Nahima Maciel
postado em 26/04/2011 10:25
Os curadores Rodolfo de Athayde e Paulo Daniel Farah precisaram elaborar uma logística de guerra para conseguir trazer ao Brasil as 300 peças da mostra Islã: arte e civilização, em cartaz a partir de hoje no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). De guerra porque mais da metade das obras vieram de museus da Síria e do Irã, dois países sob embargo internacional. Athayde ouviu ;não; de sete companhias de seguro até encontrar uma, na Suíça, que aceitasse proteger as obras. O acervo cobre 13 séculos de civilização islâmica e já esteve em cartaz no Rio de Janeiro e em São Paulo. Foi visto por mais de 600 mil pessoas no país e está em 12; lugar na lista das 30 melhores exposições do ano da prestigiada revista britânica Art Newspaper. ;Há muito bloqueio econômico, as transações financeiras são difíceis, os bancos tendem a não aceitar transações realizadas com esses países;, conta o curador.Para chegarem à América do Sul, as 10 toneladas de peças passaram pelos Emirados Árabes, pelo Catar e pela Alemanha, um périplo proporcional à relevância da carga. Quando imaginou a concepção de Islã, Athayde queria mostrar que o mundo islâmico abriga muito mais que guerras, conflitos étnicos e terrorismo. ;Senti que era uma necessidade em meio a questões do Oriente e do mundo árabe;, conta. ;Existe toda essa mística vinculada ao fundamentalismo, toda uma manipulação da mídia. Eu não queria mostrar que os islâmicos eram ;bonzinhos;, mas achei que poderia abrir uma janela, abrir a cabeça das pessoas para a diversidade e para a história do Islã.;
Além de Síria e Irã, a mostra reúne peças de instituições do Líbano e de países africanos nos quais a civilização islâmica esteve presente. Esse último acervo pertence à Biblioteca da América do Sul ; Países Árabes (BibliAspa), dirigida por Farah, que também é professor da Universidade de São Paulo (USP). Foi ele o responsável por agilizar as negociações com os museus da Síria e do Irã. Há dois anos, Athayde idealizou e aprovou no CCBB o projeto de uma exposição sobre a cultura islâmica. A intenção inicial era trazer o acervo de David Khalili, iraniano radicado na Inglaterra e proprietário da maior coleção privada de arte islâmica. Mas o colecionador desistiu e Athayde pediu ajuda ao Itamaraty, que indicou Farah para ajudar na coordenação da mostra. ;A demanda por exposição de arte islâmica cresceu no mundo inteiro de forma intensa. O Museu do Louvre (Paris) inaugura uma nova ala islâmica no ano que vem; o Lacma (Los Angeles), dono da maior coleção privada, abriu duas salas novas; e até o Museu Hermitage (Rússia) recebeu uma exposição;, repara Athayde.
A história contada pelos curadores começa no século 8, com a revelação do Corão a Maomé, e segue até o início do século 20, quando Atatürk conquistou a independência da Turquia e deu início ao fim do Império Otomano. Athayde lembra que a longevidade da civilização islâmica só foi possível graças à religião. A crença comum na revelação do profeta manteve unida uma região que chegou até a Península Ibérica. ;O que acontece hoje no mundo árabe não é por acaso. É uma região de pura tensão transformadora. E é a religião mais dinâmica que existe, ganha cada vez mais adeptos. É impossível entender o mundo islâmico de hoje sem entender que é uma civilização cuja unificação foi criada pela religião.;
O refinamento da cultura produzida por esses povos gerou avanços em áreas como a medicina e a matemática. Os árabes beberam na filosofia grega e foram adiante. Alguns recursos digitais ajudam o visitante da mostra a passear por esse universo. Em uma sala é possível visitar o interior de mesquistas como o Domo da Rocha, em Jerusalém, e a Mesquita Azul, em Istambul. Para explicar a sofisticação dos padrões geométricos comuns na decoração islâmica ; o Corão proíbe representações figurativas ;, uma tela digital convida o espectador a criar os próprios desenhos.