Diversão e Arte

Nova geração de artistas da cidade mantém a tradição

postado em 03/07/2011 08:00

No imenso caldeirão humano em que Brasília se tornou, a arte dos bonequeiros, seguindo técnicas e influências vindas de Norte a Sul do país, fincou raízes e se misturou. Algumas cidades se revelaram celeiros de artistas do gênero, como o Gama, onde brotaram as companhias Bagagem e Voar de Teatro de Bonecos. Há muitos artesãos transformando matéria-prima inanimada em seres de madeira, isopor, espuma e tecido e que ganham vida dentro das histórias que ilustram. A tradição acompanha a evolução da cidade, e volta e meia, novos nomes surgem nesse cenário minucioso.

Uma delas é a professora de Artes Ângela Alexsander, mais conhecida como Ângela Dinha. Ela trabalha com bonecos, tapetes bordados e qualquer objeto inanimado que a ajude a contar histórias à meninada. Sua paixão pelo assunto começou há 13 anos, quando virou professora do Ensino Médio. Encantada com a literatura infanto-juvenil, Ãngela e os alunos começaram a ultrapassar os limites da palavra escrita. Passaram a confeccionar caixas e desenhos, e a recolher materiais como cabaças e garrafas, buscando maneiras de materializar cada mensagem lida. ;Hoje, meus bonecos nascem, depois nasce a história. Vou mexendo na medida em que permitem. Eles têm vida própria;, conta.

O trabalho ultrapassou as fronteiras da sala de aula e ganhou um contorno feminino. Ao lado de três amigas professoras, Ângela fundou o grupo Palavra de Mulher, com o intuito de trabalhar ;com mulheres e para mulheres;. A primeira criação do quarteto é A moça tecelã, espetáculo baseado em conto de Marina Colasanti. O enredo é simples e focado na valorização da mulher: depois de tecer um marido perfeito, a moça descobre que ele não é tão maravilhoso assim, e resolve desfazer o bordado. ;Uma das minhas companheiras de cena canta, a outra faz a iluminação na própria cena, a terceira conta a história e eu manipulo os dois bonecos cubanos, feitos de papel machê e tecido;, relata. Há um ano, o espetáculo percorre bibliotecas, escolas e eventos. Além de um trabalho ambiental com formigas feitas de jatobá, Ângela prepara um outro texto, para estimular o lado sensorial de quem não enxerga.

Especiais
A sala de aula também revelou a porção bonequeira de Rose Costa, que começou a montar espetáculos para que seus alunos especiais não fossem recebidos com preconceito na escola. Os livros vieram em seguida: o primeiro, Gente diferente e interessante, que usa a literatura de cordel para tratar das diferenças, não conseguiu apoio das editoras. Pensando numa forma de divulgá-lo, ela criou um material de apoio, uma bolsinha com dedoches (pequenos fantoches colocados nos dedos) que complementam as histórias. O segundo livro, Três Olhares, aborda novamente as diferenças, a partir das perspectivas de três meninas. Neste caso, o material de apoio é uma bolsinha que se transforma em tapete, com diversos personagens. O terceiro livro, uma homenagem à filha de 15 anos, já está no forno, e terá como complemento bonecos com roupas de lã e feltro.

Além dos dedoches, fantoches e bonecos em tecido, que são sua marca registrada, Rose adicionou um charme a mais à proposta. Sempre que se apresenta em escolas, eventos e até shoping centers, ela carrega suas criações em um baú, cuja tampa vira palco para seus relatos. ;O boneco, por mais inanimado que seja, parece vivo quando a gente começa a contar histórias. É pequeno, cheio de detalhes e isso encanta as crianças;, destaca. A tradição, acredita a professora e bonequeira, não sofre com a tendência cada vez mais tecnológica que persegue as relações humanas. ;É um momento mágico. Quando nos propomos a contar histórias com bonecos, surge uma atmosfera de união e aconchego. Não podemos desistir dessa ideia. Ultimamente, ela tem tomado um corpo cada vez maior;, defende.


Fazendo as pazes
Outro nome forte da arte é Aguinaldo Algodão, pernambucano de Olinda que se apaixonou por Brasília e engrossou o caldo artístico da cidade na década de 1980. Ainda pequeno, ele morria de medo dos bonecos gigantes que circulavam por sua cidade natal. ;Eu sofria muito, era melhor fazer as pazes;, conta ele. Tanto conseguiu superar o trauma que entrou nas oficinas de mestres bonequeiros e aprendeu o ofício. Hoje, vive da confecção de mamulengos, bonecos de variadas formas e tamanhos, cenários, figurinos e máscaras para espetáculos de dança, música e teatro. Ele também mostra suas criações nas escolas, apresentando mamulengos que cantam com a meninada e contam contos populares. ;São histórias de heróis, princesas, dragões, serpentes mitológicas, que estão no emocional de todo o mundo;, relata.


Outra vertente de trabalho é o carnaval. Fundador do bloco Menino de Ceilândia, Algodão abriu uma oficina para a comunidade, que confeccionou 10 bonecos alegóricos para a folia deste ano. Suas criações para a festança de Momo já foram parar em festejos de Tocantins, Santa Catarina, Paraíba e Pernambuco. Ele ainda presta consultoria completa a quem quer realizar a folia, organizando um bloco de carnaval nos moldes tradicionais. ;O mamulengo tem a virtude de trazer uma comunicação rudimentar, muito direta e precisa. O Estado poderia ter projetos mais amplos para bonequeiros e artistas em geral;, defende.

Para saber mais

Origem babilônica

A boneca mais antiga de que se tem notícia foi encontrada na civilização babilônica, feita de alabastro e com braços articuláveis. Nos túmulos de crianças do Egito, Grécia e Roma antigas, era comum depositar bonecas de madeira, em forma semelhante à de uma espátula, com farta cabeleira, feita com cabelo de verdade, provavelmente banhado em argila. A criação de bonecas com fins comerciais estruturou-se na Alemanha, durante o século 15, onde apareceram também as casas de bonecas. Paris firmou-se, no mesmo período, como um centro de produção do brinquedo, geralmente feito em terracota, madeira e alabastro, fiel à imagem dos moradores locais. No século 17, surgiram, na Holanda, bonecas com olhos de vidros e perucas feitas com cabelos humanos. O momento áureo dos fabricantes de bonecas foi entre os séculos 19 e 20, quando elas reproduziam figuras da corte e da sociedade e eram consumidas por adultos. O teatro de bonecos surgiu há mais de três mil anos, no Antigo Oriente.

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