Diversão e Arte

Na disputa entre vizinhança e casas noturnas, quem perde são os músicos

Irlam Rocha Lima
postado em 18/08/2011 08:26

Brasília, nos anos 1980 fervia; chegou a ser conhecida como a capital brasileira do rock. Mais que isso, a partir daquela década transformou-se num autêntico celeiro de grandes intérpretes, de músicos talentosos e de elogiados compositores. Nunca é demais repetir que daqui saíram, para brilhar no Brasil e até no exterior, artistas como Renato Russo, Dinho Ouro Preto, Herbert Vianna, Alexandre Carlo, Hamilton de Holanda, Jorge Helder, Cássia Eller, Zélia Duncan, Rosa Passos, Dhi Ribeiro, Zé Mulato & Cassiano, Pedro Paulo & Matheus. Só para citar alguns.

Praticamente, todos eles passaram pelos palcos de casas noturnas da cidade antes de alcançarem a fama e o sucesso. O memorável Bom Demais, que existiu na 706 Norte, foi onde Cássia Eller moldou a estrela da música brasileira que seria mais tarde. No mesmo local, Renato Russo dava ;canjas; em madrugadas inesquecíveis, cantando Beatles.

Zélia Duncan (à época Zélia Cristina) era a atração no Barzinho, que funcionava onde hoje existe o Deck Brasil, na QI 11 do Lago Sul. Rosa Passos não esconde de ninguém que no extinto Amigos, na 105 Norte, aprendeu as ;manhas; do palco. Embora a ;escola; de Hamilton de Holanda tenha sido o Clube do Choro, o bandolinista tocou em vários bares da Asa Norte. Já Dhi Ribeiro, nossa pérola negra do samba, foi descoberta pela poderosa gravadora Universal, soltando a voz no Feitiço Mineiro, na 306 Norte.

Qualidade
Nessa parte da cidade, sempre houve uma concentração maior de bares e restaurantes que acolheram bons instrumentistas e cantores. Dois desses espaços gastronômicos culturais, o Senhoritas Café e o Café da Rua 8, instalados na 408 Norte, têm frequentado o noticiário não por oferecerem música de qualidade aos seus fregueses, mas por serem alvo de denúncias da vizinhança contra o ;ruído; provocado pelas noites musicais. Por conta disso, o Instituto Brasília Ambiental (Ibram) vem agindo com rigor.

Ambos já foram autuados, multados e lacrados pelo órgão do Governo do Distrito Federal. O problema é que nessa queda de braço entre o Ibram e a vizinhança (de um lado) e os proprietários das casas noturnas (do outro), quem sai perdendo são os músicos e os frequentadores desses estabelecimentos. Um acordo, ao que parece, ainda está distante.

Em artigo publicado no Correio, no último dia 1;, sob o título Música não é barulho e silêncio também é saudável, Sérgio Lorran Figueiredo, integrante do Movimento de Revitalização da Música de Brasília, afirma: ;O silêncio é saudável, mas o lazer, a cultura da música, também sara a alma depressiva, eleva os níveis de bem-estar, incentiva o intelecto, estimula a inteligência emocional, transporta nossa mente para outros sonhos, amaciando a inteligência e aumentando a gentileza entre as pessoas (;).;

Lorran acha que ;está na hora das soluções inteligentes;. O músico vê a inexistência de uma política focada nesta questão; e sugere o incentivo financeiro ;para isolamento acústico dos estabelecimentos que promovam a cultura;. De acordo com ele, ;faltam condições de descanso lícito do cidadão que precisa do merecido sono dos deuses. Falta o caminho do meio;.

Cidade viva
Cantora, cavaquinista e flautista, Helena Pinheiro ; parceira do mestre Elton Medeiros ; entende que, no momento, Brasília vive uma crise de identidade. ;Há quem a queira uma cidade viva, pulsante, com seu caldo cultural efervescente; mas há quem a prefira uma cidade burocrática, sem nenhum viço. Querem impedir os cantores de soltar a voz e os músicos de tirar acordes dos seus instrumentos.;

Percussionista do grupo de samba Adora-Roda, Guto Martins vê os espaços para música ao vivo na capital se tornarem ainda mais escassos. ;É necessário uma legislação que respeite e valorize as manifestações culturais.; A sambista Kris Pereira vai além: ;Mais uma vez, o artista acaba pagando pela dificuldade que a sociedade tem de discutir uma questão tão importante como a do lazer e entretenimento. A discussão se torna menor, quando o foco é o ruído provocado pela música, em lugares com clara preocupação de propagar um bem cultural como a música;.

