Diversão e Arte

Escritora argentina Pola Oloixarac dispara contra a guerrilha esquerdista

Nahima Maciel
postado em 26/04/2011 10:38

Pola Oloixarac mora em Bariloche. Deixou Buenos Aires há alguns meses e se mudou com o marido para uma casa cinematográfica à beira de um lago na cidade-balneário. Mas não deixou o mundinho intelectual da capital argentina. Pelo menos virtualmente. É nesse reduto que Pola colhe material. Ou colheu, até agora. O primeiro romance, As teorias selvagens, fez sucesso entre os portenhos. A alguns, agradou bastante, como um sopro de audácia na literatura argentina contemporânea. A outros, incomodou. É que Pola ataca ;a certa intelectualidade argentina que nunca realizou uma revisão crítica; de suas ideias e ações. Provavelmente o tema também provoque um certo alvoroço no Brasil.

Pola desembarca no Rio de Janeiro em julho como convidada da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Aos 33 anos, tem tudo para ocupar o mesmo papel ousado encarnado pela cubana Wendy Guerra, na festa do ano passado. Afiada, bonita, ela traz debaixo do braço um romance-comédia que exige insistência e um tantinho de familiaridade com o universo da filosofia. As teorias selvagens não embala leitura confortável. É acidentado, cheio de citações, mudanças de narrador e ironias sofisticadas que emperram a leitura. Mas não se engane. Uma vez vencidos os obstáculos, há recompensa.

Um casal de estudantes nerds muito feios vive da promoção de orgias e recria a guerrilha esquerdista argentina em um jogo de computador montado graças à habilidade de hackear o Google Earth. Pabst e Kamtchovsky são filhos de ex-guerrilheiros e aí Pola aproveita para disparar contra a esquerda que lutou pelo fim da ditadura. Os tiros prosseguem e o romance tem um segundo núcleo capitaneado por uma estudante da Faculdade de Filosofia de Buenos Aires, empenhada em seduzir um velho professor, guiada por uma teoria filosófica que deseja ;recriar;. Os nerds têm gostos propositadamente adaptados ao século 21. Adoram filmar suas orgias e disponibilizar as imagens na rede. E a estudante dissimulada compara suas ações a uma pesquisa de campo antropológica.

Teorias filosóficas
Formada pela mesma Faculdade de Filosofia, Pola aterrissa com segurança num terreno acidentado. ;Leio filosofia como um enorme romance cheio de personagens apaixonados e loucos, e todos os meus autores favoritos vêm de lá ou vão para lá, com exceção de Vladimir Nabokov.; O tom de comédia prevalece quando entram em cena os intelectuais. Pola zomba do ambiente acadêmico. Seus personagens falam de teorias filosóficas como se encenassem uma comédia. Impossível levar a sério, embora seja exatamente a atitude de seriedade o tempero cômico do livro. Afinal, o que é a Faculdade de Filosofia para Pola? ;Um estranho paraíso de egos e paixões a ponto de explodir, o lugar ideal para se escrever comédias.;

A escritora se autointitula uma ;marxista de direita;. É uma piada com fundo de verdade, ela avisa, e uma referência ao filósofo russo Alexandre Koj;ve. É que Pola até gosta de política, mas não a ponto de se envolver ativamente. ;Me interessa a política como problema a ser pensado, mas não tenho a sentimentalidade necessária para abraçar pessoalmente o marxismo do retrô;, explica. O negócio da argentina é mesmo a literatura. ;Ler, hoje, é a única coisa que fazemos sozinhos com nossas cabeças.;

Os personagens de Pola são nerds e, como tais, são viciados em tecnologia. A própria autora mantém um blog para experiências performáticas curiosas. Já apresentou a si mesma com uma foto de um homem de óculos gigantes que gosta de pornografias. Pola também faz um blog sobre orquídeas e já foi rotulada de nerd pela imprensa, embora não compreenda bem o porquê. ;Creio que uma vez me fotografaram com uma camiseta dos Smurfs e os jornalistas começaram a dizer isso. Ou então surgiu porque escrevo sobre tecnologia, ou porque o romance serve para hackear o Google Earth. Meus personagens são nerds, sem dúvida.; Mas a rede não funciona como espaço adequado para a literatura. Há muita pressão e ela não favorece a experiência estética. ;Não consideraria que um blog seja um local sério para produzir literatura assim como a seriedade na literatura é a maior bobagem que há.;

Trecho de As teorias selvagens, de Pola Oloixarac.

