Ele tinha 14 anos e ainda era Osvaldo Alves Pereira quando levou o prêmio de melhor samba-enredo, Grito do Ipiranga, na agremiação Unidos do Catete. Mas só anos mais tarde, quando foi convidado por Paulinho da Viola para participar do show Carnaval para principiantes, no Teatro Opinião, é que ganharia o tom e as cores que o consagrariam para sempre. Com 78 anos, 56 deles dedicados ao samba, Noca da Portela volta a Brasília para lançar o CD Cor da minha raça, com 12 faixas, todas de sua autoria com importantes parceiros, como Toninho Nascimento, Mauro Duarte e Darcy Maravilha.Os shows, no Arena Futebol Clube (hoje), no Fulô do Sertão (amanhã) e na Choperia Maracanã (domingo), terão o repertório baseado no novo trabalho, o que inclui Ilumina, gravada por Maria Bethânia; o samba romântico Mil réis, composto com Candeia, e Peregrino, sucesso na voz de Paulinho da Viola.
Produzido por Rildo Hora, o álbum resgata sucessos da carreira e é a realização do sonho do sambista, que não gravava desde 2004. ;Foram 10 anos juntando dinheiro de shows e de direitos autorais. Mas valeu a pena a espera. O Rildo disse que meu CD é um dos melhores que ele fez. E o reconhecimento está vindo de todos os lados. A música que fiz para o Lula, Eterno presidente, é uma das mais tocadas no Espírito Santo. A imprensa não para de elogiar esse trabalho. Todo o reconhecimento é uma grande vitória para um sambista com quase seis décadas de música;, desabafa o artista.
Integrante da ala de compositores da Portela, Noca também atua na política. Desde a juventude, participou das reuniões do Partido Comunista Brasileiro e a atuação durante a campanha das Diretas, já o aproximou de várias figuras públicas, como Tancredo Neves, Ulysses Guimarães e Leonel Brizola. Em 2006, o ex-militante tornou-se secretário de Cultura do Rio de Janeiro, cargo que ocupou por 10 meses. ;Assumi a secretaria na reta final do governo da Rosinha Matheus. Ela queria cumprir algumas promessas antes que o mandato acabasse e me chamou para ajudar nessas prioridades. Fizemos muita coisa, entre elas o Museu do Futebol, no Maracanã, e a Casa do Samba, no Méier. Infelizmente, a casa está abandonada. O governo mudou e não continuou o projeto;, revela.
Loteria
Bom partideiro (em todos os sentidos), Noca coleciona uma série de histórias. Uma delas é com o sucesso É preciso muito amor, gravada por Zeca Pagodinho, Dudu Nobre, Jair Rodrigues, entre outros. O samba, dele com Tião de Miracema, ganhou o mundo e chegou ao orquestrador Paul Mauriat, que fez uma versão em francês e mudou a vida do compositor para sempre. ;A única música com que eu ganhei dinheiro foi ela. Porque lá fora, eles levam a sério esse negócio de direitos autorais. Aqui, a gente ganha uma merreca. Foi uma pequena loteria que eu ganhei na época. Aí eu comprei a casa onde moro, um telefone, uma antiga Brasília amarela;;, conta, rindo.
Em Oswaldo Cruz, berço portelense, o sambista tem mais a contar. O apelido, por exemplo, surgiu quando ele conheceu Natal da Portela, um dos ;patrocinadores; da escola. ;Noca é um apelido caseiro, mas o seu Natal quem me deu o ;da Portela;. Eu disse que era de Tuiuti, um bairro da Zona Norte do Rio, e ele disse ;esse nome não é vendável; e mudou o nome. Desde então, nunca me atrevi a tirar a Portela da minha vida;.
A quadra da escola azul e branca também foi palco para grandes vitórias. Lá, ele concorreu com 12 sambas-enredo, ganhou seis e dois deles, Gosto que me enrosco (1995) e Os olhos da noite (1998), levaram o aclamado Estandarte de ouro, troféu que premia os destaques do carnaval. ;Todos os meus sambas na Portela foram nota 10. Inclusive Oito metas para mudar o mundo, de 2005. Aquele desfile foi marcante por vários motivos. A águia que representa a escola não entrou e a Velha Guarda foi barrada. Foi uma tristeza. Mas depois, quando abriram os portões, ela desfilou sob aplausos de todo o Sambódromo;, lembra.
