postado em 26/08/2011 08:09
Já no comecinho do disco Nó na orelha, Criolo adverte: ;Quando uma pessoa lhe oferece o caminho mais curto, fique atento;.
Para quem conhece a história do rapper, impossível não notar algo de autobiográfico (e até de premonitório) nessas palavras. Porque foi pelo trajeto mais demorado ; uma trilha às vezes acidentada ; que o paulistano Kleber Cavalcante Gomes, 35 anos, chegou a um dos lançamentos mais elogiados (e menos previsíveis) de 2011.
No álbum novo, ele não se despede do rap ; mas visita o soul, o samba, a canção romântica e o bolero, entre outras paragens. ;É um disco de música;, define, em entrevista ao Correio. ;As pessoas têm liberdade de pensar sobre ele, de dialogar com o que está ali. Mas não vejo por que nomear;, explica.
Definir essa sonoridade, de fato, pode ser um perigo. Há o risco de cair na típica generalização da MPB ;eclética;, que se esforça para combinar chicletes e bananas. Não é o caso. As aventuras de Nó na orelha se desdobram com naturalidade, até porque já faziam parte do mundo de Criolo. Se o disco deve tomar de surpresa os fãs do artista ; que, em 2006, lançou o projeto ;de rap; Ainda há tempo ;, ele existia como que secretamente no cotidiano do rapper. Incentivado por amigos, o artista interpreta as canções que só as pessoas mais próximas conheciam. ;Componho canções e outras coisas há mais de 10 anos, mas pouca gente sabia;, conta. ;As pessoas que me acompanham sabem que faço minhas músicas com o coração;, afirma compositor, também conhecido como Criolo Doido.
A oportunidade de gravar Nó na orelha, ele explica, apareceu no momento em que havia se decidido a abandonar os palcos. ;São 20 anos de carreira, isso é bonito. Mas chega a hora em que você tem que agradecer e seguir. Fiz uma avaliação: a que ponto estou contribuindo? Tem tanta gente aí fazendo coisas especiais...;, lembra. Foi durante esse período de impasse, contudo, que ele recebeu o convite do espaço Matilha, centro cultural sem fins lucrativos, para entrar em estúdio. ;Seria o registro de algumas canções, elas ficariam para mim. Mas, no meio do processo, algo novo começou a acontecer. Apareceu toda uma energia, toda uma movimentação ao redor;, lembra. Em Brasília, ele apresenta o resultado pela primeira vez hoje à noite, no projeto Fanfarrita, no La Ursa (Setor Bancário Norte). No show, será acompanhado por um sexteto.
Vida de periferia
As gravações, coordenadas pelos produtores Marcelo Cabral e Daniel Ganjaman, acabaram por agregar mais de uma dezena de músicos ; feras como Guizado (que toca trompete), o violinista Luiz Gustavo Nascimento e os DJs Marco e Dan Dan. Se a sonoridade do rapper aparece mais flexível, generosa ; com um acabamento polido que cairá bem nas rádios de MPB ;, o discurso ainda reporta frontalmente o cotidiano da periferia, com todas as liberdades a que o rap sempre teve direito. ;Di Cavalcanti, Oiticica e Frida Kahlo têm o mesmo valor que a benzedeira do bairro;, nivela, em Sucrilhos.
Em tese, pode parecer um disco ambicioso, que quer demolir grandes preconceitos. Mas, sob a movimentação sonora de Nó na orelha, o que se descobre é um retrato quase doméstico do compositor, que remete à infância (a admiração pelos quadrinhos da Turma da Mônica aparece no ótimo samba Linha de frente) e ao ambiente onde vive desde então (uma das faixas atende por Grajauex). Dedica o disco aos pais, dona Maria e seu Cleon, casados há 38 anos. ;A minha história de vida está no disco;, avisa. ;Mas hoje continuo a mesma pessoa, pensando em música 25 horas por dia. Fiquei 20 anos jogando sementes, se Deus quiser vou passar mais 20 anos regando para que as próximas gerações colham;, promete. Não será caminho curto.
FUNFARRITA COM CRIOLO
Show do músico paulistano hoje, às 22h, no La Ursa (Setor Bancário Norte, quadra 2, bloco J). Participação dos DJs Ganjaman (SP), Lucho e Barki. Ingressos a R$ 20. Não recomendado para menores de 18 anos.