Uma conversa ao telefone fez a flautista norte-americana Julie Koidin reestabelecer as referências musicais. Há algum tempo Julie notava um certo envolvimento da plateia quando atacava umas partituras diferentes sugeridas pelo violonista Jeff Kust, parceiro no duo que mantinha em Chicago. Corriam os anos 1990 e, no subtítulo da partitura, a palavra ;choro; intrigava a musicista. Ela sequer sabia tratar-se de um gênero musical. Ligou para um colega em Boston em busca de mais partituras, mas só encontrou CDs. Como era flautista, o amigo sugeriu que ouvisse Altamiro Carrilho. ;Altamiro quem?;, foi a primeira reação de Julie. Depois de receber dois discos, a flautista de formação erudita se deparou com um desafio: uma música popular de dificuldade técnica semelhante às peças eruditas. ;Minha vida mudou;, conta. O resultado da mudança está em Os sorrisos do choro, que Julie lança, hoje, durante dois recitais.
Às 12h30, a flautista sobe ao palco do Auditório de Música da Universidade de Brasília (UnB) para um recital erudito com peças de compositores norte-americanos. Às 20h30, troca o gênero pelo choro no bistrô C;est si bon da Asa Norte. Julie começou a pensar no livro em 2002. Na época, já estava embrenhada no mundo do choro. Em Chicago, mantinha desde 1997 um duo com o violonista Paulinho Garcia, com quem já gravou três discos.
Partituras
Ela estava satisfeita com a quantidade de partituras e gravações do gênero disponíveis no mercado, mas achava ralo o material de texto. ;Nos anos 1990 começou a crescer o interesse por choro e partituras foram publicadas. Como parte desse movimento saíram alguns livros, como o de Henrique Cazes (Choro ; Do quintal ao municipal), mas eram sobre o passado. Pensei então: por que não falar sobre a vida de quem está fazendo esse tipo de música agora?;
Com o projeto do livro aprovado na fundação Fullbright, Julie saiu em busca de músicos e compositores contemporâneos. Realizou 52 entrevistas com artistas de São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Recife, Natal e Fortaleza. Em vez de um texto com suas próprias impressões sobre a cena do choro brasileira, a musicista optou por publicar as entrevistas integrais. Os sorrisos do choro acabou com 514 páginas e uma primeira edição em português que, em breve, deve também ganhar versão em inglês. Como parte da contrapartida dos quatro meses de bolsa recebida da fundação, Julie deu aulas de música na Unirio e viveu entre o Rio de Janeiro e outras capitais brasileiras em busca das expressões locais. ;Eu queria mostrar o trabalho desses músicos, alguns muito conhecidos, como o Guinga, outros menos, mais conhecidos em suas comunidades;, explica. A iniciativa é consequência dos princípios que pautam a carreira artística de Julie. ;Me interessa muito o que é novo e gosto de ajudar compositores a divulgar suas obras.;
No duo com Paulinho Garcia, em Chicago, a flautista admite experimentar diferentes maneiras de fazer choro. Como a dupla não conta com cavaquinho, violão de sete cordas e bandolim, o jeito é adaptar. A formação jazzística de Garcia às vezes se faz notar. ;Há músicas que já foram gravadas muitas vezes e por conjuntos que fazem isso muito bem, então pensamos em fazer algo diferente;, avisa. ;Minha formação é erudita mas sempre procurei músicas populares com bastante técnica e o que eu encontrava de popular era muito simples. Minha formação me levava a querer coisas que pudesse estudar, que fossem desafios, e o choro me deu isso.;
Os sorrisos do choro
De Julie Koidin. Choro Music, 514 páginas. R$ 46.