: R$ 10. Não recomendado para menores de 18 anos.

As rimas de rapadura

Fita embolada do engenho
Cordelista é menestrel/ Repentista não usa papel/ Improvisa um filho fiel/ Quando canta arranca o chapéu/ Trabalho duro, eficaz/ Matérias-primas rurais/ Busco e agarro ideiais/ Para tirar todo o melaço/ Faço o cangaço em cantigas/ Não faço começos falsos pra importar
peças gringas

É doce, mas num é mole
Minha cultura é cantada, dançada/ É prosa falada, arada e cultivada/ Amada e eternizada/ Se for pela minha gente, arrasto peixeira, punhal/ Sou nordeste até a tampa/ Rapadura que canta e encanta

Moça namoradeira
Moça linda que já vem/ Na janela espera alguém/ Não sabe bem quem, mas sabe que espera por algum bem/ Se arruma no espelho, bota uma flor no cabelo e um vestido maneiro e pro santo faz uma apelo

O vocabulário
de Rapadura

; É nóis! = Oxente, é arrente!
; Mixtape = fita embolada
; Rapper repentista = rapentista

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