postado em 05/07/2011 09:07
A bola de vidro repousa na palma da mão: a imagem da sutileza. ;Queria mostrar uma coisa que não se sabe muito bem o que é nem onde se passa;, explica Guy Blanc diante da imagem de 1m20 por 80cm que abre sua exposição. Com uma máquina fotográfica na mão, o francês de 80 anos flanou pelos cruzamentos e ruas de Brasília. ;Na L2, eles se apresentam somente pela manhã;, detalha o fotógrafo a partir de suas visitas pela cidade. Ele captou imagens de malabaristas, equilibristas e palhaços de rua. O prazer estético do início virou a mostra Sinal vermelho, aberta para visitação a partir de hoje na Galeria de Exposições do Espaço Cultural da Câmara dos Deputados. Após um ano e meio de trabalho, 31 fotografias foram selecionadas para compor a exposição. A fim de ilustrar a diversidade e valorizar os detalhes, o artista incluiu outras 50 em tamanho reduzido, organizadas em tiras de 20cm de altura. A exposição foi batizada há apenas quatro semanas. ;Procurava e não achava nada. Até que achei o nome Sinal vermelho e foi evidente. Afinal, é ele que permite tudo isso;, conta o artista.
;Comecei a fazer as fotografias sem pensar o que fazer com elas. Simplesmente gostei do que vi;, revela. Não foram as danças aéreas das tochas em chamas e das facas cortantes que seduziram o olhar do fotógrafo, mas a elegância dos movimentos daqueles que os manipulavam. Blanc decidiu transformar a paixão em mostra fotográfica no meio do ano passado. A partir daí ele resolveu se aproximar dos artistas invisíveis que parecem congelar o tempo, tal como o registro fotográfico. Para o francês, não foi difícil conseguir a confiança dos artistas. ;Oitenta por cento deles são estrangeiros, assim como eu;, disse. Mais de 20 aventureiros, entre eles chilenos, argentinos, peruanos, uruguaios e colombianos, foram registrados em cena. ;Alguns eu vi uma única vez. Muitos são jovens e vivem viajando;, conta Blanc. Apesar do pouco contato com os artistas, sempre atentos ao ritmo das cores do semáforo, ele se comprometeu a enviar as imagens por e-mail a todos. Ele garante que a promessa foi cumprida.
Ângulos
Os artistas de rua manipulam bolas, balões, claves, tochas em chamas, facas e bola de vidro, estão à caráter ou apenas disfarçados com um nariz de palhaço, são de menores de idade a maiores de 40 anos. Todos entram em ação quando o trânsito para. Além da habilidade como artistas, impressionam pelo mistério que carregam. O palhaço dançarino que sempre perambulava pela W3 Sul sumiu com sua boneca, e agora ninguém sabe onde ele dança. Na L2 Sul a menina que brinca com fogo consegue alguns trocados para pagar a viagem. Ela vem de Goiânia e faz cursos de malabarismo e teatro em Brasília. Um dia sonha trabalhar em circo. ;Um dos primeiros retratos que eu fiz não ficou bom. Dois meses depois passei de carro no final da W3 e vi o mesmo homem. Na mesma hora a gente se reconheceu. Eu estacionei e refiz as fotografias do diabolô;, conta o fotógrafo.
Mas o caminho de Blanc não contou apenas com momentos poéticos. Oito horas da manhã; meio-dia; e no entardecer; o fotógrafo estava atento às manifestações circenses na W3 Sul, no Eixo Monumental, na L2 e na Rodoviária. A maioria das performances registradas ocorre na Asa Sul. É trabalhoso encontrá-los. Segundo Blanc, os artistas se apresentam em turnos de duas horas e, no fim de semana, geralmente não trabalham. Os melhores ângulos foram alcançados à custa de muitos cliques. Além disso, Blanc decidiu que os rostos não deveriam ficar em evidência. Em um mundo de fantásticos anônimos, o que interessa não é a pessoa, mas o que ela é capaz de fazer.
O fotógrafo diz que em Paris não é comum encontrar apresentações circenses da rua. Mas no metrô da cidade é praxe se deparar com músicos, todos estão previamente autorizados pela empresa de transporte. ;Deve existir uma tradição de malabarismo na América Latina. Apresentar-se no sinal vermelho é uma coisa especial daqui;, disse Blanc. Esses artistas resgatam uma tradição antiga, a dos saltimbancos. Há séculos, antes de hipnotizarem plateias em teatros e arenas de circo, eles percorriam as feiras com seus números inusitados. Quando Blanc chegou a Brasília, em 1994, era difícil encontrar malabaristas no semáforo. ;Mas com o aumento do tráfego, amplia o tempo do sinal vermelho. Acho que esse fenômeno aconteceu em função de uma mudança de trânsito;, destaca.
NOSSOS OLHOS
Uma vez concluído o trabalho pesado das ruas, Blanc encarou 10 horas de tratamento digital em cada fotografia e só teve descanso ao fim de seis meses. Ele optou pela técnica High Dynamic Range (HDR) para valorizar a imagem, por meio do realce das cores. ;Dá profundidade e mostra mais detalhes;, explica Blanc. O HDR é uma técnica de edição que consiste em juntar várias fotografias expostas a luminosidades diferentes e, assim, obter mais informação de cor e, consequentemente, mais detalhes. É uma tentativa de reproduzir a qualidade dos nossos olhos que não está nas câmeras.