postado em 22/04/2011 08:13
Em 24 de setembro, Nevermind completa 20 primaveras. Mas a festa de aniversário de um dos discos de rock mais adorados dos anos 1990 começou meses antes. Mais exatamente na terceira semana de abril, quando o novo disco do Foo Fighters chegou às lojas dos Estados Unidos. Nenhuma entrevista sobre o assunto concedida por Dave Grohl, líder do quinteto e ex-baterista do Nirvana, será tão precisa quanto o ;recado; que envia nas canções de Wasting light, um álbum tomado de saudades dos anos 1990. O produtor é Butch Vig, que apertou os botões em Nevermind. E a lista de amigos convidados contém Krist Novoselic, o ex-baixista do trio de Seattle, e Pat Smear, que tocou violão ao lado de Kurt Cobain no MTV unplugged in New York.A reunião conta com um flashback adicional: para voltar ao tempo em que ainda estremecia paredes em porões suspeitos, Grohl decidiu que todas as faixas seriam gravadas em esquema rústico, na garagem de casa, com equipamentos analógicos. O som produzido nessa experiência bate sem muita sutileza nos fones de ouvido: desde a estreia do Foo Fighters (e lá se vão 16 aninhos), o vocalista não encena tão furiosamente o papel de um astro de ascendência grunge. ;Devo tudo a Kurt Cobain;, admitiu ao semanário inglês New Musical Express, num aceno ao ídolo que se matou em 1994. A herança do roqueiro molda a performance do pupilo: aparece nos versos rasgados, em primeira pessoa, e nas guitarras que explodem com mais gana que firulas. Soa como uma homenagem digna.
A transformação do Foo tem um quê de desespero. O álbum anterior, Echoes, silence, patience & grace (2007), deixou a impressão de que o grupo havia trocado a emoção pela técnica. Nos momentos mais sensíveis, a produção apontava para o ;soft rock; dos anos 1970. Grohl não parecia se importar com as comparações, e avisava à imprensa que era fã da grandiosidade e do rigor melódico de veteranos como Queen e Led Zeppelin. A ressaca da festa, no entanto, parece ter deixado um gosto azedo para a banda ; que, apesar de lotar estádios, passou a renegar o DNA punk. Wasting light, nesse sentido, atua como um sinal de retorno numa estrada que parecia cada vez mais larga, tecnológica.
A produção de Butch Vig reprisa a fórmula de Nevermind: estrondo adocicado com um irresistível tino pop. O método acaba por remeter ao disco mais sortido do Foo: The colour and the shape, de 1997. Mas se naquele trabalho ainda havia clima para faixas bem-humoradas como Monkey wrench, Wind up e See you, Wasting light não abre o sorriso por pouco. É hard rock tenso, enérgico, sem paciência para gracinhas, até quadradão. Quando não apela para a grosseria (caso do hardcore White limo), Grohl canta o amor agoniado, nada sereno (Arlandria, Dear Rosemary, essa última com guitarra de Bob Mould, ex-Hüsker Dü), e escreve a própria versão de uma história que já mereceu um punhado de adaptações: um dos personagens principais do grunge pede a palavra.
O que transparece nos versos é a angústia ; as frustrações de um roqueiro não tão jovem, 42 anos. ;Eu não posso te perdoar. Você tem uma dívida no meu coração;, canta, em I should have known. É só o começo da sessão de descarrego. Com seis Grammys na mochila e milhões de discos vendidos, o Foo Fighters conseguiu acertar os ponteiros com um passado, que parecia enterrado. Como todo aniversário, os festejos de Nevermind vão ressuscitar traumas e despertar saudade e melancolia. É no que dá mexer com o passado: resulta no som ora confiante, ora dolorido que sai do vendaval de Wasting light.
Existe poesia nisto: uma banda que lota ginásios e grava um disco na garagem de casa;
Dave Grohl, vocalista do Foo Fighters, à MTV
WASTING LIGHT
Sétimo disco do Foo Fighters. 11 faixas, com produção de Butch Vig. Lançamento Sony. Preço médio: R$ 30. ***