A vida lida com variáveis. A mensagem está em todas as camadas de A árvore da vida, filme atualmente em cartaz na cidade. Na estreia durante o Festival de Cannes deste ano, o título dirigido pelo cineasta norte-americano Terence Malick deixou a crítica especializada perplexa diante de um objeto fílmico feito para suscitar questões existenciais. Em duas horas e vinte de projeção, a narrativa fragmentada mistura a relação perturbadora entre os membros da família O;Brien, moradores de subúrbio no interior do Texas durante a década de 1950 e acontecimentos que remontam à criação do Universo e ao desaparecimento dos dinossauros.
A fotografia impressionista, com a trilha sonora religiosa de Alexandre Desplat, suscita a sensação da presença do divino em cada um dos fotogramas do filme. Malick é filósofo de formação. Assinou a direção de apenas cinco longas-metragens em 40 anos de carreira. É também um sujeito recluso. De propósito, não deixou rastros indicando qual a melhor interpretação da obra divida em atos. A pedido do Correio, uma filósofa, dois teólogos e um logósofo analisaram a simbologia do filme.
Um filme em atos
Ato 1: um casal recebe a notícia da morte de um dos três filhos, provavelmente durante a guerra. A mãe (Jessica Chastain) assume atitude inconformada. Enquanto o pai (Brad Pitt) demonstra arrependimento. Um salto no tempo. Um arquiteto (vivido por Sean Penn, que sabemos ser um dos filhos do casal) é agora um homem de meia-idade lidando com questões existenciais e com a morte do irmão;
Ato 2: o Big Bang. A explosão dá origem ao Universo. Átomos se reúnem e possibilitam a origem da vida. E, consequentemente, a evolução das espécies. O filme assume clara posição cientificista sobre os fatores que possibilitaram a criação do mundo;
Ato 3: flashes da infância do arquiteto. A relação familiar é perturbadora. O pai é um músico frustrado. Rígido, controla a família com mão de ferro. A mãe é superprotetora e amorosa. Ao mesmo tempo, é submissa aos desmandos do marido violento.
Quatro análises da obra de Terence Malick
;O filme desperta inquietações que naturalmente sentimos sobre a origem da vida, do Universo, da criação. Esses pontos sempre chamaram a atenção do ser humano. Estão no conjunto de perguntas existenciais que nos fazemos. ;De onde vim?; ;Para onde vou?;. O foco está nas inquietudes do homem. Porém, o diretor localiza todas elas em uma família. Nós, seres humanos, diante de tantas perguntas e indagações, procuramos as respostas de diversas formas. O sucesso do filme é trazer inquietude. Mostrar que existem maneiras diferentes de enxergar as próprias circunstâncias da vida, a incapacidade humana de compreender os desígnios divinos. Esteticamente é muito bonito, retrata a infância com a beleza natural desse período. É melhor assistir mais de uma vez porque algumas coisas podem ser perdidas.;
José Márcio Corrêa, 55 anos, docente da Fundação Logosófica
;Existe a questão da origem, do destino e da educação familiar no filme. Há uma dicotomia entre a educação dada pela mãe e pelo pai. Se não há unidade na educação dos pais, isso gera filhos desequilibrados. O personagem sofre por causa dessa dicotomia. O pai é muito exigente e ele o odeia. Não queria se parecer com ele. O pai é materialista. A felicidade do Homem não está na posse dos bens materiais, vai bem além disso. A felicidade do Homem está em ser e não em ter. Na visão bíblica, as mulheres têm um papel efetivo, ativo na criação dos filhos. Na tradição judaico-cristã, o papel da mulher é muito forte. Não é o que ocorre no filme. A mãe é inteiramente submissa. Essa atitude servilista não é cristã. Além disso, para a religião cristã, a morte não é uma perda. Existe a saudade do ente querido. Mas, por meio da ressurreição de Cristo, acreditamos no reencontro definitivo. Acho que os temas poderiam ter sido tratados de uma maneira mais atrativas porque o filme é muito monótono.;
Padre Jorge Eldo, 50 anos, teólogo
;Não assista a A árvore da vida esperando fórmulas conhecidas dos filmes mais badalados. Acomode-se para participar de uma vida. Viver uma experiência abastecida por imagens, sons e questionamentos. O início já remonta à inquietude de Jó na resposta de Deus tentando colocá-lo em seu devido lugar: Onde você estava enquanto eu criava tudo? Trata-se de um delicioso convite à contemplação e à mística, dois elementos tão em falta no cristianismo de hoje. Infelizmente somos ensinados a perceber Deus como um poderoso solucionador de problemas e doador de coisas materiais (como um gênio da lâmpada). Seguir o caminho da graça e compreender a importância de estar vivo e viver essa vida com intensidade, da qual alegria ou tristeza fazem parte, é o que se compreende ao longo dessa bela história. É um desafio à Igreja oferecer um Deus que se faz presente em todos os momentos, e cada um deles é motivo de gratidão.;
Sandro Xavier, 41 anos, teólogo e pastor presbiteriano
;A imagem do deserto diz muito sobre o momento do protagonista (Sean Penn). É um personagem que se deixou guiar valores do momento histórico em que vivemos em que autoafirmação se dá pelo sucesso profissional. Isso pode ser muito vazio e árido, se fizermos uma analogia com a família toda. A mãe simboliza os valores mais elevados. O pai, valores externos. O irmão, a pureza. O pai dele muito claramente representa o malogro. Ele não conseguiu realizar tudo que sonhou e se frustrou. O arquiteto é bem-sucedido profissionalmente e se frustrou do mesmo jeito. Significa que não importa se você consegue realizar seus projetos profissionais ou se não consegue, esse sentimento sempre pode acontecer. O símbolo da árvore está em várias tradições. Representa bem a trajetória humana. As raízes estão fincadas no solo, nosso mundo físico. Enquanto o tronco é o mundo intermediário dos sonhos. E os galhos que tocam o céu, a parte elevada dos sonhos e ideais humanos. Essa é a síntese da vida, do Homem completo que consegue fazer uma ponte entre os três mundos.
Melissa Andrade, 33 anos, diretora da Nova Acrópole (Lago Sul)
Assista o trailer do filme A árvore da vida, de Terence Malick: