postado em 09/07/2011 08:00
Há 15 anos, o coração de Billy Blanco desafinou. A notícia de que o compositor paraense havia sofrido um enfarte deu um nó na garganta da MPB. O susto, no entanto, passou logo. E, enquanto se recuperava da dor, o músico tratou de narrar a experiência do jeito como sabia: escreveu uma canção. Na alegre Canta coração, ele fala de um acidente que o levou ;às portas do céu;. Recusado na entrada, porque esqueceu o passaporte, voltou para fazer mais uns sambas pro povo. Em vida, cumpriu a promessa: compôs um total de 500 músicas, 300 delas já gravadas. Uma arte que permaneceu em movimento até outubro do ano passado, quando sofreu um AVC e foi internado no Hospital Pan Americano, na Tijuca, Rio de Janeiro. Na manhã de ontem, morreu o ;diamante da bossa nova;, aos 87 anos.Ainda que pareça pomposo, o apelido de William Blanco Abrunhosa Trindade condiz com a importância do artista. No período imediatamente anterior à bossa nova (no início dos anos 1950), o brilho das composições de Billy produziam admiração sobre uma geração que lapidava uma batida diferente. João Gilberto e Tom Jobim ficariam conhecidos como os pioneiros. Mas, entre os criadores do gênero, Billy soube notar um elo sutil entre o samba-canção e um estilo ainda nos estágios iniciais. Ao lado de Dick Farney, Lucio Alves e Dolores Duran, é lembrado como um precursor da bossa nova ; mas participou ativamente do período ao escrever em parceria com mestres como Tom Jobim e Baden Powell.
;Billy é não só um dos maiores letristas da música popular brasileira como também melodista e sambista muito fino;, resume o compositor Carlos Lyra, em depoimento no site oficial do músico. Canções perenes como O morro (com Jobim), Samba triste (com Powell), Viva meu samba e Canto livre (que ecoa um tempo de repressão militar) consagraram o sambista de Belém do Pará, que começou a escrever poemas aos 10 anos de idade. No colégio, as redações eram organizadas em versos ; e, ele próprio se gabava, sempre tirou nota máxima em português. Também se aproximou cedo da música, criando paródias para canções conhecidas. Na época de adolescente, participou de shows em quartéis, hospitais e escolas. Só deixou o Pará em 1940, quando decidiu cursar arquitetura em São Paulo.
No quarto ano de faculdade, pediu transferência para o Rio. Foi quando a história musical de Billy finalmente superou a condição de esboço. Graças à amizade com o arquiteto Sérgio Bernardes, com quem trabalhou, fez matrícula na Faculdade de Arquitetura e Belas Artes do Rio. A ligação com a capital era antiga ; quando pequeno, ele ouvia emissoras cariocas de rádio, transmitidas da janela do vizinho.
Mas a atração musical com o novo lar se mostrou mais intensa do que previa: conheceu Dolores Duran, que namorou, e ídolos como Silvio Caldas, Elizete Cardoso, Radamés Gnattalli e João Gilberto. Na universidade, teve Tom Jobim como colega de turma. Se tornaram, desde então, grandes amigos. ;Tom e eu somos de antes da bossa nova, de durante a bossa nova e de depois da bossa nova;, afirmou certa vez.
Festivais
Nessa época, foram lançadas as primeiras músicas de Billy, gravadas por intérpretes como Leda Barbosa, Neusa Maria e Dolores Duran. O primeiro sucesso do arquiteto, Estatutos da gafieira, foi regravado por vários cantores. Conta a lenda que o produtor Aloysio de Oliveira teria obrigado Billy a cantar no seu primeiro disco, que saiu pela gravadora Odeon. Episódio que abriu caminho para apresentação do paraense em teatros, bares e casas de espetáculo. Participou de festivais e espetáculos, nos quais começaram a vir a público seus sambas em estilo de crítica sociocomportamental. Billy gravou sete discos de carreira ; o mais recente deles, O autor e sua música, foi lançado em 1996. Em 2002, a gravadora Biscoito Fino lançou A Bossa de Billy Blanco. Antes da internação, gravava gospel.