postado em 27/04/2011 08:00
;Estamos correndo para pegar o ladrão. Recebo isso com muita naturalidade, porque estou acostumado a ser lesado pelo direito autoral;, desabafa Sérgio Ricardo ao Correio, em conversa por telefone. Ele é um dos compositores de trilha sonora que, por um erro de fiscalização do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), ficou sem receber os créditos de seus trabalhos durante os últimos dois anos. O fraudador usa o nome de Milton Coitinho dos Santos. Ele enganou a União Brasileira de Compositores (UBC), órgão associado do Ecad, por meio de formulários falsos, em que se dizia dono de 24 filmes nacionais, entre clássicos e contemporâneos. Entre eles, Deus e o diabo na Terra do Sol (1964), com música assinada por Glauber Rocha e Sérgio Ricardo.
Ricardo também lamenta o ;esquecimento; do Ecad em relação aos direitos da telenovela Mandacaru e pede mais atenção das instituições responsáveis pelo recolhimento. ;Passou tanto na Manchete quanto na Bandeirantes, e até agora não recebi um tostão do direito de execução;, reclama. ;Essas barreiras que pintam entre artista e os meios de arrecadação é que precisam ser revistas imediatamente, porque todos os artistas têm esse tipo de problema. É uma coisa espúria que está se fazendo com o criador brasileiro. O criador não é o homem do dinheiro, sujeito organizado para poder ir buscar o fruto do seu trabalho. É um operário da cultura do país. E esse cara tem que ser mais respeitado;, completa.
Segundo reportagem publicada no início da semana no jornal O Globo, o Ecad repassou R$ 127,8 mil para o falsário. Nos últimos dois anos, o órgão pagou ao desconhecido direitos autorais referentes a obras como Deus e o diabo na Terra do Sol (1964) e Terra em transe (1967), de Glauber Rocha; O pagador de promessas (1962), de Anselmo Duarte; À meia-noite levarei sua alma (1964), de José Mojica Marins, o Zé do Caixão; O homem que desafiou o diabo (2007), de Moacyr Góes; e Romance (2008), de Guel Arraes. O valor corresponde às exibições dos filmes nos dois últimos anos.
Em nota assinada por Gloria Braga, superintendente executiva do Ecad, a instituição garantiu que a falha será reparada. ;Os verdadeiros autores das trilhas de obras audiovisuais não serão lesados e receberão o direito autoral referente a execução de suas músicas assim que a catalogação for regularizada nas respectivas associações de música. Importante tornar público que já foram realizados ajustes de débito para todos os filmes denunciados;, diz o documento.
A manobra
Coitinho começou a operar a fraude em 2009. Enviou fichas técnicas (chamadas de cue sheets) à filial de Minas Gerais da União Brasileira de Compositores (UBC), entidade ligada ao Ecad, reclamando autoria, produção e interpretação de várias músicas. Segundo explica a nota, ;o direito é declaratório, havendo presunção em favor daquele que se declara autor, cabendo apenas prova em contrário, não haveria razão para não aceitar as declarações dele;. A manobra ainda contemplava os autores reais como parceiros nos trabalhos, para evitar suspeitas. Exemplo: Mú Carvalho, compositor real da trilha sonora do filme Didi quer ser criança (2004), de Alexandre e Reinaldo Boury, responde por apenas 30% da trilha. O restante foi cadastrado no nome de Coitinho.
O Ecad, que investiga as movimentações financeiras do acusado desde 2009, encerrou o pagamento em janeiro deste ano. A nota informa que ele está sob investigação criminal, mas Coitinho, excluído do quadro da UBC, ainda não foi localizado. ;As notificações não foram respondidas e o Sr. Milton Coitinho nunca mais foi encontrado no endereço que consta do seu cadastro na UBC. Tal atitude foi entendida como comprovação de sua má-fé. Caso não seja encontrado pela Justiça, ele será julgado à revelia;, diz a nota.
Autores do filme Romance, com trilha assinada por Caetano Veloso, deverão ser ressarcidos nos próximos dias. Em maio, o Ecad prevê devolver o dinheiro aos proprietários de Didi quer ser criança e O homem que desafio o diabo. A instituição recomenda ;que o artista mantenha atualizado em sua associação o repertório de sua autoria. No caso dos filmes, especificamente, a ficha técnica é levada ao sistema com base num documento preparado pelo produtor do filme;.
; Em baixa
; O Brasil tem um dos piores regimes de direitos autorais do mundo (atrás apenas do Japão, do Egito e da Zâmbia), referente às leis que mais restringem direitos do consumidor no acesso a serviços e produtos culturais. A conclusão é da IP Watchlist 2011, um levantamento sobre direito autoral e propriedade intelectual feita pela Consumers Internacional ; federação que congrega entidades de defesa do consumidor em todo o mundo, incluindo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. O Idec participou do trabalho, fazendo o relatório sobre a situação no Brasil. O trabalho leva em conta questões como as possibilidades trazidas pela legislação autoral para o acesso dos consumidores a serviços e produtos culturais, exceções e limitações para usos educacionais das obras, preservação do patrimônio cultural, acessibilidade, adaptação da lei aos novos modelos digitais e utilização privada dos bens culturais.