Diversão e Arte

Escritores precoces da cidade contam experiências e revelam inspirações

Mesmo bem jovens, tratam a ficção com a vibração de uma fantasia interminável

postado em 08/06/2011 10:19

A literatura pode parecer coisa de gente grande, crescida, que já viveu muito e tem muito a contar. Ingênuo engano. Colocar a imaginação na ponta dos dedos, segurando lápis bem apontados ou pressionando os botões de um teclado de computador, pode começar cedo e revelar um talento escondido, às vezes inesperado.
Em Brasília, três autores iniciam-se no mundo das letras com livros publicados ainda na adolescência. Se daqui a alguns anos ainda estarão nas prateleiras das livrarias da cidade, eles não conseguem prever. Porém, arriscam-se.

Elfos, fadas e dragões

Paula Dias Garcia, 16 anos, não está muito interessada em saber se vai ou não seguir a carreira de escritora. ;De qualquer forma, arrumando outra profissão, daqui a alguns anos eu ainda me vejo escrevendo, mesmo que seja por hobby;, diz. Desde muito pequena, impulsionada por leituras, gostava de inventar histórias e personagens fantasiosos. Quando aprendeu a rabiscar as primeiras letras corretamente, escrever foi uma consequência natural. O primeiro livro, O meu melhor amigo é um ET, ela publicou, de maneira independente e com a ajuda da mãe, Glória, aos 8 anos. O segundo é o extenso e também de investimento próprio Kyra (348 páginas), uma aventura que mistura sua imaginação à dos autores que mais a influenciam, como J.K. Rowling (Harry Potter), Christopher Paolini (Eragon), Licia Troisi (Crônicas do mundo emerso) e Stephen King, mestre de thrillers assombrosos. Kyra é uma ninfa que abandona o vilarejo onde sempre viveu para se arriscar na misteriosa Arcádia. Fantasia e ficção científica dão uma liberdade diferente. É como se você pudesse escolher as regras do jogo antes de começar;, define. Paula é rigorosa: se não está como ela quer, reescreve sem parar. Mesmo sem o apadrinhamento de editoras, ela não se cansa: prepara uma trilogia de ambientação medieval.

Escrever: uma paixão
O estudante de cinema Gabriel Marinho, 21 anos, fala com seriedade do ainda precoce hábito de escrever e publicar romances. ;Eu preciso tanto que a única missão com a literatura é viver da arte. Não quero ser rico, famoso, não quero Prêmio Jabuti, nem cadeira na Academia de Letras. Eu só quero reconhecimento;, enfatiza. Ele ainda é muito jovem, começou aos 16, mas já exibe um histórico de leitura invejável. Dos muitos autores que consegue citar de cor, ele destaca os latino-americanos Mario Vargas Llosa e Gabriel García Márquez, os contemporâneos Paul Auster e John Hart, e os brasileiros Machado de Assis e Guimarães Rosa. São muitos. E são muitos também os livros que levam a autoria dele: O mundo depois do fim (2009) e Breve sonho de esperança (2010), financiados pelo Fundo de Apoio à Cultura (FAC).
A inspiração do primeiro título vem das distopias de George Orwell e Aldous Huxley. O segundo, de uma observação da caótica geopolítica mundial, arrasada pela violência de guerras e rivalidades internacionais. Gabriel se equilibra entre as leituras que precisa terminar e a elaboração de mais um romance. E ele não escreve na velocidade com que publica: tem mais três já concluídos e que ainda aguardam impressão.

Artista mirim
Matheus Carvalho Brandão Cavalcanti, 13 anos, assinou o primeiro livro com apenas 11. E com ousadia de gente grande. Ilustrado com desenhos próprios e caligrafia de mão, A espermatolândia (Thesaurus) nasceu numa aula de educação sexual e foi finalizado rapidinho, em duas semanas. ;Além das aulas de sexualidade, teve um filme que me motivou, Olha quem está falando agora, com John Travolta. Fui escrevendo umas coisas, uns rascunhos;, explica. Na história, a personalidade dos seres humanos começa a ser formada bem antes da fecundação, quando os espermatozóides ainda disputam para ver quem chega primeiro ao destino da vida. Outra influência do cinema veio de Jack Black, famoso ator de comédias como Escola de rock. ;Combinou com o personagem, que, acho, só precisava ser mais gordinho;, brinca.
Ator de teatro e de publicidade para a tevê, Matheus ainda não sabe bem qual carreira artística seguir. ;Acho que dá para ser ator e escritor. Mas quando você escreve, quando você publica, é muito divertido, você fica empolgado;, acredita. ;Na verdade, pensei em escrever sobre outros temas. Mas ainda não decidi. Estou me divertindo muito com isso;, revela. Na idade dele, a literatura ainda é uma brincadeira que alimenta a imaginação.

