Diversão e Arte

Mostra de filmes inéditos leva ao CCBB produções de grandes diretores

postado em 18/04/2011 07:01
É ainda muito lentamente, e sem tantas esperanças, que o cinéfilo brasiliense começa a encontrar as rotas de fuga do deserto cinematográfico que se instalou na capital desde o fechamento das salas da Academia de Tênis, em maio de 2010. Até então, a cidade contava com o terceiro maior circuito alternativo do país, atrás apenas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Hoje, o dito ;cinema de arte; foi quase pulverizado das telas: a programação se limita a cardápio de multiplex. Um terreno desocupado onde começam a germinar reações. Há duas semanas, o Embracine, do CasaPark, reserva duas salas para fitas de pequenas distribuidoras. O Liberty Mall também passou a atentar para o nicho. Nada suficiente, no entanto, para saciar um público de órfãos.

Nesse contexto, a mostra Inéditos em Brasília, do CCBB, cumpre uma função até emergencial: exibe, a partir de amanhã, 13 produções recentes que não encontraram lugar no roteiro candango. Entre elas, joias de cineastas como Jean-Luc Godard (Film socialisme), Francis Ford Coppola (Tetro) e Eduardo Coutinho (Moscou). ;O público de Brasília é exigente e sente falta de opções. As mostras e os cineclubes estão lotados, mas existe uma lacuna no circuito;, explica a produtora Ana Arruda Neiva, que coordena a curadoria do evento. Concebido como um presente de aniversário para a capital, a mostra fica em cartaz até 15 de maio, com quatro sessões diárias e entrada franca. Se o público responder à altura, os organizadores querem repetir a experiência.

Minicircuito
Segundo a curadora, o objetivo foi criar um panorama diversificado, com filmes de vários gêneros e escolas cinematográficas, a maioria com passagem por festivais internacionais. Da ficção ao documentário, nove países são representados com projeção em 35mm (apenas duas em digital). ;A ideia de apresentar a mostra em quatro semanas é criar um clima cinéfilo na cidade, como se fosse um minicircuito de filmes inéditos;, observa Ana. Entre os longas, nenhum entrou na programação regular da cidade ; apenas o drama O refúgio, do francês François Ozon, teve pré-estreias, no Festival Varilux de 2010. Nesta página, o Correio seleciona os cinco títulos obrigatórios da safra.

O painel sortido abrange comédias como a argentina Dois irmãos, de Daniel Burman (O abraço partido), e a francesa 15 anos e meio, de François Desagnat e Thomas Sorriaux, que tratam de relações familiares, e dramas políticos como Antes da lua cheia, do iraniano Bahman Ghobadi (Tempo de embebedar cavalos), sobre a jornada de um músico curdo no Iraque. Os irmãos finlandeses Aki e Mika Kuarism;ki aparecem, respectivamente, com o suspense Luzes na escuridão e a tragicomédia O ciúme mora ao lado. E, em escopo globalizado, o drama sobre amizade O bom coração, de Dagur Kári, reúne produtores dos Estados Unidos, Dinamarca, Alemanha, Islândia e França. Além de Eduardo Coutinho, o Brasil se faz notar com O grão, de Petrus Cariry, e o infantil A casa verde, de Paulo Nascimento. Juntos, são filmes que prometem algo além do entretenimento: uma oportuna dieta de reflexão.

INÉDITOS EM BRASÍLIA
Até 15 de maio. Amanhã, sessões dos filmes Minha terra, África, às 15h, O refúgio, às 17h, O grão, às 18h40, e Tetro, às 20h30. Entrada franca.

Tetro, de Francis Ford Coppola
Filmado na Argentina, um dos projetos mais pessoais de Francis Ford Coppola trata de um tema habitual no repertório do diretor: as tensões familiares. Na trama, as disputas entre dois irmãos: Tetro, o mais velho (Vincent Gallo, de Brown bunny) e Bennie (Alden Ehrenreich). Filmado em preto e branco, com roteiro do próprio Coppola, o melodrama intenso (com toques almodovarianos) passou em mostra paralela de Cannes. Radicaliza a fase intimista do autor de O poderoso chefão e Apocalypse now. Primeira sessão: amanhã, às 20h30.

Minha terra, África, de Claire Denis
O circuito brasileiro tem uma dívida antiga com Claire Denis, 62 anos, uma das realizadoras de maior prestígio hoje na França. Títulos importantes como Bom trabalho (1999) e O intruso (2004) foram exibidos apenas em festivais. O mais recente vê as tensões raciais e sociais na África do Sul com uma lente atrevida: a protagonista é uma mulher branca (Isabelle Huppert, em interpretação extraordinária) que cuida de uma fazenda decadente, no alvo dos rebeldes. Exibido em Veneza, é um filme político contundente como pouco se vê no cinema francês recente. Primeira sessão: amanhã, às 15h.

O grão, de Petrus Cariry
Com uma trajetória elogiada na direção de curtas e documentários, o filho do diretor cearense Rosemberg Cariry (Corisco e Dadá) estreia na ficção com uma projeto que embarca na contracorrente do cinema comercial: com planos longos e sem preocupação com uma estrutura linear, narra uma história árida de pobreza, agruras familiares e tédio numa região em que o tempo parece não passar. Premiado como melhor filme no Festival do Paraná de Cinema Brasileiro, foi comparado ao tom árido de Vidas secas, de Nelson Pereira dos Santos. A fotografia de Ivo Lopes Araújo é um dos destaques do longa, cujo roteiro foi assinado por Petrus com o pai, Rosemberg. Primeira sessão: amanhã, às 18h40.

Moscou, de Eduardo Coutinho
Lançado recentemente em DVD, mas ainda inédito nos cinemas de Brasília, o documentário leva o diretor de Edifício Master e Santo forte aos bastidores da montagem da peça de teatro As três irmãs, de Anton Tchekhov. Acompanhado do Grupo Galpão, o cineasta volta a refletir sobre os mistérios da encenação, desta vez num formato ainda mais hermético que o de Jogo de cena. Elogiado por sua incompletude, o filme divide os fãs do autor e cria um impasse entre Coutinho e os temas que ele se dispõe a investigar. O longa seguinte, Um dia na vida, colagem de programas da tevê aberta, foi exibido em sessão especial na Mostra de São Paulo de 2010. Primeira sessão: 10 de maio, terça, às 20h50.

Film socialisme, de Jean-Luc Godard
Uma odisseia em três atos. No primeiro, um cruzeiro no Mar Mediterrâneo. No segundo, o cotidiano de uma família de classe média. E, na parte final, um panorama por paisagens do mundo, do Egito a Nápoles. À vontade com a tecnologia digital, Godard sobrepõe imagens de beleza quase artificial, num colorido por vezes gritante, a um texto fragmentado sobre história, política e arte. Exibido na mostra Um Certo Olhar, do Festival de Cannes de 2010, é uma dessas obras inclassificáveis, raras, que espezinham o espectador e só encontram semelhantes dentro da obra do próprio cineasta, sempre inquieto. Primeira sessão: 3 de maio,
terça, às 17h.

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