Diversão e Arte

Morto aos 86 anos, o documentarista Thomaz Jorge Farkas deixa seu legado

postado em 29/03/2011 07:40
Congresso Nacional em 1960:  estética de Brasília atraiu o fotógrafoNa última sexta-feira, o Brasil se despediu do fotógrafo, empresário, professor e documentarista Thomaz Jorge Farkas, que morreu aos 86 anos de falência múltipla dos órgãos. Intelectuais e jornalistas enfatizaram a enorme dívida que todos os brasileiros têm com o indivíduo nascido na Hungria em 1924 e de identidade brasileira inquestionável. Farkas se tornou um brasileiro no instante em que desembarcou no país aos 6 anos e, ao longo da vida, o que fez foi apenas intensificar a brasilidade adquirida com a mudança. Boa parte do exercício de ser brasileiro, Farkas completou com o trabalho na fotografia e no cinema.

Em A fotografia moderna no Brasil, os escritores Helouise Costa e Renato Rodrigues Silva descreveram assim o efeito pioneiro de Farkas. O trabalho dele foi um dos divisores da fotografia do país: ;O ano de 1945 foi marcado também pelo surgimento de um outro trabalho de ruptura. Tratava-se da produção de Thomaz
Farkas, que ingressou no Foto Cine Clube Bandeirante naquela época. Extremamente jovem, Farkas não trazia os vícios de uma visão acadêmica e lançou-se às pesquisas em várias direções.

Dedicou-se a especulações de ordem formal, enfatizando ritmos, planos e texturas e recorrendo ao contraluz. Problematizou o movimento na fotografia, principalmente através de expressões de dança e, além disso, ingressou no grupo surrealista que pretendia usar a fotografia como uma forma de ;divagação psicológica;. Foi, no entanto, na utilização de ângulos inusitados que o artista atingiu a maturidade de sua visão moderna, realizando um trabalho de grande personalidade;.

O gosto pela imagem já estava no DNA do menino que ganhou uma máquina fotográfica ainda na infância. Coisa normal para quem descende de uma família de fotógrafos e cresceu dentro da primeira loja de artigos fotográficos no Brasil, a Fotoptica, fundada em São Paulo por seu pai.

O apuro estético levou o fotógrafo a se embrenhar pela cidade projetada em função da arquitetura moderna. Brasília foi um objeto do artista ainda no período da construção. As linhas dos edifícios de Oscar Niemeyer ganharam o registro em preto e branco inconfundível do estilo Farkas. Mas, como gostava de pessoas, ele voltou suas lentes também para os operários exaustos que participavam da construção. Em 2000, a convite do Correio, ele retornaria à cidade para um ensaio exclusivo. Encontrou muitas Brasílias dentro de Brasília e se encantou com a luz natural do planalto. ;É suave, as sombras têm contraste e, como não tem poluição, é transparente;, observou.

A trajetória brilhante de Farkas não seria reduzida somente a fotografia. Aos escritores Thales Trigo e Simonetta Persichetti, autores do prefácio do livro de fotografias de Farkas, editado pela editora Senac de Fotografia em 2004, o fotógrafo revelou ter despertado para o tamanho do Brasil ao ingressar no curso de engenharia da Universidade de São Paulo (USP). Foi na Poli que Farkas conheceu gente de todas as raças. ;A escola foi uma grande descoberta para mim. Foi lá que conheci pessoas que não eram da minha convivência diária nem da minha nacionalidade; Nessa época, fiz várias excursões e aí o Brasil se abriu para mim. Foi uma experiência maravilhosa;, relatou aos autores. A experiência seria a origem afetiva para o projeto que ficou conhecido como Caravana Farkas. Nos anos 1960, ele patrocinou a produção de vários documentários brasileiros dirigidos pelos iniciantes Maurice Capovilla, Eduardo Escorel, Paulo Gil Soares, Sérgio Muniz , entre outros.

Munidos de leves câmeras 16mm e gravadores de som modernos, os cineastas percorreram toda a extensão do país fazendo o maior registro dos costumes brasileiros, urbanos e rurais, que se tinham produzido até então. A etnografia cinematográfica do grupo redefiniu o modo de fazer documentários no país com a introdução de longas entrevistas projetadas com som e imagem em sincronia. Na mesma entrevista que concedeu para Trigo e Simonetta Persichetti, ele assim definiu a caravana patrocinada e produzida por ele: ;Eu não queria fazer filmes políticos ou engajados. Tinha outra cabeça. Queria mostrar o Brasil para os brasileiros. Um Brasil que a televisão não mostrava;. Alguém registrou uma declaração parecida de outro empresário brasileiro?

Trinta e quatro mil imagens de Farkas fazem parte do acervo fotográfico do Instituto Moreira Salles (IMS). Quando o fotógrafo morreu estava em curso a exposição Thomaz Farkas: uma antologia pessoal, com 100 imagens na sede da instituição em São Paulo e que está marcada para continuar em cartaz até 3 de abril. ;Gosto das imagens, elas produzem encantamento. Para mim, elas funcionam como memória. E a memória é uma coisa muito importante.; Memória. Uma palavra tão difícil para os brasileiros guardarem.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação