Diversão e Arte

O cinema chileno perdeu o seu realizador de maior prestígio, Raúl Ruiz

postado em 20/08/2011 12:27
O cinema chileno perdeu o seu realizador de maior prestígio. Morreu ontem em Paris, aos 70 anos, Raúl Ruiz, de infecção pulmonar. Nos últimos anos, o cineasta lutava contra um câncer de pulmão e estava internado por causa do tratamento. Ruiz nasceu em 1941, na cidade de Puerto Montt. Iniciou a carreira artística, na juventude, como dramaturgo de teatro de vanguarda em seu país. Mais tarde, no México, foi redator de telenovelas. Estudou cinema na Universidade Católica de Santa Fé, na Argentina. No fim do curso de graduação, concluiu o filme Três tigres tristes (1968), vencedor do Leopardo de Ouro do Festival Internacional de Cinema de Locarno (Suíça) no mesmo ano.

Nos anos seguintes, notabilizou-se como diretor engajado, de forte militância socialista. Trabalhou como conselheiro cinematográfico do governo do presidente Salvador Allende e foi uma das vítimas do golpe militar que levou à ascensão da ditadura do general Augusto Pinochet. Exilou-se em Paris durante os anos 1970, e produziu a maior parte dos filmes na Europa.

Durante as filmagens do último projeto concluído, Mistérios de Lisboa (2011), Ruiz teve de lidar com as consequências do câncer de pulmão. ;Isso adicionou um pouco mais de drama, eu acho. As filmagens corriam bem, eu estava de bom humor, mas às vezes;.; , declarou sobre a doença ao The New York Times. Na mesma entrevista, contou que as constantes internações no hospital o deixavam em ;estado de suspensão;. Assinou cerca de 90 filmes entre ficção, documentário, curtas e longa-metragens. Dois estavam em produção: La noche de enfrente e As linhas de Torres.

Em uma das palestras que lecionou, intitulada Cinema as clandestine voyage, Ruiz comparou os filmes com entidades: ;Eles estão entre nós. Nos seduzindo, nos observando como se fossem extraterrestres ou deuses. Eles desaparecem de uma hora para outra sem nos dar a chance de compreender de que tipo de máquina ou fenômeno natural eram feitos;.

Em descompasso

A paixão por adaptações literárias e por narrativas com algo de folhetim, com reviravoltas e amores intensos, fez de Ruiz um autor em descompasso com boa parte do cinema produzido entre os anos 1990 e 2000. Mas foi nesse período que o cineasta se tornou um convidado frequente em festivais internacionais como Cannes (onde concorreu quatro vezes, de 1992 a 2003) e Veneza (onde exibiu Crônica da inocência, em 2000). Na Mostra de SP, venceu dois prêmios da crítica: por Três vidas e uma só morte, em 1996, e Mistérios de Lisboa, no ano passado. ;Ele fez filmes da forma como um romancista do século 19 faria, sem a ansiedade que muitas vezes marca o temperamento contemporâneo;, escreveu o crítico A.O. Scott, no The New York Times.

Das experiências radicais dos anos 1970, quando assinou obras delirantes como A hipótese do quadro roubado (1979), às sutilezas de Mistérios de Lisboa, Ruiz se aventurou no cinema com a curiosidade de um eterno forasteiro. A variedade de idiomas e gêneros numa filmografia extensa é apenas um dos sintomas de vigor que o diretor exibia, ainda que quase sempre para um público reduzido ; raros foram os longas que chegaram ao circuito brasileiro. Sem medo de trair obras-primas da literatura, ;traduziu; Proust (O tempo redescoberto, de 1999) e Camilo Castelo Branco (Mistérios de Lisboa) sem abandonar um estilo que entorta os limites entre memória e fantasia. Criou, a um só tempo, filmes elegantes, ainda que repletos de enigmas.

Os filmes


As três coroas do marinheiro (1982)

; Exibido em Cannes, o filme revelou o cineasta à crítica internacional. Inspirado no mito chileno do "navio da morte", flerta com o surrealismo.

Genealogias de um crime (1997)

; Neste suspense francês, com a atriz Catherine Deneuve e o ator Michel Piccoli, Ruiz combina Hitchcock, psicanálise e atmosfera de pesadelo. Competiu em Berlim.

O tempo redescoberto (1999)

; O projeto mais ambicioso da carreira do diretor mescla uma homenagem ao escritor Marcel Proust (1871-1922) a uma adaptação do último volume de Em busca do tempo perdido.

Crônica da inocência (2000)

; O fluxo livre entre lembrança, fato e sonho marca esta produção francesa com Isabelle Huppert sobre um menino que, misteriosamente, entra em conflito com a família ao procurar a ;mãe verdadeira;.

Mistérios de Lisboa (2011)

; Filmado para a tevê portuguesa, e com versão de 4h30 para o cinema, a adaptação do romance gigantesco de Camilo Castelo Branco combina o melhor da arte de Ruiz: os enigmas e a elegância.

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