postado em 14/08/2011 08:00
Edvaldo Santana é camarada de Tom Zé e Arnaldo Antunes. Assim como foi de Paulo Leminski, Haroldo de Campos e Itamar Assumpção (só para citar seus parceiros mais famosos). Cantor e compositor paulistano que há 35 anos leva a carreira em esquema independente, ele está lançando seu sétimo disco solo, Jataí, o primeiro em que assina todas as faixas sozinho. Achava que as letras chamavam a atenção porque eram escritas pelos parceiros? Que nada. As letras do novo CD (que vem com bela capa do artista Elifas Andreato) são muito boas. E as ;alquimias;, como ele chama as misturas que faz ; de blues, reggae, baião, xote, música cubana e o que mais vier à cabeça ; continuam lá, assim como a voz rouca, ainda que em tom mais suave.;Jataí tem uma sonoridade diferente dos outros discos que lancei. É semiacústico, mais baseado no meu violão. E a voz não está tão alta, dei uma suavizada;, compara o cantor. ;Continuo compondo com parceiros, claro. Mas, às vezes, as parcerias não batem com o momento que estou vivendo e acabam entrando em outro disco. Desta vez, quis gravar coisas bem minhas. Jataí tem muito do que estou pensando, do que estou sentindo.;
Das 13 faixas, 12 foram compostas nos últimos dois anos. E quatro são homenagens. Aí Joe, que cita o Bloomsday (a celebração de Ulysses, o clássico de James Joyce), no Finnegan;s Pub, em São Paulo, é dedicada a Waldir Aguiar, ;empresário, agente, produtor, faz-tudo, grande camarada;, morto há um ano e meio. Outras duas foram feitas para amigos de Itu (SP), onde o cantor vive atualmente: A poda da rosa, para o jardineiro Valdemar; e Seu Ico, para o poceiro que Edvaldo descobriu ser um ótimo tocador de viola. Foi ele, aliás, quem produziu o primeiro álbum de Seu Ico, aos 65 anos (o violeiro já lançou três). Já Eva Maria dos Anjos, a sexta música do CD, gravada com a participação da cantora Fabiana Cozza, leva o nome da avó paterna.
Filho de pai piauiense e mãe pernambucana, nascido e criado em São Miguel Paulista, um bairro de nordestinos na Zona Leste de São Paulo, Edvaldo Santana conheceu a avó quando tinha 6 anos. ;Meu pai era um operário ligado a movimentos políticos e, como a situação não estava boa aqui, ele levou a gente para o Piauí. Mas o sertão estava brabo também. E minha avó ajudou muito a gente;, conta ele, o mais velho dos oito filhos, que na letra de Eva Maria dos Anjos diz ter uma foto da avó, ;cabocla tupi;, mas na verdade nem tem. ;É liberdade de criação do poeta, me lembro dela vagamente;, ele ri.
Em movimento
Simpático, bom de bola e sempre na ativa (;quem se movimenta recebe, quem se desloca tem preferência;, gosta de dizer), Edvaldo começou a trabalhar aos 12 anos e, aos 20, já tinha a música como profissão. Com sua primeira banda, a Caaxió (depois rebatizada de Matéria Prima), chegou a ter 10 músicas censuradas num show no Teatro de Arena, em 1974. Ligado a movimentos universitários, viajou Brasil afora, acompanhou as primeiras ocupações do que viria a ser o Movimento dos Sem Terra (Piá, a única antiga do novo disco, é dessa época, foi composta à beira de um rio em Ponta Grossa, no Paraná). ;Sempre fui envolvido com esse lado social, porque venho do povo, das dificuldades;, justifica.
A voz rasgada (ele tem calo nas cordas vocais) lhe rendeu dois apelidos: Pato Rouco e Tom Waits da Pauliceia (ele ri dos dois). Também o aproximou um pouco mais do blues, marcante em seu trabalho desde o primeiro disco solo (Lobo solitário, de 1993). ;Na verdade, o blues veio mais pela ligação com os renegados, e isso tem a ver tanto com os negros americanos quanto com o povo nordestino;, comenta. ;Se pegar o que Luiz Gonzaga canta ; A volta da Asa Branca, por exemplo ; e diminuir o beat, deixar mais lento, você vai ter a linha de blues, até harmonicamente.;
Edvaldo cresceu ouvindo Gonzagão, Jackson do Pandeiro, Pixinguinha, Waldir Azevedo e toda aquela diversidade musical dos programas de televisão dos anos 1960 e 1970 (Wilson Simonal, Elis Regina, Roberto Carlos, os festivais etc). Na lista de influências, também entram Jimi Hendrix, Janis Joplin, Carlos Santana, Raul Seixas, os tropicalistas, Bob Marley; E, claro, seus parceiros famosos, como Tom Zé, Leminski e Arnaldo Antunes, com quem teve ;experiências fantásticas;.
Aos 56 anos (o aniversário é em 17 de agosto), o alquimista segue circulando (a turnê de Jataí começa em setembro e ele sonha tocar um dia em Brasília), compondo sem parar. ;É meu grande trunfo. Porque a gente pode não ter dinheiro, mas se tem arte, está bom, né?;
JATAÍ
Sétimo disco solo de Edvaldo Santana. Lançamento independente, com distribuição da Tratore, 13 faixas. Preço médio: R$ 20. ****