; ;e um cone de metal reluzente, do diâmetro de um dado. Em vão, um menino tentou levantar esse cone. Só um homem conseguiu. Eu o tive na palma da mão alguns minutos: recordo que seu peso era intolerável (;). Também recordo o círculo preciso que me gravou na carne. Essa evidência de um objeto muito pequeno e, ao mesmo tempo, pesadíssimo deixava uma impressão desagradável de asco e medo (;);
Com esse trecho de Ti;n, Uqbar, Orbis Tertius, de Jorge Luis Borges, o escritor paranaense Paulo Leminski arriscou definir a pequena grandiosidade do haicai, na apresentação de uma feita biografia feita por ele sobre poeta-samurai japonês Matsuo Bashô (1644-1694). Alice Ruiz, uma das poetisas contemporâneas mais ligadas aos versos japoneses, tem definição mais suave: ;Haicai é um flash, é como... o acender de um vaga-lume;.
O haicai começou a migrar para o Ocidente no século 19. Os versos nipônicos eram divulgados principalmente por poetas franceses e ingleses. No Brasil, chegou na segunda década do século passado, com Afrânio Peixoto, escritor baiano integrante da Academia Brasileira de Letras (ABL).
Esse gênero literário tão minucioso e simples como uma equação matemática, uma brisa de primavera, é a ferramenta do poeta paulista Nelson Savioli em Insistente aprendiz, livro recém-lançado pela Qualitymark Editora. ;Tomei contato com a obra de Bashô e os haicais na adolescência, por intermédio de tradução do mexicano Octavio Paz;, lembra.
Além das regras ligadas à métrica, usando as 17 sílabas típicas para fazer a justaposição entre duas sensações: o ;permanente; e o ;transitório;, Savioli lembra que os haicais não podem ;contar tudo; e devem deixar ao leitor o prazer de sua compreensão, é quase uma coautoria. Em Insistente aprendiz, o autor contextualiza cada poema ;por que e como foi escrito, além de comentar sobre os mestres que foram suas referências. Por exemplo:
O tempo não passa ;
a aranha imóvel no teto
parece me fitar
Noite de insônia, luz do abajur acesa, o livro parece mais pesado do que de costume. No teto, acompanhando-me na vigília, a aranha me observa? Aprecio muito um haicai de Kyoshi (1874-1959)
A serpente fugiu.
Seus olhos que me fitaram
continuam na grama
Haicais de Savioli
Mãos flutuam
Garimpando sons.
Ah, primavera!
Manhã outonal.
Os primeiro sons da manhã
vêm pelo rádio.
A orquestra destoa ;
maestro com uma mosca
na ponta do nariz.
Passa o caminhão,
olhos fitos no horizonte,
o cão viaja.
Insistente aprendiz
De Nelson Savioli. Editora Qualitymark. Número de páginas: 192. Preço sugerido: R$ 15.
Texto retirado do site
Haicai: o poema japonês
Segundo Harold G. Henderson, em Haiku in English, o haicai clássico japonês obedece a quatro regras:
- possui 17 sílabas japonesas (sons, durações), divididas em três versos de 5, 7 e 5 sons;
- o tema é a natureza;
- refere-se a um momento (como um instantâneo);
- retrata o momento presente, o agora, e não algo que passou.
Ao passar para os outros países, algumas dessas regras são seguidas com maior ou menor fidelidade, outras não, dependendo de cada poeta ou da escola.
O Grêmio Haicai Ipê, grupo que se reúne desde 1987, para estudar e praticar esta forma poética estabeleceu as seguintes características para o haicai:
- o poema tem três versos preferivelmente escritos em 5, 7, 5 sílabas poéticas, sem rima nem título, contadas segundo a métrica portuguesa.
- reflete um instante da realidade, sugestiva, mas não explicativa;
- deve ter como centro um kigo, ou termo relativo a uma estação do ano, retratando a natureza e mostrando a transitoriedade do mundo.
O poeta Guilherme de Almeida (1890-1969) começou a escrever haicais com rima. Ele rimava não apenas o 1; com o 3; verso, como também fazia uma rima interna no 2; verso. O haicai rimado ficou conhecido como "haicai guilhermino". Ele também fez alguns haicais com título. Exemplo:
Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se: "Agora."
O que é preciso saber para redigir um haicai
1. Estrutura
No Brasil, os 17 sons japoneses transformaram-se em 17 sílabas poéticas. O haicai é um poema sintético, formado de três versos, com 17 sílabas poéticas, assim distribuídas:
- o primeiro verso tem 5 sílabas;
- o segundo verso tem 7 sílabas;
- o terceiro verso tem 5 sílabas.
Em princípio, não há necessidade de rima nem título, ficando a gosto do poeta:
À beira da estrada
o casal tirando fotos
do arrozal de outono
(Antônio Seixas)
Não é necessário iniciar todos os versos com letra maiúscula, salvo quando a pontuação assim o exigir.
Os versos devem estar ligados entre si, e não isolados, com economia de palavras ou com uso de apóstrofos. A construção da frase deve ser simples com palavras comuns, espontâneas e sem inversões
A redação de haicais requer observação e prática, por isso, deve-se observar a natureza , estudar e escrever.
Devem-se empregar poucas vezes os adjetivos, pois os substantivos e os verbos são a essência da comunicação.
2. Contagem das sílabas poéticas:
A contagem de sílabas poéticas difere da das sílabas gramaticais.
3. Poesia da natureza
O haicai retrata um momento da natureza, cuja menção é feita por meio de um kigo, isto é, um termo-de-estação. No Brasil, apesar de não termos tão demarcadas as quatro estações como em outros países, existe um ciclo anual caracterizado por elas. Os kigos são palavras-chaves ou expressões que indicam as estações do ano.
Por exemplo:
- estações do ano: primavera, verão, outono e inverno;
- feriados em geral: Finados, Carnaval, Natal, Dia do Soldado;
- meses do ano: janeiro, abril, setembro e novembro;
- fauna e flora: colibri e margarida;
- elementos de geografia: rios e serras;
- primavera: alegria, renovação, amor, flores, juventude;
- verão: vivacidade, liberdade, calor, maturidade;
- outono: melancolia, decadência, nostalgia, colheita, senectude, amarelo;
- inverno: tranqüilidade, reclusão, morte, repouso, frio, neve.
4. Poesia do presente
O haicai sempre exprime um momento vivenciado no presente. Uma vez que tem como tema a natureza, fala de coisas concretas. Tratando sobre o presente por meio de coisas concretas, refere-se à temporalidade e ao efêmero, que são sinais do mundo terreno. O haicai expressa a transitoriedade, o que é salientado pelo emprego dos termos-de-estação ou kigos.