Indignado, Régis Torres, que tem na música o seu ganha-pão, questiona, em texto enviado ao Correio: ;Quando foi que nós erramos? Há 15 anos, os vizinhos agradeciam a nós no dia seguinte, por terem dormido ao som de nossa música. Hoje, jazz e chorinho viraram poluição sonora;.

Problema para quem mora ao lado

O casal de aposentados Joacir Gomes de Oliveira, 73 anos, e Laura Andrade Guimarães de Oliveira, 68 anos, mora no Bloco E da 408 Norte há mais de 40 anos. Quando mudaram para lá, já existiam alguns bares. A convivência sempre foi pacífica até que, de seis anos para cá, os estabelecimentos se multiplicaram, chegando aos atuais 14. ;Nós não temos mais sossego. Os estacionamentos ficam lotados com os carros dos clientes, as calçadas ficam tomadas por mesas e cadeiras. Além disso, nossos imóveis estão sendo desvalorizados por conta de tanta bagunça;, comenta Joacir.

Para Laura, o problema está na clientela do local. ;Aqui, virou uma terra de ninguém. À noite, não dormimos com a barulheira das pessoas debaixo do bloco;, completa Laura.

Daniela Nogueira de Freitas, 36 anos, acha que o problema está nos artistas que tocam nas calçadas e fazem tremer todas as janelas do seu apartamento, também no Bloco E. ;Tenho que acordar às 6h para trabalhar. Às vezes, vou para a casa de parentes dormir, porque os bares não deixam;, relata. ;Não somos contra os bares. Só queremos que eles nos respeitem. Tanto que, há algum tempo, um juiz determinou que eles colocassem isolamento acústico, que obviamente não foi feito.;

Mas para Renato Fino, proprietário de um dos bares da 408 Norte, que foi lacrado duas vezes este ano pelo Instituto Brasília Ambiental (Ibram), o estabelecimento está amparado pela legalidade. ;O meu alvará é assinado inclusive pelo Ibram, e permite a execução de música ao vivo;, ressalta o empresário. De acordo com ele, que reabriu o comércio na última quarta-feira, as apresentações artísticas seguem os padrões de propagação sonora determinados pela legislação vigente e que as reclamações são injustificadas. ;A nossa vocação é divulgar a cultura. Se eles nos fecham, Brasília ficará sem mais um lugar para isso. A gente faz um trabalho sério, divulga a música e eles acham que é barulho;, reclama.

Alvarás
Porém, de acordo com o diretor de Fiscalização do Ibram, Aldo César Fernandes, com a sanção da Lei n; 4.092/2008, ;os alvarás emitidos para estabelecimentos que produzam música ao vivo e/ou mecânica devem exigir o isolamento acústico do local. Os alvarás emitidos anteriormente devem ser adequados;.

Aldo César destaca ainda que o instituto está aberto a participar das discussões na busca por soluções que contemplem o bem-estar de todos dentro da legalidade. ;Brevemente, estaremos realizando um fórum setorial sobre poluição sonora em que todos os envolvidos serão chamados a discutir e expor as questões relevantes que possam contribuir com o futuro decreto que vai regulamentar a Lei n; 4.092/2008. Existem diversos exemplos de estabelecimentos que foram autuados e, após a colocação do revestimento acústico, funcionam sem causar nenhum transtorno.;

Leia trechos da entrevista com o diretor do Ibram, Aldo César:


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Com relação a música ao vivo em bares do Plano Piloto, como funciona a fiscalização?

Ao recebermos alguma reclamação (denúncias feitas através da Ouvidoria do GDF, requisições do Ministério Público, mandados da Justiça, abaixo-assinados, ofícios de outros órgãos, etc.) nossa equipe apura ; dentro de uma programação fiscal semanal que engloba não só o Plano Piloto mas todo o D.F.. Existem também trabalhos em conjunto com a Seops (Secretaria de Ordem Pública e Social) para atendimento das demandas também recebidas por eles.

Ela é periódica ou atua somente com denúncias?

Como nossa equipe dedicada à poluição sonora é reduzida, atuamos no momento apenas com as demandas citadas acima dentro de uma rotina de fiscalização por região administrativa. Até o final do ano, com a chegada de novos auditores fiscais de controle ambiental (concurso já realizado) passaremos a atuar também através de forma periódica realizando monitoramento. Agora se o número de denúncias recebidas relativas a algum estabelecimento é elevado, priorizamos o atendimento pois significa que o número de pessoas atingidas pelo problema é maior.

