O tempo da delicadeza ficou pra trás. Depois do sucesso da peça Inveja dos anjos, que rendeu prêmios e teatros lotados, a Armazém Companhia de Teatro decidiu botar o lirismo de lado e imprimir uma pegada mais rock;n; roll em seu novo espetáculo, Antes da coisa toda começar, que estreia nesta quinta (5/5) a temporada no Cento Cultural Banco do Brasil (CCBB) e segue até 29 de maio. ;Queria trabalhar de forma mais intensa e agressiva. Os personagens da peça anterior estavam mais interessados em ouvir uns aos outros. Nesse trabalho, querem falar;, compara o diretor do grupo, Paulo de Moraes.
Quando ele e seu parceiro de criação, o dramaturgo Maurício Arruda Mendonça, começaram o trabalho, queriam refletir sobre um tema que chamaram de primeiras sensações, inspirados no documentário O equilibrista. ;Ele acreditava que era imortal, que qualquer coisa era possível, que o sonho podia se realizar. Nossos trabalho devia falar desse momento em que a gente se sente potente;, destaca Moraes. Essa discussão, afirma ele, é um princípio básico do trabalho do artista. ;Esse cara acreditava que podia cruzar o World Trade Center (Torres Gêmeas, nos Estados Unidos) em cima de uma corda. Nós acreditamos que vamos subir no palco e as pessoas vão se interessar. O risco de exposição é o mesmo. O ator se joga nessa possibilidade de influir, de conseguir representar seu tempo;, avalia.
Depois de nove meses de pesquisa, nasceu a nova dramaturgia da trupe: um ator-fantasma, habitante de um teatro abandonado, decide acertar as contas com seus próprios fantasmas. De sua memória, surgem Téo, um ator em crise com o ofício; Zoé, cantora que se recupera de uma tentativa de suicídio; e Léa, menina de 16 anos apaixonada pelo irmão. ;São partes dele mesmo. E não são fruto de uma reconstrução histórica, baseada em fatos, mas das sensações que ele guardou do que viveu;, destaca o diretor. À sua maneira, cada um deles experimenta, ou já experimentou, as primeiras sensações. Todos, de alguma forma, também estão próximos da morte. ;Essa peça tem uma relação profunda com a abstração, lançamos mão de coisas irreais para contar essa história;, reforça a atriz Patrícia Selonk, que vive Zoé.
Para reforçar a percepção de que todos os personagens são parte de um todo, os atores foram filmados em ações repetidas, que são projetadas e criam a ilusão de ótica da repetição. Moraes consegue esse artifício projetando o cenário sobre o próprio cenário. Uma porta no palco exibe a projeção de si mesma, e por ela o ator de carne e osso entra várias vezes, e sai outras tantas nos vídeos.
;Meu jeito de pensar a estrutura acontece simultaneamente. Penso no espaço de um ator, habitando um lugar abandonado, uma espécie de teatro, mas que pode ser sua própria cabeça e revisita o passado a partir das sensações. É dramaturgia, direção e cenografia;, ensina Paulo de Moraes. As três narrativas fragmentadas se desenrolam em um espaço mutável, com paredes e portas móveis, que ampliam e diminuem o espaço da encenação. A textura das paredes do teatro abandonado ganhou a tonalidade ocre de uma tumba, já que o ator em questão está morto.
Canções ao vivo
O apuro cênico não é novidade nos trabalhos da companhia, mas o uso de música ao vivo no palco, sim. Em Antes da coisa toda começar, os atores tocam acordeom, bateria, baixo, violão, teclado e ainda cantam. Com exceção da atriz Patrícia Selonk, que já tocava acordeom, o elenco foi obrigado a desbravar o universo musical. ;Estudar um instrumento te solicita uma atenção, uma coordenação motora imensa, e isso acaba ajudando no seu trabalho de ator, seu corpo descobre lugares que antes não existiam;, relata Patrícia. O intensivo é parte do trabalho do guitarrista Rico Vianna, que aceitou assinar a direção musical e treinar os atores nos instrumentos musicais.
A ideia foi consequência de uma imersão que os atores fizeram com os integrantes do grupo de teatro mineiro Galpão, no ano passado, em Belo Horizonte. No intercâmbio de exercícios teatrais, o Armazém sugeriu aos colegas do outro grupo uma série de exercícios corporais, enquanto os membros do Galpão propuseram atividades musicais. Na volta pra casa, o grupo carioca quis cantar em cena.
A peça já passou pelo Rio de Janeiro, por São Paulo e Curitiba e fará um verdadeiro périplo pelo país, em 2011. Os próximos desafios no tablado ainda não foram definidos. ;Mas a gente completa 25 anos no final do ano que vem, e certamente faremos um espetáculo novo para comemorar a data;, destaca o diretor.
Entre as Torres Gêmeas
O documentário, dirigido por James Marsh, conta a história do francês Philippe Petit, que em 1974 atravessou o espaço entre as Torres Gêmeas, em Nova York, suspenso por um cabo de aço. Petit foi preso após a performance, que durou cerca de uma hora, e escreveu um livro sobre a experiência. A produção ganhou diversos prêmios de cinema, entre eles o Oscar, e foi aclamado em Sundance.
Clássicos
As músicas escolhidas para o espetáculo são I am the walrus, dos Beatles, I feel love, de Donna Summer, e Perfect day, de Lou Reed. As outras duas canções que compõem a trilha foram compostas por Paulo de Moraes, Maurício de Arruda Mendonça e pelo diretor musical Rico Vianna e são adaptações de sonetos de Shakespeare.
ANTES DA COISA TODA COMEÇAR
Espetáculo com a Armazém Companhia de Teatro. Texto de Maurício Arruda Mendonça e Paulo de Moares. Direção de Paulo de Moraes. De quinta a sábado, às 20h30; domingo, às 19h30. Até 29 de maio. No Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB - SCES Trecho 2, Lote 22 - 3310-7087). Ingressos a R$ 15 e R$ 7,50 (meia). Não recomendado para menores de 16 anos.