Nahima Maciel
postado em 17/07/2011 08:00
Quando Roma foi criada, ninguém pensou sobre a necessidade de fundar um arquivo histórico para guardar os documentos capazes de narrar a trajetória da cidade. Nem em Lutécia, que depois virou Paris, um gestor teve a ideia brilhante de um arquivo público. Londinium, como Londres era chamada por seus fundadores romanos, tampouco teve direito a centro de documentação. Se hoje é possível conhecer detalhadamente as origens das mais importantes capitais do Ocidente é porque, ao longo dos séculos, historiadores se esforçaram para desenterrar documentos e objetos portadores da história. Brasília tem uma sorte danada nesse cenário. Não é europeia, não foi fundada em terras tomadas de outros povos e ainda teve direito a um arquivo de documentação histórica montado desde o seus primórdios. Existem vantagens em nascer no século 20 e sob o signo da utopia. O problema é quando a utopia se desmancha.
Brasília tem dezenas de arquivos espalhados por órgãos públicos e destinados a guardar a memória da cidade, mas muitos deles não recebem a atenção necessária para a conservação adequada do material. O Correio visitou alguns desses espaços e constatou que a maioria sobrevive graças a um esforço quixotesco de seus técnicos e funcionários diretos. São pessoas comprometidas afetivamente e profissionalmente com a história da cidade que há anos requisitam, sem muito êxito, a atenção de governos locais e federal.
O Arquivo Público é o maior do Distrito Federal. Abriga um total de 6 milhões de fotos realizadas entre as décadas de 1950 e 2010, 38 mil plantas arquitetônicas de prédios históricos e mais de 3 mil filmes em película e outros formatos. Fundado em 1985 com o objetivo de receber toda a documentação referente à história da capital desde sua inauguração até os dias de hoje, nunca teve uma sede própria, orçamento adequado e equipe completa para tratar os documentos. O conjunto está guardado em um prédio de pré-moldados cedido pela Novacap cujas paredes são inadequadas para garantir a segurança e a conservação do material.
O arquivo cresce a cada ano e o espaço emprestado já não comporta mais o volume de documentos que deveria receber dos órgãos locais todos os anos. ;Ao fim de cada governo, a Secretaria de Comunicação Social deposita no arquivo todas as fotos e os filmes feitos nesse período;, explica Gustavo Chauvet, diretor do órgão. Para ele, o maior desafio é digitalizar o material e organizar um sistema de indexação e descrição das fotografias. ;As fotos estão bem preservadas dentro das condições, não temos problemas de deterioração, mas nunca foi feita uma correta descrição dessas fotos.;
Precariedade
O Arquivo Público recebe do Governo do Distrito Federal um orçamento anual de R$ 300 mil. O custo de digitalização e tratamento de apenas um negativo custa em média R$ 4. Para tratar os 6 milhões de imagens do acervo seriam necessários R$ 24 milhões. Ainda assim, os textos e os recortes de jornais ficariam de fora. ;No mínimo, precisaríamos de R$ 10 milhões anuais;, contabiliza Chauvet, que tenta convencer o governo a investir em projeto de digitalização para abertura de um portal capaz de atender usuários em qualquer local do planeta. Isso para as imagens. Os filmes são um capítulo à parte.
Nos cubículos que guardam películas e fitas VHS, Betacam e Ulmatic, o cheiro acre, ácido é forte. A técnica Sandra Torres confirma que o odor é característico de um princípio de deterioração, mas garante que o material não corre perigo. O que corre perigo é o acesso aos filmes. Os formatos já entraram para a lista dos ultrapassados e precisam ser digitalizados para que possam ser assistidos com facilidade. ;Outro desafio são as películas. Algumas precisam urgentemente de restauro e é um processo caro;, avisa Chauvet. Muitos desses filmes datam das décadas de 1950 e 1960, quando Juscelino Kubitschek mandava realizar propagandas de 10 minutos para passar em cinemas do país e divulgar a construção de Brasília. Outros são doações de acervos importantes que poderiam originar uma preciosa cinemateca, como os filmes doados pelo cineasta Vladimir Carvalho. A estrutura do Arquivo Público é tão restrita que a equipe desconhece o conteúdo de 700 filmes do acervo.
Documentos no caixote
A situação do Arquivo Público do Distrito Federal é luxuosa em comparação com o acervo da Companhia de Eletricidade de Brasília (CEB). Há quase uma década, o órgão trocou o prédio na 904 Sul por uma nova sede, no Setor de Indústrias, e encaixotou o acervo de documentos e objetos que integravam o Espaço Memória. A história da eletricidade em Brasília se confunde com construção e desenvolvimento da capital e, além de mobiliário, o acervo conta com documentos, mapas e fotografias históricos. ;Foi tudo encaixotado, lacrado e está inacessível;, explica Mauro Pinheiro, chefe da Assessoria de Comunicação da CEB, responsável pelo acervo. ;São mais de três mil itens, mas não foi feito um cadastro, somente um inventário que está guardado com as caixas. Como não é uma atividade-fim da empresa, acabaram fechando o espaço. Mas não vou deixar que isso morra na minha mão. É a memória da eletricidade em Brasília;, garante Pinheiro.
No Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico do Distrito Federal
(Depha), o arquivo é guardado em sala pequena e destinado principalmente a consultas internas porque não há espaço nem pessoal para receber visitantes. Plantas de prédios tombados e fotos históricas da construção formam o acervo. ;O que está conosco não precisa, por exemplo, de sala climatizada, mas precisa de cuidados. Não está em ótimas condições, mas também não está em péssimas condições;, pondera José Delvinei, subsecretário de Patrimônio Histórico e Artístico do DF. Para não perder material precioso, o Depha entregou a parte mais frágil do acervo ; caso dos negativos do fotógrafo Mario Fontenelle ; ao Arquivo Público.
O Instituto Histórico e Geográfico do DF (IHG) é o mais esquecido dos arquivos brasilienses. Sem orçamento próprio e guardião de importantes coleções de revistas e jornais ; parte da pesquisa histórica é impossível sem esse material ; , o IHG conta apenas com um funcionário cedido pela Secretaria de Educação para organizar a biblioteca. Os mapas históricos estão em cestos.