Diversão e Arte

Curta-metragem narra o drama e a esperança numa terra inóspita

Ricardo Daehn
postado em 07/08/2011 08:00
;Na sua casa tem uma torneira, né?;. Ao ouvir a significativa pergunta de um hospitaleiro saaraui, o cineasta pernambucano Getsemane Silva endossou o objetivo inicial ; de deixar aflorar a sensibilidade no contato com refugiados do Saara Ocidental ; registrado no mais recente projeto de filme, em andamento: Adeus, Dahla! ;Para ele, o acesso a uma torneira trazia o peso de dispor de uma riqueza;, comenta Getsemane. No curta-metragem, com narrativa firmada no ;plano sensorial;, a intenção é a de reproduzir percepções, entre outras, de ;medo, angústia e tristeza; que Getsemane, há 13 anos radicado em Brasília, obteve da passagem pela área africana ; entre Argélia e Mauritânia ; que, desde os anos 1970, padece com impasse em torno da criação de uma independente República Árabe Saaraui Democrática.

Saídas de território não autônomo, que foi invadido pelo Marrocos, mais de 170 mil pessoas compõem o desolador cenário desértico visitado, ao longo de seis dias, pelo cineasta, ao lado do fotógrafo brasiliense André Carvalheira (Rock Brasília ; Era de ouro). ;As imagens serão contemplativas e pretendem aguçar o interesse do espectador, que terá tempo para descobrir a realidade. Levei muitos filtros de luz, para acalmar os planos de imagem, mas encontrei uma luz bem semelhante à do cerrado. Contamos a história de povo expulso e que, entre o sonho e a espera, aguarda, com esperança, a volta para a cidade natal de Dahla;, explica André Carvalheira, ao falar do filme que, dotado de imagens em alta definição, será finalizado até novembro.

Produtor independente, o diretor Getsemane tomou contato com a temática, a partir de uma bolsa de estudos no México (dada pela Ibermedia, entidade promotora do audiovisual). Na ocasião, ele foi estimulado a visitar o FiSahara, festival criado pelo diretor peruano Javier Corcuera (Invisíveis), numa oportunidade complementada pela feitura de um documentário, mais didático e informativo, a ser exibido no canal Futura. ;O povo tem uma esperança quase cega na independência e no retorno para as cidades que foram deixadas, a partir da ocupação. Marcou-me a resignação diante da situação que, de transitória, virou permanente. Filmamos o cotidiano e, na edição, passamos para um registro surreal. Ressaltamos o sonho de futuro que não aconteceu e pode se tornar inatingível;, observa Getsemane.

Em mais de três décadas de desgaste com a situação, houve avanços em termos econômicos, pelo apoio de entidades internacionais (com destaque para Espanha, Venezuela e Cuba), mas, nem por isso, a calamidade deixa de se apresentar. ;O que me chocou foi ver casas feitas em cima da areia. Há convivência deles com a areia, o tempo todo, inclusive ela está na comida dos pratos. Eles comem areia, que cai no gorduroso caldo de carne de camelo;, conta Getsemane.

A ida ao FiSahara também impressionou André Carvalheira, 15 anos de profissão. ;Na viagem, sobrevoamos horas e horas, sem sair do deserto. Com a vastidão, a gente vê o oposto das condições de reservas como a da Chapada dos Veadeiros. Em comum com uma passagem pela Amazônia, a gente tira a impressão de, cada vez mais, se sentir minúsculo;, avalia ele. Na investida por um cenário de pobreza ;que lembrou o sertão de 10, 20 anos atrás;, o fotógrafo ficou tocado pela ;coesão social; do grupo e pelo ;desejo coletivo; que reforça a solidariedade entre as pessoas.

Solidariedade
Exemplo dessa cooperação está no constante retorno de médicos e engenheiros locais para melhorar a vida dos compatriotas. A solidariedade também embalou a finalização do longa, já que internautas ; por meio de financiamento colaborativo ; ajudaram a levantar mais de R$ 4 mil destinados ao som. In loco, Carvalheira pôde constatar que o FiSahara ;é o evento do ano; para os refugiados do Oeste do Saara.

Três anos após a instituição de uma escola de audiovisual, que começa a funcionar em setembro, foi possível detectar os primeiros passos uma produção muito incipiente, complementada pela exibição de filmes europeus que tomam o posto de forte alternativa de diversão para os refugiados.

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