postado em 05/08/2011 08:16
Em 5 de agosto do ano passado, há exatamente um ano, 33 mineiros chilenos desconhecidos entraram na mina de cobre e ouro San José, a mais perigosa da região de Copiapó, ao norte do país, e só sairiam de lá 69 dias depois, em 13 de outubro. Tomariam fôlego como personagens da história. Antes do salvamento, os números chateavam até mesmo os mais otimistas. Eles estavam 688 metros abaixo da terra, sob uma malha caótica de seis quilômetros de túneis, escavados desordenadamente desde a abertura da mina, em 1889. Os mantimentos eram escassos: algumas porções de comida, 10 litros de água e dois tanques de oxigênio. Ignorando as baixas probabilidades de saída, eles deixaram as entranhas da mina, no deserto do Atacama, em boa forma, vibrantes ; com os olhos protegidos de qualquer fio de luz por óculos escuros. Quem viu de perto toda a operação foi o jornalista norte-americano Jonathan Franklin, que lança hoje no Brasil o relato íntimo, detalhista e organizado em forma de diário, Os 33: a milagrosa sobrevivência e o dramático resgate dos mineiros no Chile (Agir).Segundo as contas de Franklin, que mora no Chile desde 1995 e é correspondente do jornal The Guardian há 12 anos, ele conseguiu conversar com 30 dos trabalhadores, 100 componentes da força-tarefa de resgate, além de psicólogos, familiares, autoridades e agentes de segurança. Lançado em língua inglesa no mês de fevereiro e agora disponível para os leitores brasileiros, o registro revela uma cobertura mais estreita dos fatos. O repórter obteve uma credencial especial para acompanhar tudo de perto, à entrada do perímetro das buscas: três frentes de perfuração tentavam vencer a solidez de centenas de toneladas de rochas para alcançar as vítimas. À medida que as iniciativas avançavam, os homens recebiam comida e remédios através de tubos. Cartas circulavam nos dois sentidos.
Experiente, Franklin já investigou contrabando de cocaína e reportou a prisão do ditador Augusto Pinochet. Mas, até então, nunca tinha visto coisa igual: um acidente de proporção gigantesca, de solução quase impraticável. ;Desde a chegada à Lua, nenhum desafio técnico intrigou e cativou tanto o mundo;, escreve.
A saga
A mina se comportava como um organismo vivo: estalos indicavam deslocamentos internos de rochas, e rajadas de poeira ensurdecedoras sinalizavam possíveis desabamentos. Trabalhar em San José era uma atividade tensa. Os 33 mineiros não tinham as melhores condições de segurança para explorar os metais. A serviço da empresa San Esteban Primera, proprietária de várias jazidas da região, eles tinham à disposição artefatos de baixa tecnologia e se prestavam a escalas irregulares ; sete dias em turnos de no mínimo 12 horas e sete dias de folga ;, a temperaturas úmidas acima de 32;C. Para evitar desidratação e conter os ruídos, eles bebiam três litros de água por dia e tapavam os ouvidos com fones de ouvido. Alguns dispensavam uniformes e, suando à beça, andavam somente com bota e cueca, além de capacete com lanterna e picareta.
Enfurnados num abrigo de pouco mais de 50 metros quadrados, no fundo da mina, eles conseguiram mandar a primeira notícia 17 dias depois do soterramento. Sebastián Piñera, presidente do Chile, exibiu orgulhoso um bilhete que dizia: ;Estamos bem no refúgio, os 33;. O perfurador Jeff Hart foi trazido do Afeganistão para acelerar a remoção de terra. O psicólogo Alberto Iturra, em contato com os bravos homens, tentava mantê-los esperançosos. E Franklin corria para lá e para cá, observando e anotando, despachando novidades para Guardian, The Washington Post, The Observer e The Sydney Morning Herald. Também filmava material para ABC, CNN, Univision e o Discovery Channel.
A cápsula Phoenix, a primeira das três usadas no recolhimento dos trabalhadores, afundou na montanha confiando nas indicações especificadas pela Nasa, a agência espacial norte-americana, e pela Marinha chilena. Do lado de fora, enquanto milhões faziam suas preces, engrossando o clamor das famílias, a sonda retornava abastecida de heróis. Franklin mudou-se para a região, desapareceu durante semanas e perdeu o aniversário de duas de suas seis filhas. O sofrimento dele foi, claro, menor do que o daqueles homens. Mas o permitiu compartilhar cada um dos 69 dias de desespero e fé com o resto do mundo.
[SAIBAMAIS]
Trechos
;O resgate dos mineiros no Chile foi o anti-11 de setembro, um evento que ressaltou a caridade humana, a fraternidade e o conceito de uma aldeia global construída com base no altruísmo. A fixação da imprensa mundial na história dos mineiros chilenos era uma aberração no fluxo normal de notícias de guerras, massacres e mudanças de temperatura. Cairia no esquecimento? Ou seria uma demonstração do vasto reservatório de boa vontade que sempre pode ser reunido em causas de alcance mundial?;
Cinco perguntas para Jonathan Franklin
O que diferencia o seu livro da cobertura midiática na época do acidente?
Meu livro tem um foco especial nos primeiros 17 dias, quando os homens realmente ficaram perto da morte. Eles estavam, lentamente, morrendo de fome e, ainda assim, mantinham-se unidos e com dignidade.
Você chegou a se mudar para perto da mina, com o objetivo de ficar mais próximo dos acontecimentos. Por isso preferiu escrever o livro na forma de um diário?
Fiquei perto da entrada durante semanas. Entre os mais de 2.000 jornalistas, fui o único que esteve lá por tanto tempo, então foi uma ótima maneira de tentar dar para o leitor uma visão do assento da frente.
Você descreve o resgate como um evento anti-11 de setembro e uma megaoperação que envolveu tecnologia e fé. Que lugar esses homens ocupam na história contemporânea?
Eles representam o poder de união das novas mídias. Não devemos apenas nos juntar à frente da tela esperando por morte e destruição. Realmente, as pessoas acordam de manhã e querem fazer a coisa certa. Os 33 são outro grande exemplo disso.
Antes de finalizar o livro, você tinha em mãos um material extenso para compilar e editar. Como foi esse processo?
Foi terrível. Tive que escrever o livro em apenas oito semanas. Quase tive um colapso nervoso.
Eles saíram de San José intactos. Dá para explicar como isso foi possível?
Ninguém pode explicar isso. É um milagre que eles não tenham quebrado sequer um osso ou ficado mortalmente doentes.