Nahima Maciel
postado em 20/08/2011 12:11
Fernando Morais ouviu falar dos espiões cubanos presos em Miami em setembro de 1998. Encurralado num congestionamento dentro de um táxi em São Paulo, levou um susto com a notinha lida no meio da enxurrada de notícias internacionais: ;Em Miami, o FBI prendeu 10 agentes cubanos infiltrados em organizações de extrema direita;. O escritor e jornalista imediatamente imaginou o livro. O descaso com as notícias referentes à América Latina em boa parte da imprensa brasileira impediu a repercussão da nota, mas Morais não comeu mosca. Procurou as autoridades cubanas e manifestou a intenção de escrever o livro. ;Me disseram: ;tira o cavalo da chuva porque é informação sensível, nem pensar, desista;.; Em 2005, durante a Bienal do Livro de Havana, as mesmas autoridades liberaram o escritor para mergulhar nos arquivos da Rede Vespa, ação que infiltrou 15 agentes cubanos em organizações anticastristas da Flórida. Os últimos soldados da Guerra Fria começava a tomar forma, mas Morais ainda precisaria se desvencilhar do trabalho iniciado para escrever O mago, a biografia de Paulo Coelho, antes de se dedicar aos espiões.Foram necessários dois anos de pesquisa, centenas de entrevistas e mais de 20 viagens entre Cuba e Estados Unidos antes de sentar para escrever o livro, que é certamente o mais quente de toda a carreira de Fernando Morais. A história tem momentos cinematográficos, embora eles em nada lembrem as peripécias luxuosas de James Bond, cronologia espantosamente recente e um final ainda em suspense.
No final de 1990, um piloto cubano aterrissou na base aérea naval de Boca Chica (Flórida) em um Antonov amarelo e alegou ser desertor do regime de Fidel Castro. Foi bem recebido. Autorizado a permanecer em solo norte-americano, se aproximou de organizações anticastristas formadas pelos ricaços que fugiram de Cuba nos primeiros anos da Revolução. Dois anos depois, um major das Forças Armadas Revolucionárias nadou durante sete horas até a prisão de Guantánamo e pediu asilo político aos Estados Unidos. De novo, a mesma história: o militar se dizia um desertor.
Histórias menos espetaculares mas semelhantes envolveram outros 13 cubanos. Famílias e amigos deixados na ilha não tinham ideia da verdade: todos foram treinados na terra natal para espionar os cubanos de extrema direita na Flórida e evitar uma série de atentados terroristas praticados em Cuba durante a década de 1990. E eram muitos. Após a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética, o PIB da ilha caiu 75% da noite para o dia e a catástrofe parecia inevitável. O turismo ajudou a impedir o colapso e as praias cubanas se abriram ao mundo. Confiantes de que o fim da União Soviética representava também o fim de Fidel, os anticastristas da Flórida ficaram enraivecidos e organizações mais radicais, como a Fundação Nacional Cubano-Americana, passaram a organizar atentados terroristas realizados por mercenários contratados na América Central. O alvo: o turismo.
Dossiê
Apesar de saber das operações, o governo norte-americano nada fazia. Em 1998, Fidel decidiu organizar a primeira aproximação dos Estados Unidos de caráter não defensiva desde a Revolução. Confiou ao escritor e Nobel de Literatura Gabriel García Marquez a missão de colocar nas mãos de Bill Clinton, então presidente, uma carta e um dossiê nos quais detalhava as ações das organizações da Flórida. No mesmo ano, o Federal Bureau of Investigation (FBI) desmantelou a Rede Vespa.