KYRA
De Paula Dias Garcia. Lançamento independente,
348 páginas. R$ 30.

BREVE SONHO DE ESPERANÇA
De Gabriel Marinho.
Financiado pelo FAC,
314 páginas. R$ 30.

A ESPERMATOLÂNDIA
De Matheus Carvalho Brandão Cavalcanti.
Thesaurus, 16 páginas. R$ 25.

Leia trechos dos livros:

Kyra, de Paula Dias Garcia

Kyra levantou-se de um salto. Espreguiçou-se e deixou escapar um longo bocejo. Já mais desperta, pegou as roupas que estavam dobradas em sua cômoda. Logo estava vestida com um bonito conjunto esverdeado. A larga calça cor de musgo caía bem sobre suas pernas esguias, e a blusa, de um tom mais claro, ajustava-se confortavelmente. Pegou uma faixa, também verde, e amarrou os longos cabelos castanho-avermelhados.

Olhou para um símbolo pintado na parede do quarto. Havia sido desenhado em preto, apesar de o original ser colorido. Kyra correu os dedos suavemente pela figura, pensando em seu significado. Então balançou a cabeça e abandonou seus devaneios. Já fazia tantos anos que ela olhava para aquele símbolo e, cada vez mais, ele parecia fazer parte de uma realidade inalcançável.

Desviou o olhar para a janela, viu o sol nascendo e percebeu que tinha acordado no horário certo. Saiu de casa, começou a caminhar por uma trilha que começava perto de seu jardim, aumentando a velocidade gradativamente.

Adorava a sensaçao de correr pelo vilarejo. O vento no cabelo, a velocidade e a liberdade. Percorreu duas vezes o caminho que fazia todas as manhãs antes de parar diante de uma casa. Caminhou suavemente pelo gramado bem cuidado que ficava diante da entrada e andou ao redor da casa, parando ao lado de uma janela aberta. Apoiou as mãos no parapeito e impulsionou o corpo para dentro.

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Breve sonho de esperança, de Gabriel Marinho

Sentado, fecho os olhos e entrego-me ao prolongado som dos aplausos que atravessa as suntuosas dependências do Teatro Albertina. Volto a abri-los e comprovo: tudo aquilo era real.

Estava, como era de praxe para a ocasião, engomadamente fardado; o quepe centralizado acompanhando a linha dos ombros e nenhuma insígnia fora de lugar. Minha cabeça formigava, assim como as mãos, apertadas pela luva branca de tamanho levemente inferior ao que solicitara na loja. Todavia, não ousava sair da posição. Acompanhavam-me clones meus. Oficiais enfileirados e retraídos. Muitos apertavam o assento com as mãos; os outros as movimentavam pelo corpor, para enxugar as gotas de suor que caíam da face ou para bolinar, constrangidos, a irritação proporcionada pela veste. Ninguém, porém, desligava a atenção da imagem à frente.

O marechal do ar Youri Aisham dirigia-se efusivamente à plateia. Não poupava frases sobre o quão orgulhoso se sentia. Era, afinal, a quadragésima turma de cavaleiros do que formava sob seu comando. Aquele senhor de 92 anos, marcado por numerosas rugas, cabelos brancos feito polvilho e dentes cor de areia, fora um dos idealizadores da Força Aérea da recém-fundada República Federal da Rodópia, sendo, atualmente, seu único remanescente. Ele respirava e comia a aviação militar

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A espermatolândia, de Matheus Cavalcanti

Um belo dia, um adolescente chamado Lucas estava sozinho em casa, relaxando. No mesmo tempo, dentro de sua calça, dentro de sua cueca, dentro do seu saco escrotal, lá dentro do seu testículo, tinha um pequeno planeta chamado Espermatolândia. Dentro dele tinha um país chamado Semenvild. Dnetro, tinha uma cidade chamada Testículo City, e lá morava um esperma chamado James Semenm. Todos o chamavam de JS.

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