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Diversão e Arte

Ingredientes contraditórios são harmonizados nas criações de especialistas

O mundo das harmonizações pode ser mais amplo do que se imagina. Enquanto, para algumas pessoas, ele se resume à combinação de vinhos com pratos caros e sofisticados, especialistas criativos fazem o caminho inverso e comprovam que, sabendo as regras, é possível, sim, juntar dois e até três elementos tidos como totalmente contraditórios entre si.

No caso dos vinhos, por exemplo, é perfeitamente possível casar pratos típicos brasileiros, como a moqueca baiana e a galinhada. Já o uísque, conhecido por andar sozinho, forma par com sobremesa de chocolate. E até o café ; para quem gosta mesmo de ousar ; já é testado com pratos salgados.

;Sempre enfatizo que temos de harmonizar o vinho com nossa comida do dia a dia. Não comemos carneiro, caviar, foie gras todos os dias. Não sei se fazem isso por pedantismo ou para mostrar que conhecem boas comidas;, especula o presidente da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS), Antonio Duarte. Segundo ele, comidas leves, como saladas, peixes de carne branca, legumes e frango, pedem vinhos leves, assim como os de peso médio pedem vinhos de corpo médio. ;Depois, devem ser considerados o teor de gordura, a presença de fibras, a dificuldade de mastigação e a força do tempero;, salienta.

Ele destaca que é necessário o conhecimento dos ingredientes utilizados no preparo do prato, da forma como foi elaborado e da temperatura em que será servido. Ainda assim, é bom estar atento a alguns ingredientes que são inimigos do vinho. São eles: ovo, porque a gema cobre a língua e prejudica a apreciação; chocolate, pelo mesmo motivo; alcachofra e aspargos, que produzem no vinho um gosto horrivelmente metálico; e curry, que, por ser um tempero muito forte, pode esconder totalmente o sabor do vinho. ;Se quiser insistir, tente com um gewürztraminer;, aconselha. Esse tipo de uva tem cor amarelo-ouro e dá vida a vinhos com alto teor de álcool. Já no caso de espumantes, as possibilidades são inúmeras. A bebida pode acompanhar toda a refeição, desde a entrada até a sobremesa. ;Inclusive a feijoada. Mas, nesse caso, nada de acrescentar caipirinha ou laranja. Os cítricos brigam com os espumantes;, ensina Duarte.

Drinques mais fortes, feitos com bebidas como vodca, cachaça e saquê, também podem ser harmonizados sem problemas. Eles combinam mais com as receitas regionais de sabor marcante. O chef Odair José Pinto, do Zuu a.Z.d.Z., propõe um prato elaborado com costeletas de cordeiro glaceadas ao molho de melaço de rapadura acompanhado de cuscuz marroquino para casar com a jaipirinha de saquê com morango e pimenta-rosa. José Pinto explica que a harmonização é realizada pela intensidade dos temperos do molho, feito à base de cardamomo, mostarda dijon, capim-santo e vinagre balsâmico. ;A bebida doce prepara o paladar de uma forma suave para receber o gosto forte da carne de cordeiro;, diz.

Considerado um dos ingredientes mais difíceis de harmonizar, o chocolate ganhou companhia escocesa nas mãos do chef Rodrigo Almeida, do Dudu Camargo Bar e Restaurante.

A casa sugere para acompanhar um petit gâteau de chocolate uma dose de Johnnie Walker Green Label 15 anos, composto apenas por maltes defumados.

;Fica perfeito, porque o Green tem toques mentolados;, afirma. Já o sommelier Marcos Rachelle sugere para combinar com o doce o Johnnie Walker Gold Label 18 anos, que possui uma torrefação mais acentuada. ;Dá certo porque a bebida é envelhecida em barricas de carvalho e adquire notas de café, o que acentua o sabor do chocolate.;

Sabor brasileiro
Outra bebida muito apreciada pelos brasileiros é o café, que nas tentativas de harmonizações são, geralmente, combinadas a doces. O especialista em cafés Ensei Neto, no entanto, preferiu ser mais ousado. Ele visitou diferentes países até chagar a uma harmonização tripla, unindo pratos salgados, café e vinho. ;A ideia é fazer uma brincadeira com os sabores. Primeiro, o cliente pode testar o sabor do prato com o vinho, depois com o café, ou vice-versa;, descreve.

Em Brasília, a brincadeira sensorial ocorre no Belini Il Ristorante com pratos de sabor forte acompanhados de cafés igualmente marcantes. O prato principal da harmonização inovadora é o peito de pato em confit com casca de laranja caramelizada e risoto ao parmesão e café. ;O café deve ser degustado amargo para que não brigue com o sabor forte do pato;, salienta o proprietário da casa, Gilberto Costa Manso.

De acordo com Manso, a intenção é criar uma interação diferente entre os três elementos, uma conversação instigante, promovendo uma experiência rica em sutilezas. ;O café é também um produto típico de terroir. Cada origem é apresentada a partir da combinação entre as características geográficas, botânicas e do produtor;, explica.

Par perfeito
As harmonizações podem ser feitas de diferentes formas. Uma delas é buscar a similaridade dos itens, unindo pratos e bebidas com características semelhantes. Outra possibilidade é harmonizar por oposição, quando a combinação é realizada levando em conta as principais diferenças. Um exemplo seria a união de um queijo forte com um vinho doce. A intensidade (comida e bebida leves) e o regionalismo (cachaça com torresmo) são outros possíveis critérios.

Confira receita de feijoada:

FEIJOADA (50 pessoas)
Ingredientes:

5 kg feijão
5 kg carne seca
5 kg lombo
5 kg costela
4 kg pé de porco
3 kg bucho
2 kg toucinho fumero
5 kg lingüiça calabresa
5 kg lingüiça de paio
Sal a gosto
Alho
02 Cebolas
Louro a gosto
4 maços de couve
6 unidades de Laranja
vinagre


Dica:
Começar pelas carnes:
Retalhar a carne seca e lombo para tirar o sal de dentro; cortar a costela; limpar os pés de porco com vinagre

Modo de preparo:
Separar um recipiente com água o lombo, a carne seca, a costela e o pé de porco (deixar por 24 horas). Escolha o feijão e coloque num recipiente fundo. Após esse processo, cozinhar o feijão juntamente com as carnes, colocando em camadas numa panela comum , um pouco do feijão e das carnes.
Tempo de cozimento: cerca de 1h30 a 2h