postado em 07/09/2011 09:08
Cada grupo teatral dissolve maneiras próprias de lidar com questões de linguagem, criação, organização e manutenção. Por isso, a vivência na companhia acaba servindo como verdadeira escola para seus integrantes. O encontro entre diferentes modos de criar foi a proposta do primeiro edital Rumos Itaú Cultural de Teatro, que encerrou no fim de agosto, com a apresentação dos resultados de 12 projetos de pesquisa.Dentre os 24 grupos selecionados, há três grupos do DF: Os Irmãos Guimarães, o Celeiro das Antas e Teatro do Concreto. Desde fevereiro, cada um desenvolveu projetos de pesquisa em dupla com coletivos de outros estados. O formato de intercâmbio teatral desenvolvido pelo Rumos Teatro é inédito para todos os grupos brasilienses. O Correio faz um relato sobre a experiência de troca.
Performances contaminadas
;É a primeira vez que a gente trabalha a partir do depoimento do outro;, disse o diretor Fernando Guimarães, da Cia. Irmãos Guimarães. O intercâmbio entre o grupo e a Cia de Teatro Autônomo (RJ) deu-se a partir de provocações. Primeiro, a companhia carioca sugeriu a criação de performances a partir do livro Cem anos de solidão, de Gabriel Garcia Marquez. Os brasilienses trabalharam com o episódio em que Rebeca chega a Macondo, trazendo a doença do sono. ;O processo de criação combina com a ideia do esquecimento, porque ambas exigem uma constante reelaboração a partir de fragmentos;, justifica Adriano Guimarães.
Na segunda etapa, os Guimarães propuseram aos intérpretes uma investigação a respeito do trabalho dos artistas contemporâneos Francis Alys, Elida Tessler, Angélica Liddell, Joseph Kosuth e Sophie Calle. A partir da pesquisa, foram realizadas experiências em tempo real, isto é, performances e vivências fora do palco. Uma das atrizes, por exemplo, descobriu um livro que Elida gostava e viajou a Curitiba para lê-lo. Lá, ela comprou 17 postais e enviou para as primeiras 17 pessoas de sua vida, a exemplo do médico que fez o parto da mãe dela.
A terceira etapa foi selecionar um trecho de entrevista desses artistas a respeito de seus processos composicionais, e interpretá-lo para uma câmera. ;Depois que o corpo passou pela experiência, eles assumem o discurso. O trabalho de vivência foi fruto de uma contaminação que sofremos por parte do grupo deles. Já eles, não tinham o costume de trabalhar com performances;, sintetiza Adriano.Blog: http://ciateatroautonomoirmaosguimaraes.
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Trocas ao vivo pela webcam
;Buscamos compreender o teatro que fizemos ao longo da nossa trajetória e as condições de cada momento;, explica o diretor José Regino, do Celeiro das Antas, sobre o projeto Florestas e antas, experiências teatrais ; em busca de um teatro possível, desenvolvido em parceria com o Teatro Experimental de Alta Floresta (TEAF/ Mato Grosso). E no intercâmbio de vivências, as trajetórias dos grupos cruzaram-se. ;Uma consequência foi o convite que recebi para dirigir o próximo espetáculo deles;, conta.
;À distância parecem dois universos diferentes. Mas acabamos encantados com a quantidade de semelhanças;, avalia José Regino. De acordo com ele, a multiplicidade de olhares envolvidos no projeto permite alcançar uma maior abrangência e autenticidade no resultado final. ;Descobrimos que quem quer trabalhar com arte tem que ter tempo a perder. Senão vai caminhar para um produto;, afirma.
A viagem do grupo brasiliense à Alta Floresta a fim de acompanhar a agenda do outro coletivo foi um mergulho em outra realidade. ;O fazer artístico tem outra força, porque as condições que existem são totalmente desestimulantes;, avalia. Durante o festival local, uma coisa impressionou o diretor: a atenção e o respeito da plateia: ;O povo lota o teatro. E eu não tenho dúvida de que o motivo disso é o trabalho que eles fazem na cidade. E você não acredita o que eles fazem por lá. Até filme já dirigiram;. Essa visita foi um dos quatro encontros presenciais dos grupos, além das cinco videoconferências pela internet para debater textos. Descobrimos que a menor distância entre dois pontos é uma webcam.;Blog: http://teatroflorestaseantas.blogspot.com.
Sem pensar no espetáculo
Jovialidade, interesse pela pesquisa e trabalho experimental foram os fatores de identificação entre os grupos Teatro do Concreto e o pernambucano Magiluth. Durante um semestre, eles trocaram, mensalmente, três fotos de suas respectivas cidades. A partir daí, foram criadas algumas cenas para o projeto de pesquisa Do concreto ao mangue ; Aquilo que meu olhar guardou para você. ;O legal é que não tínhamos a obrigação de chegar a um espetáculo no final. O que fez com que outras questões viessem à tona;, conta o diretor Francis Wilker (Teatro do Concreto). Para ele, a maioria dos editais é voltada para a produção de um espetáculo, sendo difícil encontrar aqueles que estimulem diálogo e pesquisa.
Reflexões sobre a sobrevivência e a organização dos grupos, fotos e fragmentos de ensaios podem ser encontrados no blog da dupla. No fim, o Concreto apresentou algumas das cenas desenvolvidas durante a pesquisa.
;Produzimos muito, então tivemos que selecionar. Pode ser que haja alguma demonstração dos trabalhos aqui em Brasília;, explica.
Nesse conjunto, destaca-se a ;brincadeira; entre realidade e ficção: o lugar da não interpretação, isto é, a substituição do personagem pelo depoimento do próprio ator em cena; a falta de preocupação com a dramaturgia estruturada (início, meio e fim).
Com o encerramento das atividades, fica o gostinho da expectativa quanto ao futuro. ;Nós voltamos querendo experimentar mais e amadurecer aquilo que criamos. Estamos muito afetados uns com os outros e queremos saber o destino desse namoro entre os grupos;, revela. Blog: http:// doconcretoaomangue.
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