"Nunca sei o que dá pra esperar de um festival. Não estou recorrendo à falsa modéstia, mas, para mim, independentemente de premiação, o que importa é ter a convivência com todos lá dentro: tomar parte da colônia de cineastas que vêm alimentando a nossa indústria do audiovisual, ainda em formação", observa o ator Reginaldo Faria, às vésperas da exibição do longa dirigido por ele (O carteiro), na competição do Festival de Cinema de Gramado. A 39; edição do evento, que será aberta hoje com a exibição de O palhaço (antecedida por homenagem ao ator e diretor Selton Mello), se estende até o dia 13, com a entrega de Kikitos disputados (em categorias distintas) por 14 longas-metragens, entre produções nacionais e estrangeiras.
Riscado (de Gustavo Pizzi) dá a largada, hoje, na competitiva. No filme, a protagonista é uma atriz que, limitada a imitações de ícones do cinema, tem uma grande chance ao ser selecionada por um francês para tomar parte de gravações no exterior. Do outro lado da tela, dentro do Palácio dos Festivais, o público e a classe cinematográfica vão render homenagens aos veteranos Domingos Oliveira e Fernanda Montenegro, a serem premiados, respectivamente, com os troféus Eduardo Abelin e Oscarito. Pelo tapete vermelho de Gramado estão previstas as passagens de atores como Danton Mello, Daniela Escobar, Flávia Alessandra, Leona Cavalli, Hermila Guedes, Roberto Bomtempo, Mateus Solano e Tainá Müller.
Numa seleção que alinha títulos de circunstâncias densas, o filme de Reginaldo Faria ; que retoma a função de diretor, depois de 27 anos ; aporta na serra gaúcha com missão clara: "O princípio básico é o interesse pelo entretenimento, e não necessariamente a busca por bilheteria. A primeira coisa, em termos de motivação, é a paixão pelo que venha a ser criada". "Na expressão de linguagem, acho que, com o amadurecimento, permanece o humor", observa o diretor. Filmado no Vale Vêneto (Rio Grande do Sul), O carteiro aposta em graça para contar a trajetória de um rapaz do interior que se intromete numa relação amorosa, ao violar correspondência alheia.
Também na mostra competitiva, com o documentário Uma longa viagem, a diretora Lucia Murat explica que o filme "parte de uma tragédia, mas tem elementos de bom humor" na trama que "lida com drogas, rock;n;roll e luta armada". A diretora vê Gramado como uma porta de entrada para "a possível continuidade de repercussão" alcançada no Festival de Paulínia, de onde saiu premiada pela crítica. "Extremamente pessoal", uma vez que foi o projeto foi impulsionado pela morte de um irmão dela, Uma longa viagem faz conexões entre Murat, outro irmão dela, Heitor, que viveu a era hippie, com direito a "duas voltas ao mundo", e a "inesgotável" história do Brasil. Do contato anterior com a competição de Gramado, a diretora traz na bagagem "a explosão" que marcou a exibição de Que bom te ver viva, em 1989.
Rumo trágico
Conduzido pelo pernambucano Paulo Caldas, País do desejo é outro concorrente de peso no festival. Estrelado por Fábio Assunção e Gabriel Braga Nunes, que interpretam dois irmãos, o filme expõe o drama de uma pianista que sofre com problemas renais e vê a vida mudar depois de conhecer um padre. Também centrado na presença de uma mulher doente, o documentário pernambucano As hipermulheres ; um dos integrantes do 44; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, por sinal ; traz um trio de diretores (Carlos Fausto, Leonardo Sette e Takumã Kuikuro) debruçado sobre a perpetuação de um ritual indígena do Alto Xingu (Mato Grosso), com a tradição ameaçada pela debilidade física de uma mentora.
