Diversão e Arte

Festival arrebata o público com peça de Shakespeare em versão de cordel

postado em 26/08/2011 08:38

Sua incelença, Ricardo III, da trupe potiguar Clowns de Shakespeare: aplausos na praça do Museu da República
Na última quarta-feira, a Praça do Museu Nacional da República virou o epicentro da agitação teatral de Brasília. Começou, na última terça-feira, a 12 edição do festival Cena Contemporânea, maratona com 33 espetáculos, em 10 espaços da cidade, com direito a cerca de 3 mil pessoas na plateia. Nas proximidades da Catedral, uma pequena arena foi delimitada por lâmpadas, e uma arquibancada foi erguida, para que os espectadores pudessem acompanhar a peça Sua incelença, Ricardo III, da trupe potiguar Clowns de Shakespeare. Em seguida, foi a vez de a cantora Rita Ribeiro animar os presentes. O festival já promoveu 16 encontros entre atores e a plateia. Até o fim desta edição, o público brasiliense ainda terá à disposição mais de 60 sessões teatrais.

Sob um céu estrelado e uma brisa leve, gente de todas as idades foi à praça do Museu acompanhar as peripécias da versão sertaneja do rei britânico Ricardo III, na produção escolhida para abrir a temporada de espetáculos.

Sobre três carroças, o grupo de Natal constrói a estética de uma realeza mambembe que, com forte sotaque da região, mistura cantigas nordestinas ao rock inglês. Os figurinos com toque medieval, a simplicidade do cenário e a preparação vocal dos atores empolgaram os presentes. Ao fim da tragédia bem-humorada, o grupo foi ovacionado de pé.

Antes de caminhar em direção ao palco montado para as atrações musicais do festival, muita gente preferiu continuar circulando pela arena, comentando os pontos altos da montagem. ;Esse pós-peça é um momento de confraternização e de mobilização artística. São duas semanas para pensar teatro;, afirma a atriz Elisa Carneiro, 23 anos. Os leigos no assunto também aproveitaram a oportunidade de conhecer a safra nova de produções teatrais.

Acompanhado dos amigos, o advogado Guilherme Pereira Ulhôa, 27 anos, aproveitou a programação do festival pela primeira vez, e gostou do que viu. ;A peça é excelente. Ótimos atores e trilha sonora. É uma mistura muito criativa de referências;, avalia. Para ele, um evento desse porte extrapola o caráter da difusão cultural. ;Essa festa toda movimenta o comércio e o turismo. Eu, por exemplo, trouxe um amigo de São Paulo;, afirma.

Multidão

Durante uma hora e meia, a cantora Rita Ribeiro desfiou clássicos de seu repertório para a multidão aglomerada diante da cúpula do museu, onde imagens de espetáculos do Cena Contemporânea foram projetadas durante toda a apresentação. Outro charme do show foi manter uma intérprete de língua brasileira de sinais (libras) na boca do palco, traduzindo as canções. No repertório, músicas conhecidas de seus fãs, como Há mulheres, É D;Oxum, Pensar em você, Lenha e Garçom.

Para o segundo dia da maratona, foram programados sete espetáculos, entre internacionais, brasileiros e produções de artistas da cidade. Um deles, Rá, do ator e diretor cearense Ricardo Guilherme, fazia dupla reverência a precursores do teatro de seu estado: os atores e diretores B. de Paiva, homenageado desta edição do Cena Contemporânea, e Waldemar Garcia. Os dois, por sinal, passaram boa parte da vida às turras.

Sentado em uma cadeira, maquiado, com a cabeleira branca solta sobre os ombros, e a voz gutural, o ator fez um relato de histórias ranzinzas e cômicas de Garcia, e de sua relação com B. de Paiva, que se mudou para Brasília e se tornou referência cultural na cidade. O formato, que se aproxima mais de uma leitura dramática do que de uma montagem teatral, tem bons momentos, mas acaba se revelando cansativo.

Primeiro trabalho do Teatro do Instante, a peça Pulsações ganhou sessão dupla na última quarta-feira, no Teatro Goldoni. Logo na chegada, o espectador recebe mimos: uma sapatilha para entrar no cenário branco, um copinho de chá e um tapa-olhos. Durante a primeira meia hora, a plateia, vendada, usufrui de uma experiência sensorial, que inclui sons difusos, toques, perfumes e sabores. Mais do que uma narrativa coerente, Pulsações oferece uma divagação aleatória, e repleta de estímulos, pela obra da escritora Clarice Lispector.

Homenagens
Ontem, após a sessão, o ator B. de Paiva foi homenageado por Guilherme Ricardo e pelo organizador do festival, Guilherme Reis. Convidado a subir no palco, ganhou um buquê de flores e contou algumas de suas histórias. B. de Paiva acredita que o tributo não deveria ser prestado a ele, mas sim à sua amiga Dulcina Moraes, cuja fundação ele dirige. ;Estou preocupado com o legado de Dulcina;, afirmou. Ele também rendeu homenagem a Paschoal Carlos Magno.

