Diversão e Arte

Wilson Moreira e Nei Lopes comemoram parceria de 37 anos com muita música

Irlam Rocha Lima
postado em 03/09/2011 18:30

Do encontro entre um agente penitenciário e um advogado, em 1974, no centro do Rio de Janeiro, seria possível esperar várias coisas; menos que dali surgisse uma das mais profícuas e afinadas parcerias da música brasileira. Ao ser apresentado por Délcio Carvalho a Nei Lopes, Wilson Moreira já sabia que acabara de conhecer um exímio letrista.

Nei sorriu quando Délcio (parceiro mais frequente de Dona Ivone Lara) disse que Wilson ;colocava melodia até em bula de remédio;. Apresentação feita, imediatamente os dois começaram a compor juntos, e não demorou nada para terem as primeiras músicas gravadas: Leonel, Leonor, por Roberto Ribeiro; e Te segura, na voz de Beth Carvalho.

À época agente lotado no Complexo de Bangu ; aposentou-se no começo da década de 1990 ;, Wilson compunha com outro nome legendário do samba carioca, o portelense Candeia. Já Nei, além do ofício na área jurídica, atuava como publicitário e fazia música com Reginaldo Bessa. ;Embora Leonel, Leonor tenha tocado bastante no rádio, o primeiro grande sucesso da minha parceria com o Nei foi Gostoso veneno, para o qual contribuiu a interpretação de Alcione;, lembra Wilson.

Por pertencerem a sociedades autorais diferentes, inicialmente houve uma complicação para que assinassem juntos as composições, como explica Nei, que se valeu de artifício: ;As primeiras músicas que compomos juntos, eu assinei como Neizinho, em respeito a ele, que era mais antigo no meio;. Logo depois, isso foi resolvido e os dois entraram para a história da MPB com os nomes com os quais foram batizados.

De tão famosa, a parceria desses dois mestres chegou mesmo a bagunçar a cabeça de Neizinho, filho de Nei e que atualmente integra o grupo DNA do Samba. Certa vez, na escola, ao ser perguntado por uma professora quem eram seus pais, o garoto, de pronto, respondeu: ;Sou filho de Wilson Moreira e Nei Lopes;, levando a mestra e os colegas às gargalhadas.

Nem mesmo os dois têm uma noção exata de quantos sambas fizeram. Wilson acredita que ultrapassa fácil a marca de 100; enquanto Nei afirma que ;gravadas; são 57, embora haja um grande número de inéditas, registradas em fita cassete e CD demo. Poderia ter bem mais, se a parceria não tivesse sido interrompida, por causa do problema de saúde ; um AVC ; pelo qual o melodista foi acometido em 1997.

;Há muito tempo a gente não escreve nada juntos, mas a amizade, a consideração e o respeito mútuo permanecem inabalados. Wilson me emociona muito, e acho que a recíproca é verdadeira;, afirma Nei. ;Quando compúnhamos, todos os métodos eram possíveis. Eu colocava letra nas melodias dele; ele colocava melodia em minhas letras; Wilson iniciava e eu concluía;, acrescenta.

Senhora liberdade

Cantores de diferentes gerações têm gravado Wilson Moreira e Nei Lopes. Além dos citados Roberto Ribeiro, Beth Carvalho e Alcione, fazem parte da lista Clara Nunes, Zezé Mota, Jair Rodrigues, Zeca Pagodinho, Dudu Nobre, Moiséis Marques e até o francês Paul Mauriat. ;Um dos maiores sucessos da dupla, Senhora liberdade, gravada por Zezé Mota, tem uma história.

;Originalmente essa música chamava-se Violenta emoção. Ao mostrá-la numa roda de samba na casa do jornalista Sérgio Cabral (pai), o samba foi ouvido por Zezé Mota, que estava escolhendo repertório para um disco. Ela gostou muito e acabou gravando. Mas aí pediu para mudar o título e colocou Senhora liberdade. Resultado, a música se transformou no hino das Diretas Já, cantado nas ruas e nas praças do Brasil;, recorda-se Wilson, orgulhoso.

Reverenciados pelos sambistas da nova geração, que contribuíram para a revitalização do bairro da Lapa, os dois têm recebido várias homenagens nos últimos tempos. A EMI Music relançou o álbum ; versão CD ; A arte negra de Wilson Moreira e Nei Lopes, gravado em 1980. Para comemorar o evento, em 19 de outubro do ano passado, o Instituto Moreira Salles (IMS) promoveu o reencontro dos parceiros, em show na sede da instituição, no Rio de Janeiro, numa noite memorável. O outro disco lançado pela dupla é O partido muito alto de Moreira e Nei Lopes (1985).

Wilson recentemente teve sua arte celebrada na Academia Brasileira de Letras (ABL), durante show do grupo Samba de Fato. Outra homenagem ele recebeu no Clube Democráticos (Lapa), em meio a uma festa, comandada pelo cantor e compositor Pedro Miranda. O sambista de 74 anos comemora também o lançamento do CD com músicas que gravou com o grupo Baticum, há 20 anos, produzido por Beto e Henrique Cazes.

No último sábado houve a inauguração do Centro Cultural Solar Wilson Moreira, na Praça da Bandeira, criado pela mulher, a pesquisadora Ângela Nenzy. ;Estou preparando um outro disco com sambas de terreiro e de enredo, que fiz na Mocidade Independente de Padre Miguel, na Portela e na Quilombo, escolas pelas quais passei;, anuncia Wilson, com entusiasmo.

Como escritor, Nei Lopes, de 69 anos, tem 26 títulos publicados, entre dicionários, romances e livro de contos. ;Estou preparando mais um dicionário de história da África, outro romance, escrevendo artigos, dando palestras, fazendo shows, cuidando dos meus orixás e dos meus irmãos mais velhos, paparicando o filho, os netos e minha mulher, tocando a vida, enfim;, celebra o intelectual do samba.

Cinco sucessos da parceria
; Gostoso veneno
; Senhora Liberdade
; Goiabada cascão
; Coisas da antiga
; Gotas de veneno


O que eles disseram

;A parceria de Wilson Moreira e Nei Lopes é tão perfeita que não consigo enxergar onde começam a letra e a melodia. A impressão é que foram criadas juntas, no mesmo instante, se completando. Wilson tem uma linha melódica única e Nei é um letrista perfeito. Quando exaltam a cultura negra no Brasil, é especial, não existem trabalhos semelhantes;

Teresa Cristina, cantora e compositora

;Melodista original, Wilson Moreira forma com o grande letrista Nei Lopes uma parceria maravilhosa. Eles criaram alguns clássicos que entraram para a história do samba, na interpretação de Alcione, Zeca Pagodinho, entre outros cantores. Tenho muita admiração pelos dois;

Paulão Sete Cordas, violonista, arranjador e produtor

;Wilson Moreira e Nei Lopes formam uma dupla clássica, entre os compositores de samba. O trabalho deles é consistente, forte e tem identidade. Morrendo de saudade, parceria dos dois, é de cortar os pulsos;

Nilse Carvalho, cavaquinista e vocalista do grupo Sururu na Roda

;Conheço bem os dois e me interesso pela obra deles. Wilson Moreira, com belas e difíceis melodias e harmonias inusitadas, e Nei, com letras fortes, se completam. Ultimamente, tive oportunidade de homenagear Wilson. Com o Samba de Fato, na ABL; e numa festa no Clube Democráticos;

Pedro Miranda,
cantor, compositor e pandeirista

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