Diversão e Arte

Alex Cerveny apresenta peças de cerâmica e desenhos dos últimos 10 anos

Ricardo Daehn
postado em 25/08/2011 09:02
Chapéus e barbas, 2008, do paulistano Alex Cerveny, é uma das obras expostas em Playlist [Brasília]
Quem bate o olho no nome da primeira exposição individual do paulistano Alex Cerveny na capital, Playlist [Brasília], tem a ideia do vasto repertório em jogo: são três décadas de experiências, com técnicas que contemplam desenhos, pinturas e objetos. ;Caminho numa tradição muito narrativa. Para compreender as obras, as pessoas não precisam de intermediários ;, elas estabelecem contato direto com o meu trabalho;, afirma, aos 48 anos. Sem muito planejamento, a arte e o olhar de Cerveny derivam da ;capacidade de adaptação; herdada de currículo incomum: no começo dos anos 1980, quando ;ainda não era muito moda;, ele foi até contorcionista, sob a alcunha de Elvis Elástico, o Homem de Plástico.

Se cabe ao visitante da mostra, a ;recriação em novo sentido; para as peças, como aponta o crítico de arte Evandro Salles (que ainda detecta o compromisso de Cerveny com a ;tradição gráfica que a palavra desenho sintetiza e atualiza;), da parte do artista sobra a euforia. ;Expor é sair da situação de viagem solitária e entrar em evidência. É um momento mágico, ter a apreciação pública do meu trabalho;. Com exemplares criados nos últimos 10 anos, o artista ressalta que não se trata de material velho. ;Mesmo as obras mais antigas, ainda estão muito frescas na minha memória. Às vezes, demoro para executar, mas a produção vale pela atualidade representada;, comenta.

Filtrando informações cotidianas para o reflexo delas na arte (ao lado de outros temas como corpo, vida e mente), o pintor faz coro na poesia de Caetano Veloso que trata da ;dor; e da ;delícia de ser o que é;. ;Não adianta fingir: tento ir fundo no que sou;, diz, ao reforçar que percebe seus ;desenhos como sonhos; e que tenta, por vezes, um entendimento de si ;por um viés psicanalítico;. Daí, apesar do interesse da curadora Onice de Oliveira pelas peças em cerâmica colorida, o artista alerta para a importância dos seus desenhos. ;Eles representam a minha conexão extrema e instantânea entre o que está na minha cabeça e que é passado para o papel. Me sinto muito confortável com uma folha de papel na mão;, explica. A comodidade é tanta, que brotam obras como Deus incompreensivo, detida na representação de um massacre, cenário em que há identificação de uma divindade narcisista e mesquinha, da qual ;não se tem como esperar nada ou pedir pouco que seja;.

A mesma determinação ressaltada pela oportunidade com Playlist [Brasília] ; superado período de ;dificuldades, de introspecção e de dar meia-volta; ; se configura na abordagem das peças, muitas delas em pequenas dimensões. O tratamento é para assuntos amplos. ;Sempre tive interesse nas relações entre religião e arte. Gosto de representar Deus, como num exercício;, conta. A manifestação divina está em Deus bruto ; óleo sobre tela ;com um Deus violento, em meio a fogo, e que tem um cassetete à mão; ; e ainda na pintura a óleo Deus sive natura (A Fera na Selva). Na última, que expressa a mordida de uma onça no pé de um índio, há a manifestação de um desejo, numa referência ao conceito de fusão entre Deus e natureza que decorre das ideias filosóficas de Spinoza para o século 17. Chapéus e barbas, tela de 2008, também imprime leitura crítica que toca o abstrato plano de atuação de quatro profetas.

Amplo alcance
Nas produções de maior dimensão (com largura de 1,60m), caso das obras feitas com aquarela e têmpera, como Sherazade e História moldura, pesam tanto a economia de cores quanto representação de mitos associados à moldura ancestral. Além disso, Playlist [Brasília] ainda é composta por coloridas esferas em cerâmica escolhidas pela marchand Onice de Oliveira. Versado em gravura em metal (sob a orientação de Selma Daffré) e ex-aluno de desenho de Valdir Sarubbi, está na cidade ; depois de passagens pelos Estados Unidos, Holanda e Alemanha ; para desfilar a arte, por vezes, engajada.

Ilustrador frequente para jornais pautados pela política, o senso crítico é inerente ao artista. A aquarela Vaidades, fogueiras (criação dele) desperta o próprio comentário: ;Tem muito político, mesmo os do passado, que se queimam na fogueira das vaidades;. Distante dessa esfera, o desenhista é simples, despido de presunção. ;A arte, para mim, é o usar as mãos;, define.

Sherazade, 2009: trabalho feito com aquarela e têmpera

Playlist [Brasília]
De hoje a 18 de setembro. Galeria Referência (CasaPark, térreo, 3361-3501). De segunda a sábado, das 10h às 22h, e domingo, das 12h às 18h. Desenhos, pinturas e objetos de Alex Cerveny. Acesso e classificação indicativa livres.

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