Diversão e Arte

Por meio da obra de Drummond, livro confere identidade ao modernismo

postado em 30/05/2011 08:51

Carlos Drummond de Andrade: percepção aguda da passagem do mundo rural para o universo urbano no Brasil, a partir da provínciaFalar do temperamento dos mineiros é sempre relacionar comportamento e jeito de ser a expressões de teor provinciano: ;come quieto; ou ;come pelas beiradas;, por exemplo. Na literatura, escritores importantes dos anos 1920 e 1930, época do movimento modernista que fervilhava em São Paulo, exibiam ao mesmo tempo timidez, fidelidade às tradições e atração pela novidade: intelectuais inquietos e retraídos. Sem precisar levar adiante os clichês, Ivan Marques, nascido em Montes Claros, fornece identidade aos autores modernistas mineiros em pesquisa que acaba de ser vertida no livro Cenas de um modernismo de província: Drummond e outros rapazes de Belo Horizonte (Editora 34). ;É um lugar destacado do modernismo de São Paulo, da Semana de Arte Moderna, com Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade e Mário de Andrade. A gente tem a sensação de que ele se resumiu a essas figuras e ao diálogo com as vanguardas europeias. Meu objetivo é mostrar a diversidade de olhares modernistas ou de tentativas de fazer modernismos, claro que seguindo a influência de São Paulo, mas ao mesmo tempo dialogando com problemas específicos de cada lugar;, explica o pesquisador.

Os quatro ;rapazes; de BH, Emílio Moura, Cyro dos Anjos, João Alphonsus e o mais conhecido deles, Carlos Drummond de Andrade, levaram a sensibilidade de Mário e Oswald para o estado, mas com ranços interioranos de conservadorismo e apego às coisas da terra. Uma postura que, aliás, Marques vê como traço da arte brasileira em geral. O momento era de ebulição política, um prelúdio da Revolução de 1930, que marca uma ruptura com as estruturas arcaicas e ruralistas da Primeira República. ;À medida que fui fazendo, percebi um lado negativo e positivo, de eles estarem numa capital provinciana, pequena, e num estado atrasado economicamente, que tinha passado glorioso da mineração, mas que vinha sofrendo estagnação. As formas de convívio, o nosso modo de fazer política ainda estão muito carregados da influência rural. Acho que os mineiros tinham uma percepção aguda pelo fato de viverem num meio provinciano;, define o escritor.

Enquanto em São Paulo Mário e Oswald ecoavam o cosmopolitismo europeu ; principalmente Paris ;, em Minas, o quarteto produzia uma literatura que não ignorava as questões locais. ;Houve um interesse de Mário e Oswald mais ligado aos mitos do que a uma investigação mais concreta da nossa realidade. O que percebo em Drummond e nos outros é que eles estavam tão impregnados da realidade que viviam que acabaram trazendo o enraizamento para o primeiro plano;, analisa o professor da Universidade de São Paulo (USP).

Província em verso
Drummond, líder do grupo, era de versos angustiados (;Não sou alegre, sou até muito triste/ A culpa é das bananeiras de meu país, esta sombra mole, preguiçosa;). Emílio Moura via o passado com melancolia (;O céu lindo da vila pobre), João Alphonsus flagrava a imprecisão e estranheza diante das mudanças (;Sou o homem vazio do meu tempo vazio;) e Cyro dos Anjos mediava o embate entre passado e presente por meio da fantasia e de descrições cheias de crueldade (;Eram quatro ou cinco brotos. Desci lentamente a guilhotina da vidraça e decepei-os lentamente; Tão devagar que pude escutar um som humilde mas característico, como de carne queimada;).

Todos, segundo constata Marques, fiéis ao espírito que animava o país. ;São coisas paralelas, modernismo mineiro e paulista, que mostram como foi difícil fazer modernismo no Brasil. Mais fácil na Europa ou nos Estados Unidos. Aqui não, é cheio de problemas, mas é isso que dá ao nosso país uma característica pessoal, um dilema que é próprio. Apesar dos atrasos, tentamos renovar a nossa arte, a nossa literatura. Minas representa bem esse dilema;, acredita.

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