postado em 17/07/2011 08:00
Quando se escreve sobre Paul McCartney, não há biógrafo que saia ileso: qualquer retrato do ex-beatle, por mais cuidadoso e exaustivo, chegará às livrarias com a aparência de produto um tanto envelhecido, maltratado pelo tempo. Isso porque o britânico de 69 anos ainda trata a própria vida como uma obra em progresso. Era assim na década de 1960, quando escrevia canções como Yesterday e Eleanor Rigby, e é assim em 2011, um ano especialmente movimentado para o ídolo. Seja nos palcos da Up and coming tour ; que veio e voltou ao Brasil em apenas seis meses ; ou nos estúdios de gravação, o músico encontra um equilíbrio curioso entre dois tempos: preserva o seu passado com vigilância absoluta, mas se aventura em projetos novos, e não exatamente seguros.
Esse talento para a reinvenção ; em estalos de vigor que às vezes pegam os fãs de surpresa ; é uma das características do cantor sublinhadas pelo livro Paul McCartney ; Uma vida, lançado no Brasil pela editora Nova Fronteira. Uma biografia que, como era de se prever, já mereceria uma revisão ; o original nova edição. No entanto, é com entusiasmo e um tanto de ceticismo que o norte-americano Peter Ames Carlin, ex-colunista da revista People e autor de Catch a wave (sobre Brian Wilson, ex-Beach Boys), esquadrinha os arquivos do astro. Sem acesso ao cantor, que não autorizou o livro, o escritor toma as liberdades de um perfil ;subterrâneo;, por vezes crítico, que chega a comparar as contribuições de Paul e John Lennon para a trajetória do quarteto mais popular do rock.
O biógrafo defende a tese de que, ao contrário do que pregam as viúvas de Lennon, foi Paul quem arquitetou a beatlemania. Quem o acusa de ser um compositor convencional, argumenta Peter, não leva em consideração o papel do músico na engenharia das gravações, nas coletivas de imprensa e nas maquinações empresariais que consolidaram a fortuna do grupo. Já o parceiro, autor de Imagine, é descrito como um turbilhão de encrencas, impulsivo e pouco rigoroso. Os fãs da banda certamente vão torcer o nariz para a imparcialidade do escritor ; mas, em contrapartida, o ídolo ganha características nem sempre agradáveis. Incapaz de lidar com críticas, e sempre atento a estratégias de autopromoção, o roqueiro parecia ter consciência total da força que exercia sobre a cultura pop.
Narrado num tom fluente, o livro trata das criações musicais de Paul com o mesmo interesse como investiga as relações amorosas do músico e as negociações empresariais envolvendo os lucros dos Beatles. Um dos últimos capítulos encontra o cantor após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2011 ; quando, tomado por ;susto e raiva;, ele pegou a guitarra e compôs os primeiros acordes de Freedom, um hino pacifista com o espírito parecido ao de All you need is love. ;Próximo dos 60 anos, com o papo caído e pés de galinha em volta dos olhos, o popstar teimosamente juvenil tinha chegado a um estágio na vida em que era amado apenas por ser ele mesmo, por continuar de pé;, resume Peter.
Fascínio eterno
Plausível ou não ; e severamente criticado pelos jornais americanos ;, Uma vida pode ser usado como exemplo do fascínio crescente que Paul passou a exercer na primeira década do século 21, quando assumiu o papel de guardião orgulhoso do legado dos Beatles. No início de 2011, enquanto interpretava clássicos do grupo numa turnê de 38 apresentações, acompanhou um acordo milionário para digitalizar a discografia do grupo, disponível no iTunes. E, poucos meses depois, relançou os discos solo McCartney (1970) e McCartney II (1980). Paralelamente a essas idas e vindas a uma época distante, anunciou dois álbuns novos e o noivado com a executiva Nancy Shevell, 51 anos. ;A ideia é que posso fazer tudo o que eu quiser;, resumiu, em entrevista ao The Telegraph.
Para a revista americana Rolling Stone, 2011 é o ;ano de Paul;. Não é exagero. Principalmente quando se nota a velocidade com que o músico dispara notícias na imprensa. Esteve em Las Vegas na comemoração do quinto aniversário do espetáculo Love, do Cirque du Soleil, estreia em setembro a primeira composição para um balé (sob encomenda do New York City Ballet), anunciou a conclusão de um acervo digital robusto e, como se o mais importante ainda estivesse por vir, comentou que pretende lançar um disco de rock ;pesado;, mais ruidoso que os lançamentos recentes. Antes disso, para não deixar nenhum fã desamparado, vai revisitar ;standards; do pop. ;São apenas canções que eu admiro. Estou tentando evitar as óbvias;, adiantou à revista de música.
Pode parecer um esforço desnecessário. Um dos britânicos mais ricos do mundo ; com uma fortuna estimada em 475 milhões de libras ;, Paul seria uma celebridade mundial mesmo se tivesse parado de compor no início dos anos 1980. Imobilidade, contudo, é uma palavra que não combina (nem nunca combinou) com o temperamento do ídolo. ;Mistura teimosa de homem comum e monarca sobrenatural, Paul acabou se acostumando a seguir a própria estrela, aonde quer que ela o levasse, independentemente do que os outros diziam;, escreve Peter. E a jornada continua.