Diversão e Arte

Entrevista com Jon Lee Anderson revela um olhar sobre a guerra

Nahima Maciel
postado em 15/05/2011 08:00

Ele começou a cobrir guerras nos anos 1980. Na época, sem internet, não era fácil sensibilizar os grandes veículos de comunicação para conflitos limitados a territórios nem sempre relevantes para a geopolítica mundial. Anderson cobriu a luta do Talibã, devidamente apoiado pelos Estados Unidos, contra o regime soviético em 1989 e desde então esteve várias vezes no Afeganistão. Também visitou e escreveu sobre o Iraque desde os anos 1980 e, em 1995, enquanto pesquisava para escrever a biografia definitiva de Che Guevara, descobriu o local onde foi enterrado o corpo do guerrilheiro, um mistério guardado por mais de três décadas pelo governo norte-americano. Escreveu para as publicações mais prestigiadas do jornalismo mundial, como The New York Times, Harper;s e Time Magazine. Hoje, aos 54 anos, Anderson é o responsável pelas reportagens de guerra da revista The New Yorker. Na próxima semana, o norte-americano desembarca em São Paulo para o 3; Congresso Internacional de Jornalismo Cultural.


Que semelhanças é possível estabelecer entre o desaparecimento do corpo de Osama Bin Laden e do corpo de Che Guevara, que só foi encontrado em 1995?
Há uma tremenda semelhança. Eu diria que o caso de Che ofereceu uma espécie de precedente. Há 44 anos, o governo boliviano anunciou a morte do Che como se tivesse acontecido em combate, mas o haviam capturado um dia antes, interrogado e matado 24h depois. Alguns agentes da CIA e oficiais bolivianos posaram com ele em fotos, e ele estava vivo. Essas fotos ficaram guardadas em segredo durante décadas e o corpo desapareceu. Foi muito óbvio que queriam despistar o público, evitar que os discípulos de Che pudessem venerá-lo. Estamos falando do apogeu da Guerra Fria. A popularidade de uma figura como Che podia servir como mártir transnacional. Havia uma lógica óbvia, histórica e já estudada sobre o porquê de desaparecer com o corpo. O que me surpreendeu na notícia da morte de Bin Laden foi a forma como disseram que se desfizeram do corpo, dizendo que foi jogado no mar. Para quem queria evitar o assunto, foi genial a ideia de atirá-lo ao mar.

Mas o senhor acha que isso vai evitar peregrinações e acalmar a opinião pública sobre os detalhes da morte de Bin Laden?
Quando se trata de figuras de culto, as pessoas obsessivamente estudam e desmembram todos os detalhes. Como o mataram, e a mulher? E as crianças, o que fizeram com elas? Por que não foi capturado vivo? E há uma questão que não há como resolver: a casa. O que vão fazer com ela? Já há turistas visitando o local. Vão ter que destruir a casa, desaparecer com os ladrilhos, fazer um muro para as pessoas não poderem olhar. Mas todos já sabem que existe esse espaço e ele vai ser venerado por alguns. Se não podem encontrar o corpo e uma tumba, as pessoas vão ao local onde foi a última batalha. Até hoje a casinha onde mataram Che é uma espécie de santuário. No caso de Bin Laden isso é menos evidente no Ocidente do que no mundo muçulmano, porque era um homem que preconizava uma interpretação radical de uma religião muito excludente.

Acha que o governo norte-americano deveria mostrar as fotos? E como uma notícia com grande potencial para ser boa para Barack Obama se torna uma coisa ruim?
Isso foi um problema de relações públicas. Os argumentos desenham linhas filosóficas. Há os que utilizam a fórmula ;Bin Laden morreu enfrentando os EUA;. E há pessoas que sempre vão buscar argumentação para encontrar culpa no que faz os EUA. Seja para defender-se, seja para aniquilar o homem número um do terrorismo. Eu, pessoalmente, acho importante em algum momento que mostrem as fotos. Mas se mostrarem agora vão criar novos problemas, há os que vão dizer que os EUA estão dançando sobre o cadáver. Ou que é tétrico e sinistro demonstrar o troféu. Serão acusados de utilizar as fotos para provocar o inimigo, o que Obama quer evitar. Não há uma maneira de ganhar nisso. Publicar ou não publicar será ruim. O fato de que as fotos existem significa que é ruim. Mas um dia desses tenho certeza que veremos uma foto de Bin Laden morto porque um segredo desses não se guarda por muito tempo, muito menos no governo norte-americano.