Cercado por questões de vida ou morte ; tal qual o tema do curta-metragem Pérfida (de Ramon Navarro), único título do DF incluído na mostra, que, na trama, une uma espiã, um padre nazista e uma leva de ex-católicos ;, o longa Ponto final marca o retorno de Marcelo Taranto (A hora marcada) para a ficção. "Com o festival, você cria uma expectativa, sim. Mas vou tentar minimizar isso (risos). Minha postura é quase naif, vou para a exibição com o coração aberto. Gramado abraça a tradição: ali, tem muito cinema", comenta Taranto. Ao ver o novo longa como "complementar" a ideais pavimentados pelos curtas Círculo das ilusões e Ressurreição Brasil, Taranto adianta a exploração de questões existenciais.
Riscos como o de uma bala perdida, ao lado da relativização do "poder definitivo da morte", são elementos de Ponto final, projeto que consumiu seis anos de trabalho e R$ 800 mil. "Trato da dor repentina de um executivo, por meio da violência urbana e de como, em casos extremos, só há uma saída: o encontro amigável e afetuoso com o outro", explica o diretor, que tem formação profissional em documentários, mesmo terreno de atuação de Cláudia Priscilla e Kiko Goifman, à frente de mais um título em competição no festival da serra gaúcha: Olhe pra mim de novo. A produção paulista se apoia na figura do transexual Syllvio Luccio, espécie de cicerone para os espectadores do road movie, que apresenta um painel da diversidade diluída no sertão nordestino.
Concorrência latina
Medianeras ; Buenos Aires na era do amor virtual (Argentina/Espanha/Alemanha, 2011, 95min). De Gustavo Taretto.
Apesar de vizinhos, Martin e Mariana vivem a eterna iminência de se encontrarem. Mas a capital dos portenhos tem seus caprichos, e teima em vê-los no eterno jogo do junto(s) e separado(s). Amanhã, às 19h.
A tiro de piedra (México, 2010, 118min). De Sebastian Hiriat.
Muito premiado no Festival Internacional de Cinema de Cidade do México e sensação no Festival de San Sebastián, o primeiro longa de Hiriat traz no título uma expressão que demonstra um alto grau de proximidade entre objetos. No caso, um jovem pastor do norte está a passos de se tornar adulto. Ele empreende uma jornada depois que toma o aparecimento de um chaveiro e de uma ovelha morta como indicativo da realização das aspirações pessoais. Domingo, às 19h.
Las malas intenciones (Peru/Argentina/Alemanha, 2011, 117min). De Rosário García-Montero.
Criada por padrasto e mãe ausentes, a pequena Cayetana, aos nove anos, começa a apostar na ideia de uma morte prematura. Tudo em função da instabilidade emocional, a partir do anúncio da chegada do primeiro irmão. Segunda, às 19h.
La lección de pintura (Chile, 2010, 85min). De Pablo Perelman.
Nos anos de 1960, numa cidade interiorana, o filho de uma camponesa demonstra ser um prodígio para a pintura. Tendo um senhor, que tem importantes livros de arte como referência, como grande incentivador, o menino descumpre expectativas, ao sumir com a instituição do Golpe Militar, em 1973. Dia 9 de agosto, às 19h.
El casamiento (Uruguai, 2011, 72 min). De Aldo Garay.
Documentário que se prende à interferência do destino, que agiu, favoravelmente, numa praça pública para a união do operário Ignácio e da transexual Julia. Dia 10 de agosto, às 19h.
Garcia (Colombia, 2010, 90 min). De José Luis Rugeles.
Rendido a caprichos da mulher Amália, um vigilante de prédio em Bogotá pensa ter cumprido o maior desejo do casal: ter uma casa própria. Mas, inesperadamente, Amália some e, na busca, o marido conta apenas com a ajuda de um ex-policial aposentado. Dia 11 de agosto, às 19h.
Jean Gentil (República Dominicana/México/Alemanha, 2010, 97min). De Laura A. Guzmán e Israel Cárdenas. Na capital dominicana, Santo Domingo, um professor de francês haitiano se desespera, na condição de desempregado. Dia 12 de agosto, às 19h.