Diversão e Arte

Cantor Ferrugem lança o segundo CD, uma mistura de xote com pop

postado em 06/09/2011 08:46
Se alguém chegar ao bairro de Amaro Branco, em Olinda, procurando por Wilson Bispo do Santos, ninguém vai saber quem é. Mas pergunte por Mestre Ferrugem que, com certeza, lhe darão informação. Há 40 anos o mestre entoa cocos na cidade e arredores ; talento herdado da família. Além de cantar, Ferrugem não para quieto, anda para tudo quanto é lado do Amaro Branco, mesmo tendo certa dificuldade de locomoção. ;Tem hora que chego em um lugar e o povo diz: ;Mas você não estava em tal canto agora mesmo, e já está aqui?;, diz, aos risos, o magro e carismático senhor de 58 anos, que mora no bairro desde que nasceu.

A inquietação também está nas ideias. De uns tempos para cá, por exemplo, vieram-lhe à cabeça uns pensamentos que o fizeram questionar o caminho que tomou com sua música. ;Eu acho, no meu ser, que não sou um cantador, eu sou um cantor. Então tenho que cantar tanto as minhas músicas quanto a dos meus companheiros. Porque uma pessoa, quando é cantor, precisa cantar de tudo;, afirma.

Esse pensamento ajudou o artista a dar cara ao segundo disco. Diferentemente do primeiro ; Mestre quando canta, discípulo tem que respeitar, de 2007 ;, o álbum que leva apenas o nome do mestre, Ferrugem, inclui músicas de outros compositores e junta ao coco ritmos como samba de gafieira, canção e xote. A ousadia pode até render críticas de ouvintes mais conservadores, mas Ferrugem não se abala: ;Essas pessoas dizem que estou querendo sair da minha raiz, mas eu não acho. Acho que fiz a coisa certa, na hora certa. Eu sempre quis ser pop, mas não conseguia;.

Para materializar essa vontade, o mestre contou com ajuda dos amigos Paloma Granjeiro e Pedro Rampazzo, da Sambada Produções, que buscaram nas leis de incentivo à cultura apoio para a realização do CD, e Sergio Caetano (ex-integrante do Mestre Ambrósio), que produziu o disco e trouxe para o repertório compositores de sua geração ; a exemplo de Cláudio Rabeca (Sábio pescador), Geraldo Maia (Viés de uma paixão) e Juliano Holanda (Vão). ;Eu quis cantar músicas desses meninos para eles saberem que sou intérprete não só de minhas músicas, mas das de qualquer outra pessoa;, afirma Ferrugem ; que também não deixou de lançar um olhar ao passado, gravando Forró na gafieira, de Rosil Cavalcanti.

Aliás, se tem uma coisa de que o mestre se gaba é de se dar muito bem com esse pessoal mais novo. ;Não tem um dia em que eu saia que não seja abraçado por menino, menina;;, conta ele. Com os músicos todos que estão no CD, Ferrugem tem proximidade. ;Menos com o Cláudio Rabeca, que eu não conheço muito;, ressalva.

Batuque

Mestre Ferrugem também considera acintosos esses que mal começaram no batuque e já se intitulam mestres. ;Acho chato isso: hoje, menino faz um estagiozinho, bota um ganzá na mão, pega umas baquetas e já toma uma camisa e escreve: ;Mestre;. Mestre de quê? Eu canto desde os 7 anos de idade. Até os 17, eu só cantava quando meus mestres mandavam. Eu carregava os instrumentos deles. Foi assim que aconteceu e foi uma coisa muito bonita;. Ele lembra que, por essa época, quando completava 17 anos, houve uma festa em que se reuniram nove mestres. ;Eu nem sabia que a festa era pra mim. Aí todos cantaram e depois disseram: ;Cante você agora;. Quando eu cantei, olharam um para o outro e falaram: ;Esse menino está pronto. Você pode cantar em qualquer canto;;, lembra com orgulho.

;Minha música teve o impulso desses mestres. Mané Farinha, Roxinho; Escrevi um coco muito bonito em que falo de dois deles, Calu Calado e Boquinha de Torreão. Quer que eu cante?;, pergunta ele, durante a entrevista por telefone. ;Então grave aí;. Em seguida, canta a música inteirinha, fazendo percussão na mesa, e encerra com uma gargalhada. ;Quem escreve uma frase daquela na capa do primeiro CD tem que se garantir;, diz, referindo-se ao título que deu ao disco lançado quatro anos atrás ; Mestre quando canta, discípulo tem que respeitar.

Esse, assim como Ferrugem, foi precedido por inquietações. Há tanto tempo cantando, Ferrugem não tinha nenhum disco gravado, mas aí veio um problema de saúde que o fez refletir. ;Eu era uma pessoa sadia, apanhei uma enfermidade e parei de andar, perdi o movimento. Mas disse: ;Peraí, não morri;. Porque eu já cantava. Na beira-mar de Olinda, não tinha quem ganhasse mais dinheiro do que eu. Sempre fui considerado cantor, mas nunca liguei. Chegava numa festa, era convidado pra cantar e passava na frente do cantor. O cara depois vinha me pagar pensando que era eu o artista;, conta.

Apelido de infância

Se tivesse oportunidade de gravar mais, material não faltaria para Mestre Ferrugem: ;Tenho 219 músicas. Nem todas estão registradas. Mas é muito bonito a pessoa lidar com a verdade e eu não vou deixar ninguém cantar minhas coisas sem minha autorização. Porque esse negócio do coco é uma linha perigosa. Cantor nenhum quer perder sua música pra outro;, diz o mestre, que ganhou o apelido Ferrugem ainda na infância, entre os colegas de escola. ;Me botaram apelido de tudo quanto é qualidade, mas só esse pegou. Era porque eu tinha o olho cheio de sarda. Hoje ninguém sabe meu nome, mas pergunte por Mestre Ferrugem que todo mundo sabe quem é;, diz, com admirável bom humor.

FERRUGEM
Segundo disco do cantor de coco pernambucano Mestre Ferrugem. 10 faixas, produzidas por Sergio Cassiano. Lançamento Sambada. Preço médio: R$ 25.

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