Diversão e Arte

Em turnê no Brasil, Philip Glass fala sobre música, cinema e criatividade

postado em 05/09/2011 08:23

Para o americano Philip Glass, influente compositor de música clássica há décadas, visitar o Brasil deixou de ser um passeio exótico a uma terra estranha. Ele vem ao país desde 1986 e sempre se sentiu ;confortável aqui;. Até arrisca algumas frases na nossa língua em entrevista ao Correio, com um sotaque americanizado, como é de se esperar, mas sem atropelar a gramática. ;Falando português um pouquinho. Mais ou menos. Um tantinho;, diz entre risos. O músico, natural de Baltimore, estado de Maryland, escreve peças para artes plásticas, ópera, poesia, dança, teatro e também para cinema ; indicado ao Oscar pelas trilhas sonoras de Kundun (1997), As horas (2002) e Notas sobre um escândalo (2006). A atual jornada pelo país começa no dia 10, durante a oitava edição da Mostra Internacional de Música em Olinda (MIMO), evento gratuito com pernas em Recife e João Pessoa, que começa hoje e termina dia 11. Em seguida, faz paradas em São Paulo (13 e 14), no Rio de Janeiro (15), em Salvador (17) e em Porto Alegre (19).

Na turnê brasileira, Glass toca piano ao lado do jovem violinista Tim Fain, 34 anos, uma revelação da música erudita nos Estados Unidos. A estrela ascendeu quando figurou numa ponta no filme Cisne negro, como um solista que acompanhava os movimentos da bailarina Nina Sayers (a vencedora do Oscar Natalie Portman). Os instrumentistas executam o concerto Uma noite de música de câmara, composto de solos e duetos, dentro da Igreja da Sé. Um dos mestres do minimalismo, Glass conta que a colaboração tem sido frutífera. ;Ele é carismático e talentoso. São músicas recentes, que fizemos especialmente para esses shows;, detalha. E diz que está acostumado a se apresentar em ambientes como igrejas ou catedrais. ;Quando era mais novo, viajei pela Europa tocando em lugares assim;, acrescenta.

Alma brasileira
Glass é parceiro habitual de artistas brasileiros. Compôs trilhas para filmes de Monique Gardenberg (Jenipapo) e Wagner de Assis (Nosso lar), embrenhou-se nas artes plásticas de Carlito Carvalhosa e gravou disco com os mineiros do Uakti, Águas da Amazônia (1999). Ele reverencia a produção nacional como a mais importante do planeta. ;Acho que o país criou uma tradição de poetas músicos, em que a letra se torna poesia. Quando escutamos, as palavras soam muito contundentes. De um ponto de vista global, não há dúvida de que a música popular mais forte está no Brasil. A harmonia é mais ampla que na América do Norte ou na Europa;, avalia.

Erudito, mas aberto a outros timbres ; criou sinfonias inspiradas em Brian Eno e David Bowie e, por outro lado, também influenciou a música ambiente e eletrônica ;, Glass acredita que a tecnologia possibilita facilidades e oportunidades para os iniciantes. ;Faço minimalismo há mais ou menos 30 anos. Minha geração quebrou convenções. Foi um momento importante, aquele dos anos 1960 e 1970. Hoje, não pensamos mais que você possa fazer um estilo de música. É um tempo em que as pessoas têm permissão para experimentar;, comemora.

Três perguntas para Philip Glass

Qual o espaço ocupado pela música nos filmes?
Você tem o espectador e o filme. Entre os dois, há uma distância que o público precisa cobrir para se identificar com o filme e aproveitá-lo. E a música é a ponte para o espectador entrar no filme. Não é algo que serve para decorar, mas que funciona no sentido de fazer o filme reconhecível, mais fácil de entender. Levo essa regra muito a sério. E os compositores e os cineastas com quem trabalho entendem isso perfeitamente. Fiz uma com Martin Scorsese (diretor de Kundun) e ele entendeu como trabalhar com a música. Também foi assim com Woody Allen (em O sonho de Cassandra). Os compositores de trilhas, no curso da vida, fazem trabalhos de rotina, mas podem ter a sorte de pegar bons filmes. Acredito que os filmes bem-sucedidos são aqueles que usam integralmente o talento de todos os colaboradores.

Por que as trilhas sonoras têm progressões e estruturas repetitivas?
Muitos de nós fazem composições sutis. Acontece quando os personagens estão falando. Então, a música não deve ser o centro do filme e haverá espaços em que não há diálogos, apenas imagens, e a música se amplifica. É importante porque indica possibilidades. Quase todo mundo vai fazer algum tipo de repetição. Não parece muito sofisticado. Mas não é tão repetitivo, porque na verdade muda o tempo inteiro, a orquestração e a linguagem harmônica vão se modificando. Nós chamamos isso de repetição, mas se ouvirmos com atenção perceberemos que é mais que isso. Você então precisa sentir quando deve ficar em segundo plano e quando avançar para o primeiro plano. É parte da habilidade de um compositor.

Existe diferença entre compor para outras pessoas e para o seu prazer pessoal?
Às vezes, é a mesma coisa. Se estou fazendo um filme como Kundun, digo que é o meu trabalho mesmo, não faço distinção. Trabalho em colaboração o tempo inteiro, com poetas, cineastas, dançarinos, pessoas que escrevem para teatro. Amo o meu trabalho e 70% dele é em parceria com outras pessoas, então não posso dizer que não é pessoal. No meu país, e acho que no seu é assim também, o governo não apoia a arte. As pessoas aceitam atividades comerciais porque precisam. Mas temos um espírito.

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