Diversão e Arte

Queda do ineditismo no Festival de Brasília preocupa participantes

postado em 17/08/2011 08:41

Cine Brasília: o palco do festival está em reformas, segundo a Secretaria de Cultura

As mudanças radicais na 44; edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, mostra de cinema mais tradicional do país, ainda provocam incertezas e polêmicas entre cineastas, produtores e imprensa nacional. Quando se discute as expectativas para o evento, que será realizado entre 26 de setembro e 3 de outubro, o que ainda se vê é um filme desfocado: não existe consenso sobre as medidas tomadas pela Secretaria de Cultura do Distrito Federal ; que, entre outras providências, derrubou a exigência de ineditismo para longas-metragens concorrentes ao Candango.

A abertura da competição para filmes que já foram exibidos em outros festivais brasileiros toma o centro das controvérsias. Entre os seis longas selecionados para Brasília, três já concorreram a outros prêmios no país: Trabalhar cansa e Meu país passaram no Paulínia Festival de Cinema (SP) deste ano. Já As hipermulheres disputou em Gramado (RS), onde venceu prêmio especial de júri e levou troféu por montagem. Há quem acredite que a sensação de déjà- vu pode enfraquecer nacionalmente o prestígio do festival brasiliense. Enquanto isso, os organizadores propagam o contrário disso: o objetivo, segundo eles, é trazer para a cidade o ;melhor da produção nacional;.

;Entendo, pessoalmente, que festivais da importância de Brasília e de Gramado deveriam manter a função de lançadores de filmes;, observa Luiz Zanin, presidente da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). ;Tenho falado com vários colegas (da imprensa), e noto um desinteresse em cobrir o festival este ano. A estratégia de Brasília periga reduzir o interesse nacional pelo festival. É um grande risco, que pode ser fatal a longo prazo;, afirma. Críticos observam que o critério do ineditismo é adotado por grandes festivais internacionais, Cannes e Veneza, também como uma forma de atrair a atenção da mídia. Trabalhar cansa, aliás, deve estrear nos cinemas de São Paulo e do Rio durante o período do festival.

O cineasta Murilo Salles, que venceu prêmios em Brasília e Gramado com Nunca fomos tão felizes (1984), numa época em que o critério de privilegiar filmes inéditos não era levado em conta no Brasil, concorda que as alterações na estrutura da mostra podem trazer consequências negativas. ;Certamente, o Festival de Brasília perde. É óbvio e é uma pena;, afirma. ;Acho que a questão da qualidade de filmes poderia ser resolvida se houvesse um cachê para todos os longas selecionados, como um pagamento por aluguel de cópia. Isso atrairia os produtores, que são, em geral, muito maltratados pelos festivais;, sugere.

Poderio dividido
Para Nilson Rodrigues, coordenador do festival, o cenário é outro: em 2011, Brasília voltou a ter o poderio que perdeu nas edições mais recentes. ;Tivemos 600 inscrições e voltamos a ter relevância nacional. O festival está sendo mais comentado;, afirma. ;Prefiro ter filmes de qualidade no Festival de Brasília, mesmo que tenham competido antes, do que ter os que sobraram para a cidade. Os filmes que estavam entrando em Brasília eram o restolho não selecionado em outros festivais;, afirma. Não é uma afirmação totalmente verdadeira, no entanto: em 2010, os diretores Felipe Bragança e Marina Meliande guardaram o longa A alegria, exibido em Cannes, para a seleção da capital. E títulos elogiados, como Baixio das bestas, É proibido fumar, Amarelo manga, Cleópatra e Peões, foram exibidos aqui pela primeira vez.

As opções da Secretaria de Cultura, no entanto, encontram apoio em diretores como Silvio Tendler (que venceu na cidade o prêmio de júri popular por Glauber o filme, labirinto do Brasil, de 2003), que divulgou uma nota à imprensa favorável à nova fase de Brasília. ;Abrir mão do ineditismo dará novo vigor ao festival. A política de selecionar somente filmes inéditos é extremamente prejudicial, aos filmes, ao cinema e ao festival;, escreveu. Pelas novas regras de Brasília, apenas as produções que estrearam em circuito ou venceram prêmio de melhor filme em outros festivais não podem concorrer.

Em Paulínia, diretores como Claúdio Assis (de Amarelo manga) e Eryk Rocha (Transeunte) comentaram a polêmica. ;Mais do que o filme inédito, o que vale é o conceito de curadoria;, observou Eryk. No que Assis reiterou: ;Acho interessante a queda da obrigatoriedade do ineditismo. O público de Paulínia não é o mesmo de Brasília;. Os debates sobre a questão, no entanto, não estão encerrados. A Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo (ABCV) anunciou que vai promover um fórum durante o festival para concentrar o falatório sobre a mostra. ;Esta edição será uma experiência nova para todo mundo;, prevê João Paulo Procópio, presidente da ABCV.

Boas novas
Transformações não menos importantes no perfil do evento foram recebidas sem tantas discordâncias. São raras as discussões sobre a antecipação da data do festival (que ocorria em novembro), a inclusão do digital nas mostras principais e o aumento do prêmio para melhor longa (de R$ 80 mil para R$ 250 mil). As inovações, na opinião de quem defende ou rejeita o ineditismo, devem fortalecer o apelo do evento. ;A adequação da data, para antes do Festival do Rio e logo depois de Gramado, é perfeita. Aumentam as opções de filmes para Brasília;, diz Murilo Salles.

Zanin, da Abraccine, está de acordo com o cineasta. ;Acho que antecipação da data pode ser até positivo para as edições vindouras. Brasília ficava no fim do ano e ficava refém de filmes inscritos em vários festivais;, afirma. A era digital, por sinal, promete chegar com imponência: serão quatro longas no formato, contra três em película. Mas, se as melhorias tecnológicas eram cobrança antiga, o suspense diz respeito ao impacto dessas e de outras novidades na recepção do festival. ;Gramado cresceu muito este ano, Paulínia também. Brasília tem de se manter. É um momento que exige calma e discussão;, comenta Procópio. Um desfecho, portanto, ainda em aberto.


Na competição
; As hipermulheres, de Carlos Fausto, Leonardo Sette e Takumã Kuikuro, RJ/PE**
; Hoje, de Tata Amaral, SP
; Meu país, de André Ristum, SP*
; O homem que não dormia, de Edgard Navarro, BA
; Trabalhar cansa, de Juliana Rojas e Marco Dutra, SP*
; Vou rifar meu coração, de Ana Rieper, RJ

* Exibido em Paulínia
** Exibido em Gramado

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