Você faz cobertura de guerra desde os anos 1980. Basicamente o que mudou na cobertura de guerra desde os anos 1980?
A imediata de reação e impacto que pode ter o que se cobre. Havia conflitos em praticamente todos os lugares aos quais fui nos anos 1980, mas não havia cobertura. Fui a Uganda em 1986, com um fotógrafo. Não somente encontramos um massacre como fomos os primeiros a chegar depois que os assassinos se foram. Meu amigo tirou fotos e eu escrevi. Não conseguimos fomentar o interesse em nenhuma agência de notícias. Era tão frustrante que meu amigo nunca mais fotografou. Isso foi cinco anos antes de Ruanda, onde esse mesmo tipo de violência acabou em genocídio. A partir daí a inação do Ocidente e dos países mais poderosos mudou. Ninguém sabia o nome de Darfur há alguns anos. Hoje há jornalistas, acadêmicos, especialistas olhando para Darfur, atentos ao genocídio. Por um lado é um pouco absurdo, mas por outro é bom, demonstra que estamos conscientes. Há 30 anos, meu maior desafio era ser escutado, mostrar que o que eu via era importante. Isso, até certo ponto, segue sendo o objetivo, mas as pessoas agora compreendem que o que se passa é uma colisão de mundos. Outro aspecto é que hoje não se fala mais em guerrilheiros e sim em terroristas. A maior parte da violência no mundo, sobretudo a deixada por forças irregulares, vem do terror.

É uma consequência da morte das utopias?
Sim. A ideologia que substituiu o socialismo deixou uma geração de jovens com raiva e armas que lutam contra uma espécie de status quo percebido. No geral, estamos falando de jihadismo islâmico, que são interpretações muito estritas e têm a ver unicamente com a morte. Essa coisa do guerrilheiro suicida é muito muçulmana. Mais de 95% da violência contra estados é feita por muçulmanos. Essa certeza de que vão direto para o Paraíso é um abraço à morte. Estamos em uma das épocas mais preocupantes da história, época de um niilismo que tem uma interpretação e ressonância cultural religiosa.

E qual o papel do jornalista nesse cenário globalizado, num mundo onde todos podem se informar pela internet?
Se não tivéssemos os jornalistas estaríamos unicamente nas mãos das vozes oficiais dos governos e dos rebeldes. Recorreríamos a quem para as informações? Acadêmicos? Jornalistas que trabalham para companhias de relações públicas para dar a versão de um ou outro lado? Se não fossem os jornalistas, não saberíamos o que acontece na Líbia nesse momento. Na Síria há um grupo muito pequeno, clandestino, e se os encontrarem, os tiram. Por quê? Porque temem que a informação verdadeira saia. Comunicados clandestinos na internet, Facebook e Twitter ajudam a estabelecer uma noção global e muito parcial do que está ocorrendo, mas não substituem o jornalista com experiência, que sabe interpretar. Sem ele o público fica à mercê dos bandos em conflito e os bandos em conflito compreendem muito bem que a opinião pública é parte do conflito e em ambos os lados há interesse de distorcer a realidade.

Até que ponto as notícias que chegam das zonas de conflito são confiáveis? Ações como os embeded ; de repórteres que viajam dentro das tropas militares ; não limitam as múltiplas perspectivas necessárias para uma cobertura confiável?
Até certo ponto, sim. Há uma imagem bem negativa do processo de embeded porque se supõe que implica a censura e, até certo ponto, isso é certo. O jornalista que viaja com as tropas americanas no Iraque tem que assinar um papel dizendo que não vai revelar informações operacionais e a morte de um soldado antes de os familiares serem avisados. Basicamente, não há censura, mas há uma Síndrome de Estocolmo (de cumplicidade). Se você cobre o Afeganistão somente embeded, da perspectiva da tropa norte-americana e você é norte-americano, mesmo bem intencionado vai ser muito americocentrista e focado no que querem que você veja. Eu já estive embeded. O que escrevo na New Yorker desta semana é minha experiência embeded no Afeganistão. Mas sou bastante crítico, tenho experiência de guerra e vejo as falhas e deficiências das tropas.

