Diversão e Arte

Maria Alice Vergueiro dirige e encena texto do chileno Alejandro Jodorowsky

postado em 08/04/2011 08:53
Em algum canto da memória, a atriz Maria Alice Vergueiro guardou uma menção ao chileno Alejandro Jodorowsky, multiartista renascentista do século 20. Quem comentou foi o diretor teatral José Celso Martinez Corrêa nos anos 1960. Uma das coisas que essa dama do teatro brasileiro experimental não sabia àquela altura é que Jodorowsky era tão talentoso quanto místico. Em 2007, quando visitou o Brasil por conta de uma retrospectiva de seus filmes, ele fez consultas de tarô. Na capital paulista, a artista foi sorteada para se consultar. As três cartas de Alice ; o Juízo, o Enamorado e o Imperador ; traziam uma mensagem.

;Ele viu uma figura masculina me rondando. Alguém que me surpreenderia, me ajudaria com uma ideia. Não senti na hora. Não bateu, como a paixão, quando se está indo bem com uma pessoa conversando e de repente ;pá!’ Dá aquele tesão. Eu seria pega e haveria a realização com muita perseverança. Acredito um pouco nessas coisas mágicas. Gosto de trabalhar com essas inspirações;, conta a atriz, que está em Brasília, para a estreia da temporada de As três velhas, texto de Alejandro Jodorowsky, dirigido por ela que inicia temporada hoje e segue até 1; de maio no Centro Cultural Banco do Brasil.
Maria Alice Vergueiro, entre Pascoal da Conceição e Luciano Chirolli, em texto que discute a velhice
Tempos depois, a atriz descobriu um texto de Jodorowsky e a profecia se fez: a tal figura masculina era o próprio autor. Além de dirigir, ela acabou estimulada a atuar. O conselho veio do amigo de 20 anos, Luciano Chirolli, que queria vê-la em cena ao lado dele, de Pascoal da Conceição e de Marco Luz. ;O texto mexe com a velhice. Isso me interessou. Eu não pensava em ser atriz desse espetáculo. Luch revelou, para mim, a possibilidade de atuar também. Eu estava muito amedontrada por causa do Parkinson e não queria entrar em cena. Mas ele me convenceu. Tem sido terapêutico;, revela a atriz de 76 anos.

Os tapetes carcomidos do cenário exalam a decadência de um tempo pretérito que ainda aprisiona duas marquesas octogenárias e uma criada centenária. Vivendo à custa de dieta de ratos e baratas, as personagens reiventam memórias, histórias que nunca aconteceram. ;Tenho certeza que a estética que alcançamos com o espetáculo, não só com o trabalho junto à direção de arte, é ímpar. Claro que não estamos fundando um novo gênero no teatro brasileiro. São cenas curtas, com linguagens próprias. Mesmo assim narramos uma história. A narrativa é completamente não linear. Demos sorte também por encontrar profissionais que souberam fazer o invólucro da nossa ideia;, reconhece Chirolli, que também é o produtor e pede o registro do agradecimento aos profissionais que trabalharam na produção.

Maria Alice Vergueiro acaba de ser homenageada no Prêmio Shell como ;paladina do teatro experimental;. Atriz histórica do Teatro de Arena, ela trabalhou com Augusto Boal e fundou o grupo Ornitorrinco. Em 2007, ganhou notoriedade com o grande público por causa das 5 milhões de visualizações da velhinha maconheira do vídeo/piada Tapa na pantera postado YouTube. A peça ganhou prêmio especial para o elenco, dado pela Cooperativa Paulista de Teatro.

Jodorowsky.com
;Não deixe que sua vida adote a forma de um caixão que lhe aprisiona;, declara, no microblog Twitter, o chileno Alejandro Jodorowsky para os seguidores de @alejodorowsky, que recebem diariamente pílulas de sabedoria em 140 caracteres. O conselho libertador pode ser usado em comparativo com a trajetória do artista que nunca se enquadrou. Em 1955, o filho de imigrantes ucranianos abandonou o Chile para estudar mímica em Paris. Com Roland Torpor e Fernando Arrabal, fundou o grupo de teatro Moviment Panique. Dirigiu filmes místicos inspirados nas cartas do tarô. A trajetória lhe valeu o financiamento do filme A montanha sagrada, pelo ex-Beatle John Lennon. Em parceria com o quadrinista francês Moebius, Jodorowsky fez a série de quadrinhos O incal e Os olhos do gato. Com Manara, ele narrou a saga Bórgia. Em Paris, onde vive até hoje, montou um pequeno teatro. Além das muitas atividades que desempenha aos 82 anos, ele reserva um bom tempo do dia no consultório virtual, quase uma extensão das consultas que faz em público.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação