postado em 28/08/2011 17:48
Foi com um tanto de desconfiança e uma dose de cautela que o crítico de música Ira Robbins escreveu uma das primeiras resenhas de Nevermind. O disco, uma aposta da gravadora Geffen Records para a temporada de fim de ano, não renderia mais que quatro parágrafos na revista onde o texto seria publicado, a Rolling Stone. No mais, parecia um espaço até generoso para um trio que, até então, só comovia os sócios do rock subterrâneo americano. ;O Nirvana é o mais novo bebê do underground que nasce para testar a tolerância do mainstream à música alternativa;, observou, sem muito entusiasmo. Isso numa época em que, no reino da música pop, a palavra underground ainda soava perigosa.Em setembro de 1991, havia álbuns mais ambiciosos nas prateleiras. Os ingleses do Primal Scream, por exemplo, combinavam influências como gospel, dub e eletrônica no elogiadíssimo Screamadelica. O U2, depois de espairecer em Berlim, estava prestes a renascer numa mutação visual e sonora em Achtung baby. E, abafados pelos hits incontornáveis do Guns N; Roses (que lançou os dois discos do projeto Use your illusion) e do Red Hot Chili Peppers (Blood sugar sex magik), os primeiros sinais do trip hop começavam a aparecer em Blue lines, do Massive Attack. Nesse panorama, o segundo rebento do Nirvana ; 42 minutos de guitarra, baixo, bateria e algum violoncelo, simples assim ; parecia destinado à condição de nota de rodapé. A Geffen previu que venderia 250 mil cópias, e ficaria nisso.
Vinte anos depois, Nevermind conquistou um status superior a qualquer monumento musical do período em que foi lançado: é símbolo da cultura pop do século 20. Talvez não o melhor disco dos anos 1990 (ainda que sempre muito bem posicionado nas listas dos críticos), mas aquele que provocou as transformações mais decisivas no cenário pop da época. O efeito Nevermind paira acima do mito Kurt Cobain, então com 24 anos, e ainda ecoa no mercado musical. ;O disco representa algo que, às vezes, nem eu mesmo consigo reconhecer;, comentou Dave Grohl, líder do Foo Fighters e ex-baterista do Nirvana, ao semanário New Musical Express.
Numa era em que a música ainda não havia sido pulverizada pela internet, o álbum criou uma fissura entre décadas: inaugurou os anos 1990 ; e fez dos anos 1980 uma nostalgia distante.
O episódio que melhor resume o poderio (comercial e simbólico) de Nevermind, agora relançado em edição especial comemorativa, ocorreu quatro meses após o lançamento do álbum, em janeiro de 1992. Em rotação máxima na MTV, Smells like teen spirit foi o combustível para a arrancada do disco na parada da Billboard, demitindo Dangerous, de Michael Jackson, do topo. A cada semana, 300 mil unidades eram varridas das lojas. As revistas de música se deliciaram com a notícia ; o tempo do grunge chegava para enterrar o domínio do hard rock, do synthpop e outras ;farofadas; oitentistas. Mas a ascensão repentina do disco não era apenas o ;sabor da estação;: provocaria reações e consequências que afetaram a indústria, o underground e o próprio Kurt Cobain, que se mataria três anos depois.
Legado
Escrito por Kurt e produzido por Butch Vig (que, bem mais tarde, cuidaria do disco mais recente dos Foo Fighters, Wasting light), Nevermind vendeu, até hoje, 30 milhões de cópias. Nada comparável aos 110 milhões de Thriller (de Michael Jackson), mas só um pouco menos que os 32 milhões de Sgt. Pepper;s Lonely Hearts Club Band (dos Beatles). Impossível medir, no entanto, o legado, os desdobramentos da obra. ;Antes de Nevermind, as bandas independentes construíam a reputação em zines, shows e nas rádios universitárias. Depois, os selos passaram a caçar as bandas pequenas e, em muitos casos, a criar as próprias bandas ;alternativas;;, analisou Bob Nastanovich, do Pavement, em entrevista à revista Spin. Em 2005, a Biblioteca do Congresso americano adicionou o disco a uma coleção de obras ;cultural, histórica e esteticamente importantes; do século 20.
Lançado no mesmo ano de Ten, do Pearl Jam, e de Badmotorfinger, do Soundgarden, Nevermind foi tomado pela imprensa americana com símbolo de um novo movimento musical (nunca assumido como tal pelos supostos participantes). O grunge tinha naturalidade (havia nascido em Seattle), uniforme (camisas de flanela) e uma sintaxe musical (um amálgama de influências do punk, metal, hard rock, noise e de bandas alternativas como Pixies e Sonic Youth). Não demorou para se tornar uma grife, aplicada a jato pelas gravadoras.
Grupos ;genéricos; como Stone Temple Pilots, Bush e Candlebox desgastaram a fórmula, suplantada pelo punk-pop de bandas como Green Day e Offspring. Nos bastidores desse rearranjo comercial (em que as gravadoras mais poderosas mudavam para permanecer iguais), começava a se criar uma teia de fortes selos independentes, lideradas pela Sub Pop, o primeiro lar do Nirvana.
