Irlam Rocha Lima
postado em 06/09/2011 09:08
Uma bela voz com sotaque lusitano e sons cheios de improvisos jazzísticos ecoaram pela Esplanada dos Ministérios, na noite de domingo.Juntos, dois grandes nomes da música portuguesa, a cantora Maria João e o pianista Mário Laginha, levaram encantamento ao público estimado em duas mil pessoas, na área externa do Museu Nacional, em show que marcou o encerramento do Cena Contemporânea 2011. A abertura do show foi feita pelo grupo Choro Livre, com clássicos do gênero e alguns sambas, como Aquarela do Brasil.
Maria João chamou a atenção ao surgir no palco, usando figurino em que, sobre um pareô de panos nas cores verde e roxo, havia uma blusa branca de mangas longas, colar de bolas amarelas e flor vermelha presa aos cabelos revoltos. Inquieta, durante 1h20, tempo da apresentação, ela ocupou o espaço cênico de forma completa. Quando não estava interpretando alguma canção, ora interagia com Mário, para, em impressionantes vocalizes, tirar sons de instrumentos percussivos, ora criava coreografias ao sabor do que ouvia.
As músicas do repertório saíram, em sua maioria, de discos gravados por eles. São temas da parceria que eles mantêm há mais de 20 anos. Um exemplo disso é o jazz Parrots and lions, com o qual o duo abriu o concerto. Ao cantar Choro feliz, Maria João citou Deixa isso pra lá, sucesso de Jair Rodrigues da década de 1960, tido historicamente como primeiro rap feito no Brasil.
O conhecimento profundo que a cantora tem da música brasileira (ela gravou um disco de sambas de Noel Rosa e fala com naturalidade sobre a obra de outros compositores da MPB) não se resumiu à citação de Deixa isso pra lá. Num dos mais emocionantes momentos do show, Maria João, com dramaticidade, incorporou a atriz, sugerida por Edu Lobo e Chico Buarque, no clássico Beatriz, da trilha do musical Grande circo místico.
Fado estilizado
Embora não tenha uma ligação estreita com o fado, o mais tradicional gênero musical português, Maria João foi brilhante e respeitosa ao soltar a voz em Há gente aqui, um fado estilizado na concepção de Mário Laginha.
Ao fim, no tema Preto e branco, causou impacto ao se deter por quase cinco minutos em longa scat ; improvisação vocal em que as palavras são substituídas por sílabas onomatopaicas, com o uso de vogais ;, que culminou com a ovação da plateia.
;Não conhecia nada da Maria João e do Mário Laginha e confesso que, no início do show, a linguagem utilizada me deixou um pouco incomodada. Logo em seguida, fui tomada pela interpretação de ambos, pela qualidade do trabalho vocal dela e pela técnica e o virtuosismo dele ao piano;, afirmou entusiasmada a designer Tati Rivoire, que assistiu ao show próxima ao palco. Ao arquiteto Edson Fogaça, que já havia assistido aos dois em Portugal, impressiona ;a capacidade de Maria João de ir do grave ao agudo com incrível facilidade, fazendo isso com absoluta naturalidade;.
No camarim, Maria João disse que não pôde conhecer Brasília como gostaria, ;mas vendo-a de cima ; do avião ; a imaginei uma paisagem lunar habitada por humanos;. Essa foi a sexta vez que a cantora e o pianista vieram ao Brasil. Depois do show em Brasília, eles apresentam-se, hoje e amanhã, no Porto Alegre em Cena, na capital gaúcha. Lá também lançam o CD Chocolate, com standers de jazz.