Se existe um tema caro ao septuagenário diretor Francis Ford Coppola, para além dos chefões mafiosos e dos apocalipses bélicos, trata-se da juventude e das complicações de jovens adultos firmarem a própria identidade. À frente dos seminais (para cinéfilos antenados dos anos 1980) Vidas sem rumo e O selvagem da motocicleta, Coppola se enamorou da vitalidade juvenil (ou da falta dela) nos recentes Jack e Youth without youth, em que não se descolou do segundo longa dele You;re a big boy now, concorrente ao Festival de Cannes, em meados dos anos 1960. A respeito de binômio que agrega formação intelectual e orfandade no primeiro roteiro original do diretor em quase 40 anos, Tetro encosta numa pontuação narrativa vista em Os sonhadores, do contemporâneo Bernardo Bertolucci.
Na trama de Tetro ; estrelado por Vincent Gallo e pelo estreante Alden Ehrenreich ;, os irmãos Angie (que se gaba de haver se ;divorciado; da família) e Bennie pontilham uma reaproximação (;Não solte a liga que me prende a tua alma;, destaca uma faixa estendida na cidade do reencontro: Buenos Aires).
Camuflado sob um código personalizado, Angie, um escritor anônimo que se autoproclama Tetro, mantém oculta uma literatura capaz de comportar muitos de seus segredos, bastante imiscuídos ao passado de Bennie, que carrega a ingenuidade dos 18 anos.
Ainda no enredo ; que deu o que falar com o sumiço, na vida real, do computador de Coppola, há quatro anos ;, a cunhada de Bennie, Miranda (Maribel Verdú, candidata ao prêmio Goya de melhor atriz), exerce uma força comparável à de outro coadjuvante de peso: o idoso e nada paternal maestro Carlo (Klaus Maria Brandauer).
Alfinetadas
Filho do compositor Carmine Coppola, o cineasta conduz um longa progressivamente submerso pelo dramalhão, no qual desfila ampla conjuntura artística, que vai da declarada homenagem ao inglês Michael Powell (de Contos de Hoffman e Sapatinhos vermelhos) ao uso de peças de Puccini, Mozart e Brahms, passando pelo uso até exagerado das coreografias assinadas por Ana María Stekelman (que já colaborou com o ícone Carlos Saura). Numa escolha arriscada, Coppola referendou a admiração pelos filmes em preto e branco de Elia Kazan e Michelangelo Antonioni.
Com similar cuidado visual ao empregado em outro retumbante fracasso de público do diretor O fundo do coração (1982), Tetro conta com o preciosismo do fotógrafo romeno Mihai Malaimare Jr., hábil em, sob os lampejos festivos da música do argentino Claudio Ragazzi, reforçar plasticidade desprovida de cor de ;monumentos;, como o bairro de La Boca e o tradicional Café Tortoni.
Arredio à exposição, o personagem-título alimenta divertidas alfinetadas de Coppola, em especial à frivolidade e hipocrisia inerentes aos bastidores da classe artística ;, na pele da crítica de arte Alone (papel de Carmen Maura), além de levantar bem explorados temas pelo cineasta, que vão do processo criativo libertador (a verídica Rádio La Colifata, usada no tratamento mental de pacientes argentinos) a rico complexo edipano.
TETRO
Tetro, Estados Unidos/ Argentina/Espanha/Itália, 2009). De Francis Ford Coppola. Com Vincent Gallo, Alden Ehrenreich, Maribel Verdú, Rodrigo De la Serna e Mike Amigorena. Imovision, drama, 127min. Não recomendado para menores de 14 anos.
Outros lançamentos
O BESOURO VERDE
(The green hornet, EUA, 2011). De Michel Gondry. Com Seth Rogen, Jay Chou e Christoph Waltz. Sony, ação, 119min. Não recomendado para menores
de 14 anos. **
Releitura do herói criado nos anos 1930 para uma série de rádio e que depois ganhou outras mídias (cinema, quadrinhos e tevê), o filme de Gondry (Brilho eterno de uma mente sem lembranças) é sério candidato às severas listas de piores do ano. O irresponsável Britt Reid (um Rogen alterado, gritando suas falas) herda do pai um grande jornal de Los Angeles e, com ele, obrigações profissionais. À noite, acompanhado do engenhoso Kato (Chou), combate o crime na pele do Besouro Verde e se vê como principal alvo do figurão Benjamin Chudnofsky (Christoph Waltz). Com um gordo investimento de US$ 120 milhões, o diretor francês não conseguiu ir muito longe: criou uma amálgama confusa de Batman, de James Bond e das comédias mal-comportadas de Rogen. (Felipe Moraes)
A MINHA VERSÃO DO AMOR
(Barney;s version, Canadá/Itália, 2010). De Richard J. Lewis. Com Paul Giamatti, Jake Hoffman e Rosamund Pike. California Filmes, drama, 134min. Não recomendado para menores de 14 anos. **
Giamatti venceu o Globo de Ouro como melhor ator de comédia/musical ao encarnar um sujeito de difícil convivência: o produtor televisivo Barney Panofsky é amante de charutos, beberrão e de comportamento impulsivo. Lewis dá um tratamento de comédia existencial ao passado agitado de Barney, de amores febris e escolhas não muito solidárias. A adaptação do romance de Mordecai Richler não consegue sair das armadilhas de um dramalhão memorial tedioso ; e com longos flashbacks ;, que respira, em breves momentos, com as aparições do excêntrico Izzy (um hilário Dustin Hoffman), pai do protagonista. Eis o simplório reconhecimento do Oscar: indicação à categoria de maquiagem. (FM)
SANTUÁRIO
(Sanctum, Austrália/EUA, 2011). De Alister Grierson. Com Rhys Wakefield, Alliston Cratchley e Christopher Baker. Paris Filmes, drama, 108min. Não recomendado para menores de 14 anos. **
Depois de Avatar e da consolidação do 3D, James Cameron, aqui como produtor, resolveu checar como a tecnologia em três dimensões se sairia em cenas debaixo d;água. Neste thriller de sotaque australiano, uma equipe de mergulhadores explora grutas e lagos límpidos da cratera mais perigosa e inacessível do planeta. Com a história em segundo plano e um diretor que não se manifesta ; Grierson está mais preocupado com a fotografia que com os atores ;, sobra pouco: um punhado de tensão nas sequências subaquáticas e um conflito até convincente entre um pai viciado no trabalho e um filho carente de atenção. O experimento de Cameron serve apenas para propósitos técnicos e talvez para uma sessão vespertina
com a alta definição do Blu-ray. (FM)