A conquista acidental mais importante de Nevermind foi a ampliação do circuito ;alternativo;, que se tornaria ainda mais expressivo depois da popularização das trocas de MP3 via internet. O disco do Nirvana, em perspectiva, representa um dos últimos ;grandes álbuns; de um modelo hoje combalido de mercado musical. E, no caso, parecia ter sido lançado na hora certa: a angústia de Cobain, que ruminava sobre uma geração invisível e sem esperanças, e o sentimento de urgência das gravações (e a sua doçura, já que o vocalista fez questão de gravar um disco acessível) foram acolhidas por uma juventude que carregava (talvez sem saber disso) um desejo intenso de se afirmar. ;Quando ouvi, percebi que algo ia mudar;, comentou Eddie Vedder, do Pearl Jam, à Spin. O que ninguém imaginava era que uma revolução inesperada provocaria, a longo prazo, tamanho estrondo.
; Festa em Seattle
O ex-baixista do Nirvana, Krist Novoselic, vai interpretar Nevermind na íntegra em Seattle, em 24 de setembro.
O concerto terá participação de bandas locais como Fastback, The Long Winters e Visqueen. A arrecadação será destinada a Susie Tennant, uma veterana da cena musical da cidade que se recupera de um câncer. Na mesma noite, Dave Grohl se apresentará em Cleveland com o Foo Fighters.
; Você sabia?
A capa do bebê
; Foi Kurt Cobain quem teve a ideia para a capa de Nevermind, enquanto assistia a um programa de tevê sobre partos debaixo d;água. Sugeriu ao artista gráfico da Geffen Records, Robert Fisher, a imagem de um bebê nadando em direção a uma nota de dólar, pendurada num anzol. O menino Spencer Elden, filho de um amigo do fotógrafo responsável pelo ensaio, fez o trabalho direitinho. Mas, entre os executivos da gravadora, a pose provocou polêmica: foram feitas versões da capa com e sem a imagem do pênis do garoto. Cobain, em meio às discussões, sugeriu que o álbum viesse com um aviso: ;Se você se sentiu ofendido por essa imagem, deve ser um pedófilo enrustido.; A arte original venceu a briga.
; Linha do tempo (1991-2011)
- Agosto de 1991 ; Pearl Jam lança Ten, o primeiro disco de estúdio.
- Setembro de 1991 ; Nevermind, segundo trabalho do Nirvana, chega às lojas no dia 24.
- Outubro de 1991 ; Soundgarden, a primeira banda grunge a assinar com uma grande gravadora, estreia na A Records com Badmotorfinger.
- Janeiro de 1992 ; Nevermind desbanca Dangerous, de Michael Jackson, e chega ao primeiro lugar da parada.
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- Setembro de 1993 ; Nirvana lança In utero, que venderia 4 milhões de cópias apenas na América.
- Outubro de 1993 ; Vs., segundo disco do Pearl Jam, reage ao sucesso do grunge. O grupo se recusa a gravar videoclipes para as músicas do álbum.
- Março de 1994 ; Superunknown, quarto disco do Soundgarden, chega às lojas.
- Abril de 1994 ; Kurt Cobain é encontrado morto, aos 27 anos, na casa onde morava, em Seattle. Causa: suicídio com um tiro na cabeça.
- Novembro de 1994 ; Chega às lojas Unplugged in New York, projeto acústico do Nirvana para a MTV. Pearl Jam lança Vitalogy e protesta contra preços de ingressos da Ticketmaster.
- Julho de 1995 ; Dave Grohl lança o primeiro disco do Foo Fighters.
- Abril de 1997 ; Soundgarden acaba.
- Setembro de 1999 ; Chris Cornell, ex-vocalista do Soundgarden, lança o primeiro disco solo.
- Abril de 2002 ; Layne Staley, vocalista do Alice in Chains, morre aos 34 anos de overdose de drogas.
- Setembro de 2009 ; Com novo vocalista, William DuVall, Alice in Chains lança o disco Black gives way to blue.
- Janeiro de 2010 ; Chris Cornell anuncia no Twitter a volta do Soundgarden.
- Abril de 2011 ; O sétimo disco do Foo Fighters, Wasting light, faz referências a Kurt Cobain e é produzido por Butch Vig, de Nevermind.
; Baú escancarado
Conheça as novidades que acompanham a versão de luxo de Nevermind, que chega às lojas em setembro.
As gravações de Butch Vig
Antes de ir à Califórnia para as sessões de Nevermind, o Nirvana gravou versões iniciais de faixas como Breed e Polly no estúdio do produtor Butch Big, Wisconsin. Era abril de 1990.
Os ensaios
Além da conhecida versão ;sujinha; de Smells like teen spirit, sucesso na web, o CD desenterra os ensaios de faixas como Territorial pissings, além das raridades Old age e Verse chorus verse.
Mixagem alternativa
Cobain torce o nariz para a mixagem ;polida; de Nevermind, feita por Andy Wallace. Aqui, os fãs têm a chance de conhecer o acabamento que Butch Vig teria feito no disco.
Show em DVD
Um show do Nirvana no teatro Paramount, em Seattle. Além das faixas de Nevermind, o trio interpreta canções de Bleach.