Nahima Maciel
postado em 19/07/2011 09:34
Se há algo que una os escritores da primeira década do século 21, esse elemento é o bizarro. Escreve-se sobre violência urbana, consumismo, conflitos, realidades estranhas, rotina enlouquecida, mas sempre de uma maneira que esbarra na bizarrice. Por isso, o escritor e editor Nelson de Oliveira salientou esse ponto ao propor a coletânea Geração Zero Zero, cujo lançamento ocorre hoje no Café Com Letras. ;A atmosfera comum a toda essa prosa quase exclusivamente urbana é o bizarro. Que, tendo em vista apenas a estrutura formal, aparece das mais diferentes maneiras: ora em linha reta, ora em ziguezague, ora fragmentada, ora pulverizada e misturada, mas sem jamais perder a sua consistência bizarra;, escreve Oliveira no prefácio.Fora isso, há mais diferenças que semelhanças na antologia. ;Por isso, o recorte temporal funciona bem. Isso libera da exigência de caçar semelhanças. As diferenças são muito gritantes entre os autores;, avisa o organizador, que inicialmente fez lista de 150 autores para chegar aos 21 de Geração Zero Zero. A exemplo do que já havia feito em Geração 90, Nelson de Oliveira quis reunir os nomes que considera mais relevantes na ficção escrita neste início de século 21.
Critério
Todos os textos são inéditos ; com exceção dos contos de Lourenço Mutarelli ;, mas nem todos os nomes são desconhecidos dos leitores. Muitos, inclusive, já publicaram dois ou mais romances em editoras de grande porte e há muito circulam pelo meio literário como semiconsagrados, caso de Carola Saavedra, Daniel Galera, o próprio Mutarelli e Santiago Nazarian.
Alguns não chegam a ser revelações, embora suas obras fiquem restritas a um circuito independente, como Whisner Fraga, Marne Lúcio Guedes, Ana Paula Maia, Lima Trindade e José Rezende Jr., os dois últimos residentes em Brasília. ;O princípio da antologia nunca foi revelar nomes que não fossem conhecidos;, garante Oliveira.
A opção de apostar em textos inéditos é um risco que faz da antologia um conjunto irregular que nem sempre pode ser apontado como representativo da obra dos autores convidados. O próprio Oliveira admite que não se pode pretender conhecer a literatura desses autores apenas com os contos de Geração Zero Zero, mas eles podem funcionar como aperitivos. ;Talvez se selecionasse os melhores textos tivesse uma antologia mais interessante, mas gosto de arriscar no ineditismo.;
Leia trechos do livro Geração Zero Zero
"Como pode alguém sumir assim? Sair de noite dizendo que volta cedo
porque não pode dormir tarde porque trabalha na manhã seguinte, e não
voltar cedo e não voltar tarde nem na manhã seguinte nem de noite nem
nunca mais? O policial forte que passa gargalhando aumenta em cinco
milímetros a ferida na cabeça raspada do moço sentado no banco em
frente, faz cacoalhar a corrente que prende o moço ao banco. O moço
geme mais alto, o policial forte gargalha mais forte, a mãe pergunta a
si própria porque não atou o filho ao sofá da sala, porque não atou o
filho ao ventre, o cordão umbilical à guisa de corrente, se o fizesse
ainda teria o filho, ainda seria a mãe, porque assim, órfã do filho, a
mãe é só uma mulher sozinha no mundo, um mundo pequeno mas vasto,
desolador." (José Rezende Jr./ A partida do audaz marinheiro)
"O céu se fechava em nuvens levemente escuras, misturadas entre chumbo
e castanh, ameaça de relâmpagos, trovões, temporais. Edivaldo recordou
a cor dos olhos de Bárbara. Castanhos. Estariam distantes ou perto? Na
época da 412 Norte se viam cotidianamente. Ela do bloco D, ele do M.
Quand chovia refugiavam-se no Cine Brasília ou na Cultura Inglesa.
Sentia falta da inocência de sua juventude e não reconhecia muito das
lojas do Setor Comercial Sul. O verde das praças exibia-se apagado, os
ramos tímidos no rente do chão, as folhas secas e as pedras espalhadas
como um mapa sem referências. Edivaldo caminhava pelas entrequadras.
Esquecera-se de que às vezes o vazio também era bom, assentava ideias
e sentimentos."(Lima Trindade/ Bárbara não atende)