"Ocorreu o impossível: a jovem promessa, a tigresa ambiciosa das aulas (moi) sentiu interesse pela besta velha, o relegado professor Augusto. E agora, ensuite, tudo é diferente. Meu romance invertido com García Roxler deu uma virada decisiva; e com o dom para a ação que só se adquire nas faculdades humanísticas, e o brio da minha juventude, lancei-me a investigar as possibilidades de sua teoria. O próprio García Roxler concordou em me enviar uma cópia de um artigo seminal publicado em Rivista di filosofia continentale, que depois devolvi ao autor acompanhado de um sucinto elogio e um prolongado anexo de notas. Coloquei mãos à obra de imediato, postergando investigações talvez mais urgentes. Escrevia com letra pequena, seráfica, em papéis que arrastava comigo para todos os lados; depois traduzia meus arroubos para a dócil caligrafia eletrônica, bem mais legível. Logo aderi a essa ilustre teoria do Tempo que despreza as representações lineares e deixa todo tempo, passado e futuro, por escrever. Consegui artigos impossíveis de se encontrar publicados em New Haven, Río Cuarto, Aix-en-Provence e Leipzig, uma transcrição de "Sonham as pinturas rupestres com estruturas sintáticas?"; também comprei um peixe (Yorick, um Betta splendes vermelho) porque cedo ou tarde precisaria de companhia. Não conseguia parar.

Os picos de intensidade, os momentos em que minhas intuições se exibiam mais ou menos apreensíveis ao olho humano, aconteciam depois do jantar e também logo cedo pela manhã; só durante as horas rosas, e até a hora violeta (de 16h a 19h), minha mente se dava um descanso. For a destes intervalos, minhas unhas não cresciam: o tamborilar do teclado constante as erodia. Usava munhequeiras para evitar cãibra na zona carpal. Lia, discutia em voz alta, apagava premissas, desfazia conclusões; lia os textos de Augustus, as aulas de Augustus, voltava para minhas notas, riscava, corrigia os erros na margem e voltava a escrever."

TRÊS PERGUNTAS PARA POLA OLOIXARAC

A crítica Beatriz Sarlo identificou As teorias selvagens como um trabalho de microetnografia cultural. O que seria isso para você?

Beatriz Sarlo disse coisas muito boas e interessantes do livro. Em geral, é moda os críticos maiores na Argentina falaram em "etnografia". O que antes era apenas "romance realista" agora é uma variante da etnografia, como se houvesse registro "científico" do presente (e também porque o romance realista em espanhol não poderia descrever somente as inovações no século 20). Além de mostrar as coisas, estes romances tentariam dar uma luz sobre o porquê das coisas. No caso do meu livro, se trata de uma comédia sobre o mundo da cultura: como funciona, quais são seus valores, como pensam os julgadores, como se medem as superioridades.

O livro é também uma crítica à intelectualidade portenha de esquerda? Por quê?

É uma crítica a certa intelectualidade argentina que nunca realizou uma revisão crítica das ações, da estratégia militar e do pensamento violento por trás das ações armadas da guerrilha dos anos 1970. Quando comecei a escrever o livro, essa ausência não me deixava dormir. Tinha que fazer algo e minha reação foi escrever esse romance. Depois, o que aconteceu foi justamente que essa ausência de autocrítica se converteu no núcleo triunfal do discurso oficial do governo, uma reciclagem de meias verdades sobre os anos 1970 que articulam o presente político da Argentina.

É possível dizer que as novas gerações de autores argentinos se permitem rever a história com postura crítica, mesmo que se trate de rever o pensamento das esquerdas?

Pode ser, não sei. A América Latina tem uma relação complexa com suas esquerdas: em certos casos encarnam um populismo subnormal (Chávez), em outros um futuro que trabalha pelo crescimento e inclusão social e em outros um discurso que convive abertamente com políticas neoliberais apenas renovadas. Na Argentina, toda a política passa pelo discruso: sua criação, manipulação, reciclagem, e nesse sentido é natural que os escritores se vejam atraídos por algo que trabalha com suas mesmas técnicas!!

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