postado em 08/09/2011 09:16
A gastronomia, desde a produção até o consumo de alimentos, é parte crucial da cultura de uma sociedade. É impossível dissociar a imagem do queijo, por exemplo, de Minas Gerais. Ou ouvir falar em cerveja e não lembrar de qualquer lugar do Brasil em um dia de sol. É exatamente essa relação entre cultura e alimentos, permeada por discussões políticas, que será tratada na segunda edição do Slow Filme ; Festival Internacional de Cinema e Alimentação, que ocorre em Pirenópolis (GO) de 15 a 18 de setembro. Na edição deste ano, o foco do evento é mostrar que queijos e cervejas artesanais de ótima qualidade, com status gourmet, podem sim ser produzidos no Brasil.
O festival exibirá, no Cine Pireneus, 18 filmes, entre longas, médias e curtas de ficção e documentários, de diferentes países. As produções, selecionadas pelo professor de cinema, crítico e cineasta Sérgio Moriconi, falam sobre tradições culinárias, mas também abordam o problema da falta de comida e o conceito de sustentabilidade. São documentários e obras de ficção do Brasil, Itália, França, Irã, Líbia, Suécia, Hungria, Índia, Chile e Estados Unidos que poderão ser vistos ao longo de quatro dias de programação. Para Moriconi, todo o contexto em torno das comidas e bebidas estão relacionados com o movimento slow food, que pretende incentivar os costumes culinários regionais e o consumo de produtos locais.
O destaque do evento será a pré-estreia nacional do documentário O mineiro e o queijo, do cineasta Helvécio Ratton, que fala sobre a fabricação, o consumo e a distribuição do famoso queijo de minas artesanal ; mais especificamente os fabricados na Serra da Canastra, na região do Serro e do Alto Paranaíba, em pequenas queijarias familiares. ;Esse é um longa político e poético;, afirma Ratton, que, inicialmente, pensou em fazer a obra com uma abordagem mais cultural, sobre a relação desse alimento com as tradições de Minas Gerais.
;Mas, ao longo da pesquisa para o filme, vi que onde havia tradição, também havia contradição;, ressalta. O cineasta explica que, desde que o queijo de minas artesanal, feito com leite cru, tornou-se patrimônio nacional, em 2008, ele foi impedido de ser comercializado fora do estado onde é produzido. Ele questiona a legislação que proíbe a circulação do queijo nos outros estados brasileiros e permite apenas a exportação daqueles feitos com leite pasteurizado.
Essa indagação é compartilhada pelo produtor de leite, café e queijo de minas João Carlos Leite, 46 anos. O produtor ressalta que o queijo feito de leite cru tem sabor único, de acordo com a região em que é produzido. ;Isso é o que os franceses denominam terroir, a união das condições de clima, solo, vegetação, alimentação, conjunto de fatores de determinada região que confere ao queijo um sabor específico, já que não existem regiões iguais no mundo;, explica. Leite assegura que o Brasil produz queijos especiais, a ponto de degustadores europeus considerarem o Canastra Real como um dos melhores tipos produzidos ao redor do mundo. Quem prestigiar o evento terá a oportunidade de conversar com Ratton sobre o filme e degustar queijos de Minas Gerais como os fabricados em Cruzília, Serra do Salitre e Serro.
Debates
Além da exibição gratuita de filmes, haverá palestras com especialistas, visitas a feiras e fazendas da região, oficinas sensoriais e degustação de produtos orgânicos e artesanais. Uma das palestras será ministrada pelo mestre cervejeiro Marco Falcone, dono da Cervejaria Falke Bier, de Ribeirão das Neves (MG). Falcone falará da relação entre a cerveja e a humanidade após a apresentação de dois filmes que tratam da produção artesanal de uma das bebidas mais populares no Brasil.
A obra Cerveja falada ; de Guto Lima, Demétrio Panarotto e Luiz Henrique Cudo ; mostra a história do mais antigo ceverjeiro do país, Rupprecht Loeffler. Já História da cerveja em Santa Catarina, dirigida por Andreas Peter, mostra histórias curiosas de microcervejarias no estado catarinense e inspirou a criação de Cerveja falada.
O cervejeiro de Minas Gerais vai comentar sobre as pessoas que produzem cerveja na panela do fogão de casa (homebrewers), como ele fazia ente 1988 e 1989. ;Eu trabalhava naquela época como engenheiro elétrico, mas tinha paixão pela cerveja diferenciada;, relata. ;A empresa em que eu trabalhava me mandou para Hanover, na Alemanha. Lá, percebi que a cerveja que eu fabricava no Brasil era boa e passei a me aprofundar nesse processo;, recorda Falcone. Ele abriu sua cervejaria em 2004, com a ideia de integrá-la ao movimento slow beer, que valoriza a qualidade do produto artesanal, em vez da quantidade. Ao fim da conversa com Falcone, os espectadores poderão provar algumas marcas de cerveja artesanal brasileiras.
De acordo com o Sérgio Moriconi, o projeto de fazer o Slow Filme surgiu quando ele conheceu o festival italiano Slow Food on Film. ;Pensei em trazer isso para cá. A ideia de fazer a mostra de filmes em Pirenópolis se deu porque um festival desse tem muito mais a ver com uma cidade com cultura forte em relação a hábitos alimentares do que com uma cidade grande;, justifica o curador.
A diferença entre a mostra do ano passado para a segunda edição do Slow Filme é que as obras ;vão além da comida em si;. ;Alguns dos filmes são mais políticos, do ponto de vista da relação entre a agroindústria e o pequeno produtor. Procurei criações ligadas à agricultura sustentável e ao modo de vida mais saudável ;, acrescenta.
JANTAR BENEFICENTE
A rede de restaurantes Dom Francisco oferecerá, durante o evento, um jantar beneficente cuja renda será revertida para a participação de produtores no 1; Seminário de Queijos Artesanais do Brasil, que ocorre em Fortaleza, entre os dias 16 e 18 de novembro. O chef Francisco Ansiliero vai preparar uma entrada, dois pratos e uma sobremesa com ingredientes da gastronomia regional brasileira, ligados ao conceito do slow food. Entre os pratos, estão a salada de bacalhau com feijão-manteiguinha de Santarém, salsão, erva-doce, alho-poró e tomate italiano; e o lombo de pirarucu ao leite de castanha com mousseline de cará (foto), que une a cultura da região amazônica com a do cerrado.