Alguns jornalistas e veículos de comunicação norte-americanos que apoiaram a invasão do Iraque foram apontados como corresponsáveis pela ação. O que o senhor acha disso?
Não é tão preto no branco. A invasão do Iraque não é culpa dos repórteres embeded. Foi culpa e resultado de um governo de direita que elegemos e que baseou a invasão em falsos pretextos. E que também contou com a contribuição de jornalistas embeded filosoficamente. Em alguns casos repórteres tomaram parte e endossaram o conflito com suas canetas. Mas a maioria não o fez. Tem que ser desacreditada essa noção de que foram os jornalistas que tornaram possível a invasão do Iraque. É quase uma repetição do que se dizia depois do Vietnã. As pessoas de direita nos EUA diziam que a guerra do Vietnã foi perdida por causa dos jornalistas. O que queriam dizer? Isso aconteceu porque publicaram todo o mal que os militares fizeram? Mas eles realmente eram malvados. E sim, os jornalistas publicaram. Não é sempre preto no branco.

Quais as principais diferenças entre o que aconteceu no Iraque e no Afeganistão com o que acontece na Líbia. E quem são os rebeldes na Líbia?
O Afeganistão estava nas mãos dos talibãs, um grupo de islamistas primitivos, um regime de homens incultos. Essa guerra teve toda uma sociologia interior. No Iraque, foi um disparate de Bush e sua gente com, claro, um interesse petroleiro. Era um negócio não terminado de seu pai. A Líbia é um Frankstein, se assemelha ao Iraque. Kadafi é um louco, psicopata. Os líbios estão envergonhados de terem sido manipulados por esse homem durante 40 anos. A culpa é de todos nós por comprar seu petróleo, por aceitar seu dinheiro. O Ocidente tem muita culpa. Agora, há muito sobre a Líbia que está errado. Estamos fazendo uma espécie de guerra de controle remoto que é covarde. A única coisa boa é que metade do país está lutando por suas próprias mãos.

Você vem ao Brasil participar de um congresso de jornalismo cultural. Como encara esse gênero? Que contribuição pode dar?
Não sei exatamente como chamar algo de jornalismo cultural, as etiquetas me incomodam um pouco e eu, tampouco, me defino como repórter de guerra. Entendo que jornalismo cultural é um jornalismo que busca ventilar, examinar, divulgar e compartilhar conhecimento sobre tudo o que podemos chamar de cultura, que é a parte mais ampla da nossa sociedade e do ser humano, de todo o seu arsenal criativo, de toda sua singularidade. Creio que a parte mais benéfica de nossa profissão é oferecer a possibilidade de nos compreendermos em espaços, notas, histórias e crônicas que vão além do ocorrido e que, efetivamente, permite uma maior ventilação e desenvolvimento das mudanças que estão ocorrendo no mundo. Vivemos em tempos em que há mais campo e apetite para o que chamamos de jornalismo cultural.

Há outra figura que te motivaria a escrever uma biografia como a que você fez sobre Che?
Fidel. Eu gostaria muito. Mas não sei se terei acesso a ele. Pensei durante vários anos e cheguei à conclusão que a única outra pessoa que realmente me interessaria é ele. Fidel é um líder singular de nossa época. É o rebelde original. O último. O primeiro rebelde da Guerra Fria. Ele definiu o arquétipo do homem rebelde. Era um mundo dominado pelos EUA e ele sobreviveu a 13 presidentes norte-americanos. Para o bem e para o mal, é fascinante o efeito, o impacto que ele teve no mundo. Um homem de um país-ilha com apenas 11 milhões de pessoas e conhecido no mundo inteiro. Um líder da contemporaneidade como poucos outros. Eu o estive observando toda minha vida. Já estou escrevendo, estou no começo.

Você escreveu, para a New Yorker, uma longa reportagem sobre a violência e o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Na época, recebeu muitas críticas. Que impacto acha que os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo podem ter na cidade e no país?
Conquistaram o Complexo do Alemão e deixaram que os bandidos se fossem com suas armas. Não sei exatamente o que significou, se a polícia fez um pacto com os bandidos para que não haja violência maior durante a Olimpíada. Há algo aí.

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