Diversão e Arte

Jantar de intelectuais comemora os 50 anos de Graciliano Ramos

Severino Francisco
postado em 24/04/2011 08:00

O escritor alagoano Graciliano Ramos tinha horror físico a homenagens, badalações, festas e discursos. Em torno de sua figura magra formou-se uma mitologia de histórias reveladoras da sua integridade e do seu humor ríspido. Reza a lenda que, ao receber um ;bom dia!”, o cético Graça replicava com uma indagação: ;Você acha?;. Ele amava a verdade nua e crua, sem nenhum enfeite ou remendo. Por tudo isso, a notícia de que Graciliano teria sido homenageado com um jantar parece algo surreal. Contudo, foi isso mesmo que ocorreu na noite de outubro de 1942, no Restaurante Lido, em Copacabana, Rio de Janeiro, graças a conspiração de Augusto Frederico Schimidt, José Lins do Rego e José Olimpio, entre outros amigos. A efeméride foi prestigiada por Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira, Cândido Portinari, Gustavo Capanema, entre outros, e chegou a ser registrada em livro, esgotado rapidamente. No entanto, a editora brasiliense Hinterlândia recuperou o precioso documento e está republicando o livro Catálogo de benefícios ; o significado de uma homenagem, com comentários dos professores Hermenegildo Bastos e Isabel Brunacci e Leonardo Almeida Filho.

Era, ao mesmo tempo, uma celebração ao grande escritor, e um ato de desagravo contra as arbitrariedades que havia sofrido durante a ditadura de Getúlio Vargas, registradas de maneira contundente em Memórias do cárcere. A vida de Graciliano não foi nada fácil. Não admira que fosse magro. Sempre viveu empurrado pelo destino de um lado para outro. ;Efetivamente não me decido, sempre as circunstâncias me compeliram, fizeram de mim uma desgraçada marionete;, escreve Graciliano em depoimento para o livro.

Sobrevivência
Em razão de ter enfrentado tantas agruras na vida, sempre correndo atrás do dinheiro mirrado para garantir a sobrevivência dos filhos, Graça se considerava um fracassado. Pagou um alto preço por sua dignidade. Na fatídica noite do jantar, o poeta Augusto Frederico Schmidt proferiu um discurso em que polemiza com a autoavaliação negativa que Graciliano fazia de si mesmo e de sua vida: ;É que esta noite não se repetirá, é uma noite única para a sua vida, Graciliano, é uma noite de reparação, é uma noite em que devemos trazer a você, que é um ser tão prevenido e mesmo tão desconfiado, a convicção de que sua existência, que você considera tão melancolicamente, é uma existência que se realizou plenamente, é a existência de um homem que venceu, que se afirmou, que soube crescer sozinho, graças à sua força, graças a essa natureza retorcida, áspera, inconformada e cheia de dignidade que é a sua natureza, graças mesmo a esses sofrimentos que a vida, sem economia, lhe proporcionou, graças às injustiças que madrugaram em você e o foram sempre seguindo.;

José Lins do Rego comenta que alguns dos personagens de Graciliano falam sozinhos ; falam para dentro, mantêm diálogos com sombras. ;A realidade profunda, a verdade única está no fundo da alma.;
No entanto, o depoimento mais bem-humorado é o de Rubem Braga, que adverte para a necessidade de não se levar muito a sério às ranzinices de Graciliano, pois certamente ele iria reclamar da comida e dos discursos: ;Também eu não sei quem teve essa ideia de trazer para um lugar decente, com discurso bonito de poeta transcendental, um cambembe tão desgraçado das Alagoas.; Mas, em seguida, Braga alinha Graciliano na condição de patrimônio de nossa dignidade e faz uma brincadeira com Julião Tavares, o advogado balofo e desprovido de caráter do romance Angústia: ;O que senti vontade de lhe dizer hoje, e fica dito agora, é o seguinte: que, tanto quanto eu, há milhares de pessoas no Brasil que não estão presentes ao banquete, mas que desejam que você fique sabendo que estão ao seu lado. Conte conosco, não apenas na hora de comer e de beber, como também na hora de ter ódio de Julião Tavares, de lutar contra Julião Tavares ; e de

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