Para Brassa;, Paris era um campo de batalha. Sem armas ou barricadas, mas com uma sucessão de imagens que carregavam o mesmo poder de fogo dos disparos. ;Paris vive e pulsa;, escreveu o fotógrafo. ;(;) os homens pulsam com ela;. Brassa; nasceu na Transilvânia de 1899 e foi batizado Julius Halasz, mas se fez em Paris e retratou para o mundo os anos loucos da cidade-luz nas primeiras duas décadas do século 20. As 98 fotografias de Paris à noite, que a Embaixada da França e a Aliança Francesa inauguram hoje no Museu Nacional, são um extrato pequeno, mas significativo da vida e obra de Brassa;.
Era ao lado de Henry Miller que o fotógrafo perambulava pelas ruas da cidade. A dupla cultivava gostos semelhantes pela boemia e, sobretudo, por tipos estranhos e bizarros. Miller escrevia sobre as experiências. Brassa; as fotografava. O conjunto selecionado pela curadora Agn;s de Gouvion Saint-Cyr vai além das imagens mais conhecidas. Uma Paris deserta e insólita predomina sobre os clássicos rostos extravagantes de figuras da noite. A cidade vira cenário fantasmagórico, terreno de caça à luz noturna e paisagens desertas propícias a longas horas de exposição. Nos anos 1920, esse tipo de fotografia era uma empreitada.
Há também algo surreal ; e vale lembrar a ligação do fotógrafo com os surrealistas ; na maneira como Brassa; encara os cenários. Quando aparecem, os personagens estão imersos em seus afazeres, como se não houvesse lentes por ali. Com certa frequência, emergem do escuro, como se revelados pela câmera. Faróis de carro ou iluminações de postes ajudam o fotógrafo a criar cenas sinistras, como a gárgula da Notre Dame que observa a bruma da noite e as silhuetas iluminadas, provavelmente, por um farol de carro. Era, como Henry Miller gostava de frisar, o olho de Paris: ;Bastavam poucas horas ao lado dele para ter a impressão de estar sendo levado para uma grande peneira que guarda um pouco de tudo o que contribui para exaltar a vida;.
para saber mais
Brassa; passou pelo desenho e pelo texto antes de chegar à fotografia. Primeiro, trabalhou como ilustrador para jornais e revistas. Depois, passou a escrever crônicas e, timidamente, fez algumas fotografias para ilustrar as histórias contadas nos textos. O mundo noturno parisiense era o foco, mas não o mundo comportado da burguesia e sim aquele das margens, povoado por prostitutas, transexuais, delinquentes, trabalhadores noturnos, artistas e escritores. Um mundo de palcos exóticos e cafés de freguesia nada convencional. A fotografia, para Brassa;, era uma forma de explorar universos estéticos que ele não conseguia sintetizar na pintura e no desenho. Levou bronca de Picasso por causa da escolha. A fotografia, acreditava o pintor espanhol, obrigava o artista brilhante à abnegação. ;Essa submissão me agrada. Tenho o olho, mas não a mão; não se pode mais tocar nos objetos;, tentava explicar o fotógrafo, que também se dedicou à tapeçaria, à escultura e chegou a ganhar um prêmio em Cannes pelo filme Tant qu;il y aura des bêtes (;Enquanto houver bestas;).
Duas perguntas // Agn;s de Gouvion Saint-Cyr
Que tipo de leitura a senhora propõe ao mostrar as paisagens noturnas de Brassa;?
Desejava mostrar como a noite transforma a cidade em uma cena quase teatral e a ausência de personagens torna o corpus atemporal. No entanto, as condições para fotografar eram tais (longo tempo de exposição, necessidade de uma luz uniforme) que a presença de personagens (e consequentemente de seus movimentos) corria o risco de tornar a imagem disforme ou ilegível. É então, ao mesmo tempo, uma escolha técnica e conceitual por parte do artista.
O que Brassa; representa para a história da fotografia e para a fotografia francesa?
Estou certa de que Brassa; figura, sem dúvida alguma, como um dos maiores fotógrafos no que diz respeito à qualidade de seu trabalho, à diversidade de suas obras e à incessante inventividade com a qual ele soube trabalhar.
Paris à noite
Exposição de fotografias de Brassa;. Visitação até 2 de outubro, de terça a domingo, das 9h às 18h30, no Museu Nacional da República.