Três agentes conseguiram fugir, cinco fizeram acordo de delação e permanecem escondidos por uma rede de proteção às testemunhas e outros cinco estão em prisões federais de segurança máxima nos Estados Unidos. Em Cuba, dois mercenários também foram encarcerados e um deles acabou condenado à pena de morte, depois comutada para 30 anos de prisão. Morais entrevistou os cinco agentes detidos nos EUA, um dos mercenários, integrantes do FBI e dezenas de anticastristas na Flórida. A maioria ainda está viva. ;Há uma expectativa que, se o (Barack) Obama for reeleito, ele indulte os presos ou faça uma troca com os norte-americanos encarcerados em Cuba. É uma coisa que está quente. Em geral escrevo sobre defuntos. Dessa vez escrevo não só sobre gente viva, mas sobre acontecimentos atuais;, avalia Morais, que recebeu adiantamento da Companhia das Letras para fazer o livro e vendeu os direitos para o cinema antes mesmo de escrever. ;É um livro caro, são muitas viagens, hotéis, restaurantes.; É também um livro sobre a história recente das relações entre Cuba e Estados Unidos, tema raramente explorado com tanta riqueza de detalhes e posicionamentos de ambos os lados tanto na literatura quanto no jornalismo contemporâneo.
CB -Os atentados aconteceram na década de 1990, exatamente quandoa ilha se abriu para o turismo e centenas de estrangeiros, inclusive brasileiros, visitaram Cuba.Eram bombas explodindo em hotéis. Por que não ouvíamos falar dessas ações?
Primeiro que a imprensa brasileira, salvo exceções, dá importância muito pequena a informações latino-americanas. Fiz pesquisas nos jornais brasileiros dias depois das explosões de cada bomba. Só encontrei notinhas minúsculas, quando tinha, no pé de página, no fim do noticiário internacional. E sempre 10, 15 dias depois do acontecimento. Os cubanos tentavam manter isso censurado porque a função do terrorismo é propaganda. Eles achavam que divulgar os atentados era fazer o jogo dos terroristas. O sujeito que contratava os mercenários dizia que, se não tivesse propaganda, não tinha pagamento. Agora, é impossível esconder isso num país que recebe turistas do mundo inteiro. Os estrangeiros contavam para os jornalistas. Havia correspondentes em Havana. Por mais que se esforçassem para manter em segredo os atentados, acabava vazando. Mas não tinham repercussão entre nós. Só nos Estados Unidos.
CB- Qual a situação hoje das organizações anticastristas na Flórida? Continuam atuantes?
Não. Depois que os mercenários foram apanhados e condenados à morte, diminuiu muito o ímpeto dos radicais da comunidade cubana. Depois tem um outro aspecto: os jovens que vieram de Cuba logo após a Revolução estão velhinhos. A nova geração está mais preocupada em ouvir salsa que em colocar bomba. Tanto que agora, enquanto falamos, há uma polêmica na Flórida: o Pablo Milanês foi fazer um espetáculo e houve um verdadeiro choque dentro da comunidade. Os jovens queriam ir e os velhinhos diziam que não podia porque o cara era um propagandista da Revolução. A geração mais jovem não está interessada em bomba. Até porque a Revolução não doeu no bolso deles. Quem perdeu usina de açúcar, banco e indústria de bebida está morrendo.
CB - No livro, os Estados Unidos aparecem como uma nação que encobre o terrorismo. Ou, pelo menos, acobertou. Que tipo de impacto você acha que isso pode ter hoje, em uma década em que a bandeira militar americana é justamente a luta contra o terrorismo?
É uma coisa curiosa. No documento escrito pelo Fidel para Bill Clinton há um ponto em que ele fala de um negócio profético: se os Estados Unidos permitirem a desenvoltura de grupos terroristas em território americano, isso pode se virar contra o próprio país. É um risco que o governo americano está correndo. E me chama atenção o seguinte: todos os executores dos atentados de 11 de setembro aprenderam a pilotar aviões na Flórida. E lá não tem comunidade árabe, só hispânica. Outra coisa: no julgamento dos cubanos os advogados de defesa diziam, já depois do 11 de setembro, que o que os réus faziam nos Estados Unidos é o mesmo que a CIA está fazendo no Afeganistão. Ou seja: procurar prevenir atentados contra os Estados Unidos.