Diversão e Arte

Mito da MPB, João Gilberto está perto de comemorar 80 anos

O Correio conversou com amigos, artistas, especialistas e herdeiros de seu charme que marcou gerações

postado em 02/06/2011 09:02

Idolatrado há décadas, o baiano de Juazeiro, de vida carioca, completa 80 anos no próximo dia 10Sabe-se que João Gilberto é recluso: alguns o chamam até de excêntrico pelo comportamento arredio a pessoas. É discreto, tímido como a voz que consagrou a bossa nova no Brasil e lá fora. Idolatrado há décadas, o baiano de Juazeiro, de vida carioca, completa 80 anos no próximo dia 10, numa sexta-feira. Talvez ele rejeite as honras ou fique constrangido com as homenagens que lhe são conferidas desde que construiu um capítulo importante da história da música nacional, a partir do fim dos anos 1950.

Não dá para dizer. Lobão, que sempre diz o que pensa, e, às vezes, escorrega nas palavras, soltou o verbo durante a semana. No Festival da Mantiqueira, em São Francisco Xavier (SP), o roqueiro ousou discutir o indiscutível ; criticou Chico Buarque e João. ;O problema é que ele virou um ser sagrado. Nós temos que destronar tudo o que é sagrado;, disse, durante o evento literário. João não rebateu, é claro. Não precisa. Sua contribuição para a música é inegável.

Ruy Castro, autor da biografia Chega de saudade ; 27 reimpressões em 20 anos desde a publicação ;, não tem dúvidas. ;Neste exato momento, em qualquer parte do mundo, há alguém se beneficiando do seu jeito de tocar violão, e é isso o dia todo, o ano todo, a vida toda, desde 1958;, define. Aquele ano foi o prelúdio do primeiro LP, Chega de saudade (1959), com arranjos de Tom Jobim, um dos discos essenciais da bossa nova.

O cantor e compositor Sérgio Ricardo ficou amigo de João mais ou menos naquela época. Ele não se lembra de datas exatas, mas recorda-se bem de como o conheceu. ;Eu trabalhava como pianista em boate, e ele me foi apresentado pelo (João) Donato. Ele trabalhava num grupo vocal e estava à procura de saber como se posicionar dentro da música popular. Tocava um violão maravilhoso. Conversávamos até altas horas da madrugada. Éramos muito amigos. Ali pelas tantas, de repente, ele me convenceu a tocar violão. Cantava de uma forma que na época nem se pensava em cantar;, conta.

Os encontros entre Sérgio e João têm sido raros. ;Basta que uma vez por ano a gente se encontre. Coisa de grandes amigos;, explica. Mas as lembranças dão conta de eliminar a distância. ;Recebi um convite para participar de umas reuniões na casa da Nara Leão. Estava começando a nascer uma nova forma musical, e o líder era o João Gilberto. Mas o João nem aparecia muito por lá. Comecei a frequentar, e iam Carlos Lira, Menescal, Bôscoli, aquele pessoal todo. Mas o João era o ídolo da história, o líder de uma transação nova;, comenta.

[SAIBAMAIS]Aos 17 anos, o cantor e compositor Roberto Menescal ouviu falar pela primeira vez do músico baiano. Mas só foi conhecer o mestre da bossa nova durante a festa de 30 anos de casamento de seus pais. Na porta de casa, Menescal aguardava os presentes e os convidados, de repente um homem que parecia um entregador apareceu, pediu um violão e se apresentou como João Gilberto. ;Ele queria um lugarzinho para tocar. Insistiu muito. Levei ele para um quarto e ele arranhou uns acordes, foi quando percebi de quem se tratava. Tirei o paletó e fui pra rua com ele.;

Desse dia em diante, a amizade dos dois só fez aumentar. Eles viviam a um quarteirão de distância um do outro, mas em condições diferentes. Menescal morava com os pais e tinha uma vida razoavelmente confortável, já João morava com mais seis pessoas, as quais incomodava bastante. ;Era uma guerra no apartamento.

O pessoal tinha que sair para trabalhar às 7h e o João chegava às 4h e começava a tocar violão. O pessoal ficava louco;, comenta.

"É uma pessoa muito carinhosa, afetiva, de uma inteligência incrível. Tem uma lucidez fantástica e uma cultura da poesia brasileira muito grande. Gosta de Drummond. Sou só um ano mais novo que ele. E ele foi meu professor em algumas coisas. No violão, por exemplo, me ensinou grandes levadas. E ele lia uma coisas do Drummond e eu descobri Drummond por meio do jeito que ele dizia;


Sérgio Ricardo,
amigo, cantor e compositor


"Embora seja baiano, sua música é carioca, e por uma razão simples: é o samba. Mas o samba, queiram ou não, é o Brasil. Só ele poderia ter sintetizado tudo que tantos inventaram desde o pós-guerra e transformado aquilo na bossa nova ; talvez porque, muito mais do que João Donato, Johnny Alf, Newton Mendonça e o próprio Tom, ele tivesse quase que a necessidade de vencer;

Ruy Castro,
autor do livro Chega de saudade


"É um messias que representa uma virada na música brasileira. Quando ele surgiu, só tínhamos o samba canção que vendia bem. No entanto, a juventude queria uma coisa para cima, mais divertida. Ele consegue isso quando junta tudo o que estava acontecendo e cria a batida da bossa nova, o samba moderno. João conseguiu fazer uma revolução em toda a MPB;

Roberto Menescal,
amigo, cantor e compositor

Assista ao vídeo de Desafinado, clássico da bossa nova, na voz do compositor João Gilberto

Assista ao vídeo de Chega de Saudade, música que inaugura a bossa nova, na voz do compositor João Gilberto

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