postado em 14/08/2011 08:00
Jerome David Salinger não gostava do próprio nome. Na casa dos pais (judeus de classe média que não faziam questão de levar adiante as tradições), em Nova York, era chamado carinhosamente de Sonny. Mas quando Sonny, beirando os 16 anos, foi enviado a um internato (o Valley Forge Military Academy), as coisas mudaram um pouco. A rigidez do colégio militar causou estranhamento, mas ele se adaptou sem muito sofrimento. Mudou de Jerome para Jerry e começou a fazer amigos com seu humor corrosivo, rabugento. Em O apanhador no campo de centeio, publicado em 1951, Salinger escrevia quase uma autobiografia daqueles anos: ele era o personagem Holden Caulfield, herdado de um de seus contos (Slight rebellion off Madison), a quem os adultos pareciam todos falsos. E ele, um garoto que ninguém entendia. Chega às livrarias brasileiras Salinger: uma vida (Leya), de Kenneth Slawenski, uma obra que detalha a trajetória pessoal e literária do discreto J.D. Salinger, morto em janeiro do ano passado aos 91 anos. Um livro que tenta finalmente entendê-lo.Slawenski ; também um fã, criador do site deadcaulfields.com ; consumiu oito anos de intensa pesquisa, até finalizar o volume depois da morte do escritor nova-iorquino. Antes de tudo, tapou olhos e ouvidos para a imensa quantidade de material especulativo sobre Salinger, que se refugiou em Cornish, estado de New Hampshire, e passou a ignorar o assédio da imprensa, a partir de 1980. ;Não construí uma moldura e daí tentei colocar à força um quadro nela. Sabia que ele não contribuiria, então comecei com uma página em branco e tentei deixar para trás tudo que já tinha lido ou ouvido sobre Salinger. Deixei apenas a vida dele se revelar a mim enquanto pesquisava;, delineia o biógrafo.
Popular e tímido
Depois de O apanhador (no Brasil pela Editora do Autor), Salinger se assustou com a repercussão do romance ; um sucesso editorial imediato até hoje ; e tomou distância de repórteres e editores famintos por best-sellers. Permaneceu ativo somente até 1965 e lançou coletâneas de contos e narrativas curtas. Entre elas, Carpinteiros, levantem bem alto a cumeeira e Seymour, uma apresentação (L Pocket), impresso originalmente em 1963 e que continua a saga a família Glass, protagonista de Nove estórias (1953) e Franny e Zooey (1961), ambos pela Editora do Autor. ;Ele é famoso por duas razões: ser autor de um clássico e um recluso. Se Salinger tivesse produzido apenas O apanhador, já teria obtido seu lugar entre os escritores mais influentes do século 20. Mas ele virou as costas para o sucesso e a fama ; e isso fez dele uma lenda. Então, hoje, nós damos a ele duas faces: a de um eremita e a de um autor. E as duas se completam para definir o seu legado;, analisa.
Caulfield, criatura de Salinger que se tornou uma persona essencial da literatura norte-americana, ainda hoje inspira curiosidade do público, especialmente de jovens leitores. ;O personagem retrata pensamentos e ansiedades adolescentes que são revividos novamente por cada geração. Recentemente, falei com um grupo de centenas de estudantes do ensino médio sobre o livro. Eles estavam cheios de perguntas e comentários, que provaram que o personagem tem uma capacidade duradoura de falar diretamente à juventude;, acredita. Mesmo abafada pela aversão ao contato, a voz de Salinger continua audível, ecoando a cada leitura.
SALINGER: UMA VIDA
De Kenneth Slawenski. Tradução: Luis Reyes Gil. Leya, 416 páginas. R$ 44,90.