Ricardo Daehn
postado em 11/04/2011 08:00
;Se eu for pensar em bilheteria, vou fazer umas comédias;, diz o ator Rodrigo Santoro, ao arriscar um rumo para a carreira, multiplicada em nervuras, justo no momento em que divulga o primeiro trabalho de um amplo ciclo a chegar às telas: na animação Rio, ele dá voz ao ornitólogo Túlio. Emplacado em mais de mil salas do país (quase metade do total), Rio aponta para a versatilidade do ator que capricha na dicção, para versões em português e inglês.
De caráter simples, o astro não se vangloria, ao falar, para o Correio, das experiências profissionais no exterior, levantadas depois de três anos. ;Não fui um dia para fora falando: ;Olha, eu vou, tô a fim de tentar uma carreira fora;. Ao contrário. Tivemos filmes mostrados na Europa e nos Estados Unidos, e as coisas começaram a chegar. Resisti bastante, porque estava num período ótimo para mim. Tinha até receio de ficar longe. Além dos fortes laços com a minha família, sentia muita falta do Brasil;, comenta.
Uma atual temporada em San Francisco reforça as saudades, já que ele está filmando Hemingway & Gellhorn, ao lado de Nicole Kidman e Clive Owen. Sob o comando de Philip Kaufman (de Henry & June ; Delírios eróticos), Santoro interpreta o espanhol Zarra, amigo do escritor e pintor John dos Passos (David Strathairn). O projeto do longa é para a HBO americana e cerca episódios que levaram Ernest Hemingway a escrever Por quem os sinos dobram, sob inspiração do romance mantido com a correspondente de guerra Martha Gellhorn.
A expectativa de promover o lançamento de cinco filmes até o fim do ano é outro dado vitorioso para o fluminense Rodrigo Santoro, atrelado a uma espécie de renascimento para o cinema brasileiro, nos anos 2000. ;Os filmes tinham uma fama muito ruim, né? As pessoas falavam que o som não funcionava, que a qualidade era ruim. E o Bicho de sete cabeças veio nesse momento, e veio com força;, relembra. Na época da estreia, com 25 anos de idade, ele conta que não buscava autoafirmação, ;estava atrás da oportunidade surreal de fazer cinema, um sonho antigo e um luxo;. Daí a surpresa do prêmio como melhor ator no Festival de Brasília, pelo filme de Laís Bodanzky, num episódio que rendeu ;um megacarinho; pela capital. Na exibição da fita, a reação ao grito ;bem alto; de uma fã ;mais exaltada;, puxou até vaias para o ator, mas ele fixou mesmo foi o fato de o filme ter sido valorizado ;pela essência;.
Sem espaço para erro, ele diz que a diretora ;contava negativo;. ;A equipe trabalhava ali com uma paixão, uma raça, uma entrega... Foi onde eu me emocionei trabalhando e fora do set;, comenta. Nem o intenso reconhecimento com o filme suscita a plenitude do ator. ;Acho que nunca me sinto inteiro: tô sempre buscando, em processo, sempre explorando. Então, a palavra inteiro, ela não casa;, avalia.
Filmagem
O termo envolvimento, porém, é mais do que adequado, no terreno profissional. ;Heleno é um filme que vai sair no segundo semestre, com a história do jogador Heleno de Freitas. Foi uma filmagem longa pra caramba: muitos meses foram dedicados. Enfim, é um projeto que eu estou produzindo também e é muito importante para mim. Por dez meses, no último ano, fiquei no Brasil, pela opção de fazê-lo;, explica, ao falar do filme comandado por José Henrique Fonseca. Temperamental e boêmia, a figura central, no filme com Alinne Moraes, é a do jogador do Botafogo e do Boca Juniors, morto antes mesmo de completar 40 anos.
Relacionado à morte, Meu país, filme de André Ristum (do documentário Tempo de resistência) é um drama de família também próximo a ser lançado. ;Ele vem nos moldes do Não por acaso, que foi bacana e poderia ter sido mais assistido. Aliás, tenho vontade de dialogar mais com o público. Não é implantar o ;vou sair (para o cinema) para pensar. Não é isso;. Meu país é um filme que fala sobre relações, sobre a família, superbonito, tem um elenco legal, com a Débora Falabella, o Cauã Reymond e o Paulo José, que faz meu pai. Ele traz várias coisas que eu acho que, se o espectador olhasse, mais atento, falaria assim: ;Caramba! Esse filme pode ser legal;;, comenta. A história do advogado Marcos, que sai de Roma para acompanhar o pai, vítima de derrame, promete testar a disposição do público. ;Eu acho que, às vezes, o cara fica com preguiça, não tem a certeza de que vai se divertir. Não sei exatamente o que é, mas a vontade é que a gente conseguisse pelo menos equilibrar as coisas, com relação ao interesse pelas comédias e pelo 3D;, opina.
Mais exílio
A escolha por histórias que, de alguma forma, o estimulem é um lema para o calejado ator, incapaz de ver ;fórmula exata; para o sucesso. ;Pela experiência que tenho, no mundo inteiro, milhares de fatores têm que dar certo para um filme acontecer;, diz o intérprete visto em filmes como Em Roma, na primavera e Simplesmente amor. A projeção internacional será reforçada, ainda neste semestre, com There be dragons. ;Um filme dirigido pelo Roland Joffé, o cara que fez A missão e Os gritos do silêncio. Foi superbacana: é um longa sobre a guerra civil espanhola;, adianta. Na pele de um líder militar na trama, Santoro é pivô para reviravolta nos amores da personagem de Olga Kurylenko (007 ; Quantum of solace), na fita detida no alternativo destino de Josemaría Escrivá de Balaguer (formulador dos preceitos do grupo Opus Dei). No enredo de redenção e segredos, o elenco inclui Wes Bentley (Beleza americana) e Derek Jacobi (Henrique V).
Outra ameaça de guerra civil ; desta vez, no Brasil ; está pontilhada em Reis e ratos, comédia que marca a parceria com o diretor Mauro Lima (Meu nome não é Johnny) e o reencontro nas telas com Cauã Reymond. A sinopse se firma num agente da CIA que, às portas da crise política, com o golpe militar, nos anos de 1960, se apaixona pelo Rio de Janeiro e reluta em regressar para os Estados Unidos. ;É uma brincadeira que eu, Selton Mello e Otávio Müller fizemos. Um filme de galera, rodado em 17 dias. Um experimento em preto e branco, numa viagem bem bacana;, diz.
Reis e ratos, num esquema alternativo, de certo modo, confirma a tese de Rodrigo Santoro de que ;é preciso que haja realmente espaço para tudo, sem monopólios;. ;É reducionista você ficar pensando ;não, quando for para o cinema, tem que ser algo cultural;;, explica. Com tanta diversidade, o ator só lamenta que haja um monte de ;coisa bacana sendo feita e que, às vezes, as pessoas não assistem;. ;Eu fico pensando: ;Pô! Será que eu tô escolhendo filmes muito independentes?; Ninguém viu, é muito duro, cara. Você olha para mim, você acha que, no cinema, eu sou bem-sucedido? Depende do ângulo. Eu tenho um filme que deu uma bela bilheteria: Carandiru. O 300 também. O Bicho de sete cabeças, na proporção dele, foi um sucesso. Fiz filmes menores, mas dos quais gosto muito;, conclui, com a peculiar segurança.