;Desde o começo, assumi um compromisso: o de fazer da arte um instrumento para ajudar os menos favorecidos. Nestes 36 anos, cantei pelas minorias: índios, mulheres, negros; Deus determinou que eu trilhasse o caminho da música, então, falei que usaria esse dom para lutar. Sei que sou uma artista consciente, engajada e, por causa, disso tive muitos problemas com a mídia deste país. Fiquei cinco anos sem gravadora. Muitos programas não me convidam e eu sei por que. O racismo existe;, diz Leci Brandão, conhecida pelo engajamento nas questões raciais e socais. E, exatamente pela postura militante, a cantora é uma das atrações da festa de encerramento do 23; aniversário da Fundação Palmares, hoje, às 20h, no Teatro Nacional.
No palco da Sala Villa-Lobos, ela faz um tributo à cultura negra, com composições de Cartola, Candeia, Martinho da Vila, Djavan, Milton Nascimento, Dona Ivone Lara e Jovelina Pérola Negra e canta sucessos consagrados, como Olodum, Força divina, Deus do fogo da justiça, Isso é Fundo de Quintal, Zé do Caroço e Eu só quero te namorar. ;O público não me perdoará se eu não cantar essas;, brinca a artista.
Sem um novo trabalho desde 2008, quando lançou Eu e o samba ; e ganhou o 20; Prêmio de Música Brasileira como melhor cantora de samba ;, Leci pretende gravar um DVD ainda neste ano, quando houver uma brecha na agenda política. Deputada por São Paulo, ela não deixou a música de lado e explica a importância dos novos compromissos: ;Hoje, a minha prioridade é a Assembleia (Legislativa). Eu sempre levei tudo a sério na minha vida e, quando não estou no parlamento e há oportunidade, aí sim estou nos palcos. Costumo dizer que eu sou artista, mas estou deputada;.
Gog e Abdias
Compositor do famoso rap Brasil com P, Gog completa a programação e aproveita o evento para mostrar as músicas do 10; disco, previsto para novembro (mês da Consciência Negra). O novo álbum será lançado em Brasília e segue em turnê para o Nordeste. Entre as inéditas, África tática, Papo com Cartola, Heroínas e heróis, O grande dia e Novos ventos, que terão as participações especiais de Máximo Mansur, Higo Melo e Marielhe Borges.
Na noite, haverá ainda uma homenagem ao mestre Abdias do Nascimento. ;É muita responsabilidade participar de um evento que homenageará Abdias Nascimento, que sempre foi um exemplo. Ele está no topo da escada do conhecimento. Estamos na metade e é muito bom ver que estamos nos aproximando da sabedoria do mestre;, comenta o rapper Gog sobre a entrega do Troféu Palmares à viúva do criador do Teatro Experimental do Negro (TEN), Elisa Larkim.
23; ANIVERSÁRIO DA FUNDAÇÃO PALMARES
Hoje, a partir das 20h, na Sala Villa-Lobos (Teatro Nacional, Setor Cultural Norte; 3325-6239 e 3325-6256). Shows com a cantora Leci Brandão e o rapper Gog. Entrada franca (os ingressos podem ser retirados no Foyer do Teatro Nacional; apenas dois por pessoa). Classificação indicativa livre.
CULTURA X MISÉRIA
O Seminário Nacional ; A cultura como veículo de erradicação da miséria também faz parte da programação do aniversário da Fundação Palmares. De terça até hoje, no St. Peter Hotel (Setor Hoteleiro Sul), o evento promove debates sobre a contribuição da cultura afro-brasileira na erradicação da pobreza. As inscrições gratuitas foram abertas na semana passada e encerradas em dois dias.
Leci Brandão, mulher do samba
Nascida em Madureira, reduto portelense, e criada na Vila Isabel, de Noel Rosa, Leci Brandão fez fama com as cores da Mangueira. Em 1974, tonou-se a primeira mulher a participar da ala de compositores da verde e rosa, o mesmo ano de lançamento do primeiro disco, o compacto duplo Antes que eu volte a ser nada. Mas Leci já estava enveredada pelo caminho da música.
Em 1968, ganhou o primeiro lugar no programa de calouros A grande chance, de Flávio Rangel, na TV Tupi. Anos depois, venceu o Segundo encontro nacional de compositores de samba com Quero sim, composta com Darcy da Mangueira (Abram alas que eu quero passar e Yes, nós temos Braguinha).
Filha de servente de escola pública, a cantora sempre estudou no ensino oferecido pelo governo. Foi operária de fábrica, trabalhou na Companhia Telefônica do Rio De Janeiro, graduou-se em direito e hoje é deputada estadual pelo PC do B, em São Paulo. Conhecida por participar de movimentos ligados à raça negra, à defesa dos direitos humanos e ao sindicalismo, ela traz na história pessoal o peso do racismo. Quando criança, ganhou um concurso escolar de redação, porém não levou o prêmio. O motivo: discriminação por ser filha da servente. ;Claro que já fui vítima do racismo. Não só quando pequena. Eu tinha o diploma, mas não conseguia emprego. E isso acontecia por causa da cor da minha pele;, pontua.
Sempre fiel às suas convicções, Leci rescindiu, em 1981, o contrato com Polygram. A gravadora não aceitou as composições com temas sociais, entre elas, a marcante Zé do Caroço. Os cinco anos sem gravadora não calaram a artista, que fez shows na Europa, Ásia e África. Com 36 anos de carreira e 22 discos gravados, Leci Brandão é a voz da luta social na música popular brasileira.
Veja vídeo da música Perdoa, de Leci Brandão:
Assista vídeo da música O Amor Venceu a Guerra, do rapper Gog: