Diversão e Arte

Fora do Eixo invade a cidade com intervenções artísticas que surpreendem

Nahima Maciel
postado em 28/04/2011 08:00
A cena foi bizarra. Pendurado pelo pescoço em uma corda na plataforma da Rodoviária sentido Torre de TV-Esplanada dos ministérios, um corpo chamava atenção de quem passava pelo local por volta das 17h30 da última terça-feira. Alguns logo entenderam a encenação. ;É o Luís Estevão. Representa os políticos. Já vi de tudo nessa Rodoviária e têm coisas que você nem imagina, mas isso nunca!”, divertia-se Antônio Maria, 58 anos, vendedor ambulante e morador de Planaltina. ;Seria mais interessante se fosse real. Essa corda aí pegou foi ficha limpa, porque os ficha suja tão tudo voltando (sic).; Na plataforma inferior, uma atriz disfarçada de repórter de televisão encenava uma suposta personagem sobre o político enforcado.

A performance dos grupos Coletivo de Artistas e W3 faz parte da programação da semana Fora do Eixo, que pretende transformar a cidade em palco alternativo de manifestações culturais de artistas de Brasília e outros estados até o final da semana. ;Nossa ação foi quase um set de cinema;, explica William Lopes, um dos idealizadores da performance. ;A ação mesmo vai começar a rolar agora. Vamos veicular vídeos como se fosse um grupo guerrilheiro que está enforcando os políticos corruptos. Queremos passar outra imagem, mostrar que Brasília tem gente que se posiciona, que não é só uma cidade de playboy que queima índio.; Ocupar espaços do Plano Piloto com protestos políticos mobiliza Lopes, que também é ator, desde o ano passado, quando escalou a parede de um ministério durante o Cena Contemporânea.

Passar em branco: performances sobre o concreto da cidade



As performances do Fora do Eixo ocuparam também a Praça do Museu, em frente ao Museu da República. A bailarina gaúcha Daggi Dornelles intrigou os adolescentes skatistas que se apropriam do lugar diariamente como pista de prática. Vestida de branco, Daggi forrou um banco com lençóis brancos e dançou sobre o cimento depois de varrer o chão da praça. ;Que parada é essa?;, quis saber João de Castro, 17 anos, skatista e morador de Vicente Pires. Depois de uma explicação da coordenação do evento, informou aos amigos: ;Manjei. É uma parada alternativa. Uma coisa fora do que a maioria ouve e vê;.

É essa reação que Daggi adora. A performance O passar em branco consiste em interagir com espaços urbanos escolhidos aleatoriamente. A bailarina diz buscar a cidade como corpo parceiro. Em Brasília, sentiu-se oprimida pelo cimento e deu à performance o subtítulo de Pele sobre cimento em Cerrado. ;Sinto falta de pele no cimento;, explica. A servidora Denise Silva não entendeu muito bem a ação, mas parou para observar enquanto atravessava a praça em direção à Rodoviária. ;Parece uma sessão de fotos de uma apresentação artística;, arriscou. ;Na Esplanada acontecem muitas coisas que não sabemos explicar.;

Acorrentado
Quem viu o argentino Santiago Cao acorrentado em diferentes locais da Esplanada realmente não conseguiu explicar muita coisa. Durante a performance O sonho da casa própria, Cao não falava com ninguém. Acorrentado a uma fechadura pregada sucessivamente em paredões em frente ao Museu da República, Teatro Nacional e Ministério do Planejamento, a intenção de Cao era se apropriar dos lugares e fingir que eram seus até que alguém resolvesse libertá-lo ao passar a chave na fechadura. No fim da tarde de terça, o artista assustou bombeiros e polícia.

O brigadista Claudiomiro Rodrigues tentou conversar com o rapaz. ;Perguntei se ele falaria caso eu abrisse a fechadura. Ele riu. Abri e ele não falou. Tranquei de novo;, conta o brigadista. Outro colega, que preferiu não se identificar, não entrou no jogo e se irritou. ;Mais um igual ao cara da bandeira;, bradou, ao lembrar do episódio do rapaz que subiu no mastro da Praça dos Três Poderes e ateou fogo à bandeira há duas semanas. Mas Cao interrompeu a performance abruptamente. Ficou zangado com a organização do evento, que só chegou para registrar a ação no fim da tarde. O rapaz também não gostou da presença da reportagem, apesar da performance ser uma exposição em local público de muito movimento. Performance é arte do imprevisto, da interação e da surpresa. É raro o artista ter domínio de toda a apresentação e poucos querem roteiros rígidos e definidos, que poderiam limitar a interação do público.

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