No palco do Brit Awards de 2007, Amy Winehouse estava irresistível metida num vestido vermelho. Backing vocals negros batiam palmas enquanto executavam uma coreografia ensaiadinha e músicos vestidos de smoking duelavam com a voz rouca da cantora. O cabelo ajeitado em um topete gigante e aqueles olhos de Cleópatra moderna eram o que de mais estranho poderia maparecer no cenário musical da primeira década do século 21. Tudo na apresentação exalava uma nostalgia de agulha deslizando num vinil em plena era mp3. Era como se o elenco feminino negro inteiro da fase áurea da gravadora americana Motown (ou Atlantic Records) encarnassem no corpo daquela garota branca, judia e britânica. Um ser estranho em meio a um cenário musical de loirinhas rebolativas de voz fraca da marca de Britney Spears.
[SAIBAMAIS]
Amy fez questão de reverenciar aquela geração na onda retrô que ela iniciou. Cantou Heard it through the grapevine, de Marvin Gaye e gravou It;s my party (a última que lançou) em tributo a Quincy Jones. Agora que o desfecho anunciado se concretizou e a artista morreu prematuramente, o duro é admitir que a maior quantidade de arquivos que nos restou são os inúmeros vídeos de apresentações em que ela estava bêbada ou drogada e apresentando apenas 1% das habilidades vocais. Pouquíssimas gravações foram trazidas a público em que o talento da inglesa está à frente da distorção das drogas.
Winehouse produziu apenas dois álbuns Frank (2003) e Back to black (2007). O segundo álbum vendeu mais de 38 milhões de cópias no mundo todo e recebeu cinco prêmios Grammy. Numa época de decadência das grandes gravadoras, ela foi um dos pilares da multinacional Universal. ;Eu só sei cantar isso;, declarou certa vez sobre a obsessão em se manter fiel ao gênero soul. O lançamento do terceiro disco foi anunciado e adiado várias vezes. Deve virar um álbum póstumo na sanha comercial que se seguirá à sua morte.
Intuição
Sua última gravação em estúdio teria sido no lendário Abbey Road (o estúdio dos Beatles) em março. Ela e Tony Bennett gravaram o dueto Body and soul. ;Ela era uma cantora extraordinária com uma intuição rara como vocalista. Estou devastado que seu excepcional talento tenha tido um final tão prematuro;, declarou Benett ao US Weekly, após a morte da parceira.
Isto ainda não é toda a herança da diva trash da agora famosa Camden Square. A volta do vozeirão negro está no timbre de Adele, Janelle e aquela que ela escolheu para apadrinhar, Dionne Bromfield, uma adolescente de 15 anos (veja quadro). São todas intérpretes mais novas ainda do que os 27 anos que Amy tinha quando morreu. Apareceram cantoras melhores do que A.W? Certamente sim. Mas, Amy Winehouse foi única.
As sucessoras
Adele
A queridinha do momento reúne excesso de peso e talento de sobra. Assim como Amy, compõe boa parte das canções que canta. Ao contrário de Amy (mais visceral), Adele expõe os sentimentos numa embalagem terna e com uma voz possante. Chamou atenção da XL Recordings por causa do perfil no MySpace. Lançou dois álbuns 19 (2008) e 21 (2011). Impossível não se sentir tocado pelo clima gelado do clipe de Hometown glory. Tem 23 anos.
Dionne Bromfield
Foi a primeira cantora a assinar contrato com o selo de Amy Winehouse, o Lioness Records. Uma fofura no palco e nos estúdios, tem outras influências como as norte-americanas Alicia Keys e Beyoncé. Foi ao lado de Dionne que Amy subiu ao palco pela última vez, na quarta-feira, no iTunes Festival, em Londres. Tem apenas 15 anos e muita estrada pela frente.
Janelle Monáe
; Estilos retrôs diferentes retirados da mesma matriz de música negra. Mesmo assim, quando a chamada cybergirl lançou o EP funkeado Metropolis: suite I (the chase), em 2007, as comparações entre Winehouse e Monáe começaram. Boatos davam conta de um certo ciúme que a inglesa sentiu pelo excesso de atenção devotado à norte-americana do Kansas. Egos à parte, Janelle abriu os shows de Winehouse no Brasil. Tem 25 anos.
As antecessoras
Billie Holiday (1915-1959)
A voz rouca e o fraseado singular fizeram da garota pobre de Nova York uma das principais cantoras de jazz da década de 1940 e 1950. Ela se apresentou com as orquestras de Duke Ellington, Teddy Wilson, Count Basie e Artie Shaw. Também ao lado de Louis Armstrong fez grande sucesso. Assim como Amy, levou uma vida embalada pelas drogas. Billie publicou uma autobiografia intitulada Lady sings the blues em 1956. Morreu por overdose.
Nina Simone (1933-2003)
; Ao contrário de Billie, Nina tinha uma voz mais encorpada. Ativista negra, Nina denunciava a segregação dos negros norte-americanos. No ambiente doméstico, sofreu com a violência física infligida pelo marido. Peças de gospel, folk e soul também fizeram parte do repertório da intérprete de He;s got the whole world in His hands. Ela também gravou Here comes the sun, uma das composições de George Harrison, dos Beatles.
Etta James (1938)
Nas décadas de 1950 e 1960, a cantora californiana se notabilizou ao mesclar blues, soul, rock, jazz, gospel e rhythm and blues (R) nas canções, que interpretava com uma voz quente e rouca. Assim como Amy Winehouse, Etta enfrentou uma longa batalha contras as drogas e seu vício por heroína levou-a às clínicas de reabilitação diversas vezes. Os amores frustrados são outro marco em sua carreira. Ela está com 73 anos.