Causos de Noca
Paulinho da Viola
; ;Eu trabalhava em uma feira, no bairro de Botafogo, e a mãe dele, dona Paulina, ia fazer as compras dela lá. Um dia, ela pediu para levar a sacola até o apartamento dela, foi quando eu encontrei com o Paulinho tocando violão. Dona Paulina nos apresentou, conversamos sobre música e ele me convidou para participar da peça Carnaval para principiantes e, depois, me indicou para a Portela. Daí viramos grandes amigos e fãs.;
A virada
; ;Beth Carvalho ia fazer um disco em maio, no mês do trabalhador. Então, eu e o Gilpert fizemos a música Virada, que dizia: ;O que adianta eu trabalhar demais, se o que eu ganho é pouco / Se cada dia eu vou mais pra trás, nessa vida levando soco / E quem tem muito tá querendo mais, e quem não tem tá no sufoco/ Vamos lá rapaziada, tá na hora da virada vamos dar o troco;. Depois, eu cedi a composição para o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), que foi cantada por 1 milhão de pessoas no comício da Candelária. A música foi um sucesso e nunca mais faltou arroz e feijão em casa.
O Partidão e o coronel
; ;O Partidão foi uma herança que meu pai deixou. Ele era do Partido Comunista Brasileiro e, quando morreu, peguei o bastão e continuei a luta por ele. A gente vivia fugindo dos milicos. Quando chegava na comunidade, a rapaziada me avisava que eles estavam na área e eu caía fora. Mas uma vez, um coronel me intimou para ir ao quartel-general. Se eu não fosse, ele ia atrás de mim. Chegando lá, percebi que ele sabia mais da minha vida do que eu! Ele queria saber o que eu queria dizer com a música Virada. Na minha sagacidade, disse para ele que música servia de porta-voz para o povo brasileiro. Dei uma volta no coronel, que virou meu fã! Muitos anos depois, estava fazendo um show no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, e um senhor veio falar comigo no camarim. Ele elogiou a apresentação e se apresentou: ;Lembra de mim? Sou aquele coronel que ia te prender;. Eu disse: o senhor envelheceu tanto. E ele respondeu: ;Esse negócio de ditadura envelhece as pessoas;;.
Candeia e Clara
; ;Um dia, Candeia me ligou dizendo: ;Noca, vou te dar uma missão quase impossível. A Clara Nunes quer uma música nossa, mas tem que ser para uma mulher cantar;. E eu disse: ;O que é que tem?; E o Candeia respondeu: ;Você sabe que o meu lado feminino é sapatão!’. Ele tinha a melodia pronta, mas não conseguia fazer a letra. Mas a Clara morreu e não gravou a música. Algum tempo depois, ele se lembrou da composição e decidiu mudar a letra para um homem cantar. A música era Mil réis, que virou um grande sucesso e está nesse CD.;
Discografia
Canto de um povo (1980)
Manda me chamar (1996)
Samba verdadeiro (1998)
Ala de compositores da Portela (2000)
51 anos de samba (2003)
Samba, saúde & simpatia (2004)
Cor da minha raça (2011)
O que eles falam
;Cor da minha raça não é apenas delicioso de ouvir, é a prova de que ele se insere na restrita galeria de notáveis da MPB, independentemente de rótulos que por vezes assinalam apenas preconceitos e confinamentos;
Ricardo Cravo Albin, pesquisador de MPB.
;Trabalhar os sambas bonitos do Noca foi uma tarefa agradabilíssima. Comecei o ano muito bem. Tudo fica fácil quando a gente faz um disco que tem um bom repertório. Obrigado mestre Noca pelo voto confiança que foi fundamental para que tudo ficasse com aquela ;serena elegância; portelense;
Rildo Hora, gaitista, arranjador e produtor musical.
Conheci o Noca na década de 1980 e tive o prazer de trabalhar com ele no projeto Sexta-feira é dia de samba, que acontecia em um teatro em Botafogo. É ótimo tê-lo em Brasília novamente. Os shows dele são aulas sobre o samba;
Carlos Elias, sambista portelense
NOCA DA PORTELA
Hoje, às 22h, no Arena Futebol Clube (Setor de Clubes Sul, Tc. 3). Entrada: R$ 10 (com nome na lista arenalistavip@gmail.com) e R$ 15. Não recomendado para menores de 18 anos. Amanhã, às 20h, no Fulô do Sertão (404 Norte, Bl. B, Lj. 16). Couvert: R$ 10. Não recomendado para menores de 12 anos. Domingo, às 17h, na Choperia Maracanã (207 Norte, Bl. A, Lj. 4). Entrada: R$ 15 (homem) e R$ 10 (mulher). Classificação indicativa livre.