Quais os limites padrões de sonoridade, ou quais os critérios usados pelos fiscais para lacrarem ou multarem o estabelecimento que oferece música ao vivo?

Critérios de avaliação para ambientes externos:

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Tipo de área

Diruno

Noturno

Área de sítios e fazendas

40dB (A)

35dB (A)

Área estritamente residencial urbana ou de hospitais, escolas e bibliotecas

50dB (A)

45dB (A)

Área mista, predominantemente residencial e de hotéis

55dB (A)

50dB (A)

Área mista com vocação para comercial, administrativa ou institucional

60dB (A)

55dB (A)

Área mista com vocação recreativa

65dB (A)

55dB (A)

Área predominantemente industrial

70dB (A)

60dB (A)

Critérios de avaliação para ambientes internos:

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Tipo de área

Diruno

Noturno

Área de sítios e fazendas

30dB (A)

25dB (A)

Área estritamente residencial urbana ou de hospitais, escolas e bibliotecas

40dB (A)

35dB (A)

Área mista, predominantemente residencial e de hotéis

45dB (A)

40dB (A)

Área mista com vocação para comercial, administrativa ou institucional

50dB (A)

45dB (A)

Área mista com vocação recreativa

55dB (A)

45dB (A)

Área predominantemente industrial

60dB (A)

50dB (A)

Como o comerciante pode ser autuado? Ele pode reincidir quantas vezes ele quiser?
Nosso critério de autuação para o estabelecimento que emite ruído acima do permitido compreende três fases: na primeira vez o estabelecimento é ADVERTIDO, com ou sem multa, para se adequar ao que determina a Lei n; 4.092/2008 ( Lei da Poluição Sonora ). Caso o problema persista retornamos ao local e INTERDITAMOS apenas a emissão sonora, com ou sem multa. Caso o comerciante ainda incorra no descumprimento mais uma vez vamos para a terceira e última autuação que é a INTERDIÇÃO TOTAL do estabelecimento com multa que pode chegar a R$ 20.000,00. O ideal é que o comerciante não reincida desde a primeira autuação administrativa, mas caso ele desobedeça a terceira autuação já irá responder na esfera criminal por desobediência a determinação do poder público.


O IBRAM não pensa que, ao fechar estabelecimentos divulgadores de cultura, ele pode estar acabando com a produção cultural da cidade e desestimulando os artistas, que têm menos lugares para se apresentarem?

Uma leitura rápida da Agenda Cultural publicada diariamente pelo Correio Braziliense a partir do dia 16/07/2011, dia em que ocorreu o fechamento dos dois bares na 408 Norte, mostra que a produção cultural da cidade não parou. Shows foram realizados, peças de teatro foram realizadas, boates funcionaram, bares com música ao vivo abriram, circos se apresentaram, feiras ocorreram, ou seja, será que a cultura da cidade se resume aos dois estabelecimentos fechados ? Esta idéia que se tentou vender do "monstro IBRAM contra a cultura" é errada. Zelamos pelo cumprimento de uma lei que preza pelo bem estar das pessoas e este bem estar pode ser conseguir dormir, ler, conversar ou ver TV no silêncio de seu lar. Agora, este bem estar pode ser também ouvir um bom músico tocar enquanto se beberica alguma coisa. O importante é que todos estejam bem e para isso é necessário o consenso de todos e conscientização dos empresários da noite. Embora a lei permita, nunca fizemos uma única apreensão de qualquer instrumento musical de algum músico pois conhecemos as dificuldade da profissão. Como podemos ser contra os artistas?


O IBRAM estará sempre aberto a participar das discussões na busca das soluções que contemplem o bem estar de todos dentro da legalidade. Não vamos fugir do debate. Brevemente estaremos realizando um Fórum Setorial sobre poluição sonora onde todos os envolvidos serão chamados a discutir e expor as questões relevantes que possam contribuir com o futuro decreto que vai regulamentar a Lei n; 4.092/2008. Existem diversos exemplos de estabelecimentos que foram autuados e após colocação do revestimento acústico hoje funcionam sem causar nenhum transtorno.


Gostaria de encerrar esclarecendo que a Lei n; 4.092/2008 trata de todos os tipos potenciais de poluição sonora ( sirenes, obras, carros de som,etc. ) e não somente daquela gerada por bares e restaurantes. Há cerca de dois anos, por exemplo, estávamos fazendo medições próximas ao aeroporto para detectar os ruídos gerados pelas aeronaves sobre o Lago Sul e o SMPW.

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