Novidades

; Os espetáculos Las tribulaciones de Virginia, Depois do filme, Que ruido tan triste hacen dos cuerpos cuando se aman, Camponesa e Cordel do amor sem fim já estão esgotados. Quem quiser ver a produção mexicana Amarillo deve correr para garantir as últimas entradas.

; O festival criou uma TV digital, com entrevistas diárias com artistas e criadores. Já está no ar um papo com a cantora Rita Ribeiro, responsável pelo show de abertura. Também é possível ver uma entrevista com com Kay Pérez, programador visual e diretor de iluminação do grupo mexicano Línea de Sombra, que trouxe ao Cena a peça Amarillo. No www.cenacontemporanea.com.br

Série de troca

II Encontro de Diretores de Teatro, de hoje a domingo, na Faculdade de Artes Dulcina de Moraes (SDS Conic- 3224-5369). Classificação indicativa livre. Entrada franca.

Aderbal Freire Filho: Quem tem medo de texto?
Em meio ao burburinho do Cena Contemporânea, festival de teatro que traz mais de 30 espetáculos para a cidade até 4 de setembro, uma categoria do universo cênico ganha atenção especial. Começa hoje a segunda edição do Encontro de Diretores, que, desta vez, tratará do texto no teatro. De hoje a domingo, cinco diretores consagrados participarão de oficinas abertas a profissionais da área de todo o país, em atividades que ainda incluem mesa-redonda, demonstrações de trabalho e lançamento de livro. Os cinco palestrantes são o carioca Aderbal Freire Filho (Teatro Poeira), a italiana Alessandra Vannucci, o paulista Sergio Carvalho, da Cia do Latão, o representante de Brasília André Amaro, do Teatro Caleidoscópio, e a fonoaudióloga Mônica Montenegro.

A organizadora é a inglesa Leo Sykes, que desde 1998 dirige o Circo Teatro Udigrudi, e, na edição anterior do encontro, em 2007, debateu o ofício do diretor de teatro. Nesta edição, o assunto texto veio à baila porque a organizadora acredita ser este um dos calcanhares de aquiles da produção cênica atual. ;Antigamente, o teatro era muito calcado no texto, mas durante as décadas de 1960 e 1970, isso foi rejeitado. As fronteiras entre as artes foram se borrando e outras tendências, como o audiovisual e a dança, tornaram o teatro cada vez mais imagético do que narrativo. Hoje, perdemos a técnica de trabalhar com o texto;, defende Leo.

De hoje a domingo, diretores de teatro de todos os cantos do país estarão em contato com seus pares, trocando experiências e discutindo variadas formas de fazer. Às 15h, o ator e diretor André Amaro lança o livro Avec Grotowski, de Peter Brook, editado por ele no Brasil. Todos os dias, haverá uma demonstração de trabalho de um dos cinco convidados. O gran finale será no domingo, com uma mesa-redonda que contará com a participação do quinteto de diretores e a mediação do coordenador do Cena Contemporânea, Guilherme Reis.

Um dos diretores mais cultuados do país, Aderbal Freire Filho vem a Brasília com Depois do filme, monólogo em que atua, dirige e assina a produção. ;Não existe uma fórmula para dirigir ou escrever uma peça de teatro. Mas é possível mostrar como algumas pessoas fazem. O acompanhamento e o desvendamento da prática podem aperfeiçoar o trabalho dos diretores;, acredita o convidado. Leitor voraz, Aderbal é atraído pela virtude literária dos textos teatrais. ;É muito simplificadora a diferença o entre teatro físico e o teatro do discurso. Em um período em que as fórmulas antigas estavam mortas, muita gente enveredou por um caminho de combater a palavra e descobriu a poética do corpo, questionando a palavra. Mas a pergunta que me restou foi a contrária: se no palco se pode tudo, por que não a palavra? Eu não recuso a palavra;, afirma ele.

Programação

Hoje
Das 9h às 13h

Oficinas com Sérgio de Carvalho e Alessandra Vannucci

Às 15h

Encontro entre todos os diretores presentes

Às 17h
Demonstração de trabalho com Alessandra Vannucci (evento aberto
a todos os públicos)

Amanhã
De 9h às 13h

Oficinas com Sérgio de Carvalho e Alessandra Vannucci

Às 15h

Palestra com a fonoaudióloga Mônica Montenegro sobre o tema Voz e Expressividade: ator e encenação

Às 17h

Demonstração de trabalho com o diretor Sérgio de Carvalho (evento aberto a todos os públicos)

Às 19h

Demonstração de trabalho com Aderbal Freire Filho (evento aberto
a todos os públicos)

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